sexta-feira, 6 de julho de 2007

MATERIALISMO HISTÓRICO: PENSANDO A CATEGORIA DE HISTÓRIA





, por Walter G. R. Lippold






“O que é história? Conversa fiada, segundo Henry Ford. Um pesadelo pensavava Joyce. Falsidades, rosnou Nietzsche. A grande dor, replica Frederic Jameson. Uma cha-te-a-ção (sic), dizem nossos filhos, que usam a palavra história para dar a idéia do rejeitado, do acabado, do morto. Por que defender essa ‘coisa’ chamada história?” BRYAN PALMER


Este artigo não é um lampejo individual: foi produzido com a ajuda dos debates entre colegas e o Professor Triviños nas ricas tardes e manhãs de quarta-feira. Foi influenciado pela minha prática de educador popular e historiador, se é que as duas coisas podem ser dissociadas. Agradeço a todos que de certa forma irão se reconhecer neste breve texto. Aos que fazem a história. Aos construtores das Portas de Tebas e da Pirâmide de Quéops. Aos cozinheiros que alimentaram tantos soldados famintos. Ao operário em construção. Aos que foram esquecidos. Os famélicos da Terra. Não “A ou B & Cia.”. Não a retórica vazia, mas a materialização da nossa praxis., de nossa realidade e de nosso porvir. Por tudo isso, convido-os a adentrar em um debate necessário atualmente: O que é história?

Ao citarmos a categoria de história, muitas pessoas automaticamente fazem uma analogia com os grandes feitos, as batalhas, e os grandes vultos da humanidade. O historiador é representado como um erudito socado em meio de documentos empoeirados, segundo esta concepção de história, ele deve fazer falar os fatos por si mesmos, ou seja, toda interpretação é puro subjetivismo, não é considerada científica. Esta concepção chama-se positivismo e sua influência na historiografia brasileira foi poderosa, ou melhor, continua sendo. Mas acreditamos que a história não é um turbilhão de nomes, datas e fatos, um álbum de antiguidades pétreas.

Usualmente, quando os historiadores, falamos em história, com “h” minúsculo, nos referimos ao processo histórico em si, quando escrevemos História, com “H” maiúsculo, nos referimos à disciplina História, o estudo desse processo. Atualmente, dentro do quadro teórico dos representantes da pós-modernidade, chega-se ao outro extremo do positivismo: nega-se que é possível compreender o processo histórico, aliás, nem se fala em processo, mas sim em descontinuidade absoluta, em fragmentação, em textualidade discursiva. A história é incognoscível, tudo é contingente, como diz Paul Veyne: “a história é um romance real”. A História, dentro desta concepção, acaba tornando-se um mero “contar estórias”, . Há uma forte tendência em afirmar que a história é um mero encantamento discursivo conjurado do presente, não existe ciência histórica, pois não existe nenhuma objetividade no ato de escrever História. Não há lógica, nem ligações necessárias, reina o relativismo cego: “A teoria em moda postula uma contemporaneidade quase desencarnada e fragmentada como ambiente da história, como acontecendo aparentemente divorciada da causalidade – uma série de ‘presentes perpétuos’.” (PALMER, 1999, p.74).

Ao condenar as metanarrativas pós-iluministas, os pós-modernistas escondem sob o mesmo manto teorias que diferem muito entre si, “construindo”, como já afirmou Mészáros, uma reductio ad absurdum, uma caricatura do marxismo para poder criticá-lo como uma “narrativa de subordinação”, deixando de lado o salto-ruptura efetivado no processo de desenvolvimento da teoria marxista, alcunhando este de ser reducionista e economicista. A defesa do materialismo histórico, de suas categorias, destacando a história e a classe social, faz-se necessária diante da apologética a-histórica – repetida ad nauseam - do “fim da luta de classes”, “fim das ideologias”, e finalmente, “fim da história”.

Este “fim da história” anunciado aos quatros cantos do mundo por Fukuyama, é na verdade, a naturalização e eternização ideológica da ordem de reprodução metabólica do capital, que teve um impulso poderoso, após o esfacelamento da “ameaça” soviética, é uma leitura vulgar da “síntese final” hegeliana, que no século XIX, era, para Hegel, o Estado Prussiano daquela época. É claro que Fukuyama é uma entre as diversas faces dos defensores da pós-modernidade, talvez a mais exagerada. Mas o aspecto que mais aproxima estas teorias é que:

[...] O pós-estruturalismo/pós-modernismo considera a história como a criação de um ou mais autores, uma inovação mágica do passado para servir ao conteúdo discursivo do presente. Assim, o passado só pode ser textualmente criado a partir dos imperativos de um exemplo presente.(PALMER, 1999, P.77).

Para a hegemonia teórica atual o materialismo histórico é uma teleologia mística, um reducionismo que coloca a riqueza e a diferença do caos histórico dentro do Leito de Procusto do economicismo mecaniscista. Será que leram o mesmo Marx que escreveu O 18 Brumário de Luis Bonaparte, que, junto com Engels, desenvolveu a concepção materialista de história em A Ideologia Alemã? Será que resolveram inventar uma caricatura borrada para poder assim menosprezar o materialismo histórico e suas categorias como peças dignas de um museu?

Adentremos em alguns pressupostos básicos para a compreensão da concepção materialista de História, na tentativa de solucionar as questões formuladas anteriormente. Em primeiro lugar devemos explicitar um problema fundamental: o da dialética do ser social e da consciência social. Para o materialismo histórico, o ser social é a origem da consciência social, ou seja

A produção das idéias, representações, da consciência está a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercambio material dos homens, liguagem da vida real.[...] o ser dos homens é o seu processo real de vida. (MARX; ENGELS, 1981, p.29)

Ou seja, segundo Marx e Engels (1981, p.29): “Os homens são os produtores das suas representações, idéias, etc., e precisamente os homens condicionados pelo modo de produção da sua vida material, pelo intercâmbio material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura social e política. ” Assim, as idéias, a moral, a religião, as ideologias, não possuem um história autônoma, elas estão sempre interligadas com o ser social, que as gerou. Mas isto não quer dizer que a consciência social não influencia o ser social. É por isso, que sem compreender a categoria de práxis, não se pode explicar a concepção materialista de história, já que é mediado pela práxis que os seres humanos fazem sua história, é através da práxis que o ser social e a consciência social encontram sua identidade temporária, a práxis objetiva o subjetivo e subjetiva o objetivo, une sujeito e objeto e transforma ambos.

Engels (1977, p.31) afirma “[...]que embora o modo material de existência seja o primum agens (agente primordial, causa primeira), isso não exclui as esferas ideológicas de reagirem por sua vez sobre ele, ainda que com um efeito secundário[...]”. E numa carta a Joseph Bloch, Engels (1977, p.34) explicita melhor aspectos da teoria do materialismo histórico:

[...]Segundo a concepção materialista da história, o elemento determinante da história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu dissemos outra coisa a não ser isso. Portanto, se alguém distorce esta afirmação para dizer que o elemento econômico é o único determinante, transforma-a numa frase sem sentido, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura [...] exercem igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam de maneira preponderante sua forma. Há ação e reação de todos esses fatores, no seio dos quais o movimento econômico acaba por se impor como uma necessidade através da infinita multidão de acidentes[...]Se assim não fosse, a aplicação da teoria a qualquer período histórico determinado seria, mais fácil do que a resolução de uma simples equação de primeiro grau”.

E mais adiante, na mesma carta, Engels exerce o importante exercício da autocrítica, coisa esquecida por muitos teóricos e políticos atuais, nestes tempos onde reinam o narcisismo intelectual e o egocentrismo individualista.

Marx e eu temos em parte a culpa pelo fato de que, às vezes, os jovens escritores [os primeiros “marxistas”] atribuam ao aspecto econômico maior importância do que a devida. Tivemos que enfatizar esse princípio fundamental frente a nossos adversários, que o negavam, e nem sempre tivemos tempo, lugar e oportunidade para fazer justiça aos outros elementos que participam da ação recíproca.

E continuando, em outra carta, Engels (1977, p.41) critica a todos mecanicistas, que não compreendem que causas e efeitos se transformam umas nas outras e estão essencialmente ligadas:

O que falta a todos estes senhores é a dialética. Apenas vêem causas ali, efeitos aqui. Que isto é uma abstração vazia, que no mundo real estas antíteses polares metafísicas só se dão em épocas de crise e que todo o grande curso das coisas se produz sob a forma de ação e reação de forças sem dúvida bastantes desiguais – ainda que o movimento econômico seja de longe a força mais poderosa, primordial e decisiva -, que aqui nada existe de absoluto e que tudo é relativo, isso é coisa que eles não vêem; para eles, Hegel não existiu.[...]

Todo este debate é importante para que possamos compreender a metáfora da base material e da superestrutura, para que não cairmos no reducionismo vulgar, maquiado de marxismo.
O materialismo histórico estuda o desenvolvimento humano que tem como origem a realidade material da sociedade em que vivem ou viveram; é a ciência social do marxismo. Como salientaram Marx e Engels em seu célebre Manifesto Comunista de 1848, a história da humanidade, desde o surgimento da propriedade privada, tem sido a história das lutas de classe, dos modos como o ser humano se organiza para reproduzir sua existência material.
Segundo Marx (1997, p.21) “Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem, não fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” Esta importante passagem de O 18 Brumário de Luis Bonaparte, é citada tantas vezes mecanicamente, que não se capta que nela reside o salto-ruptura que empreendeu Marx sobre a teorias que colocavam o homem como produto passivo das circunstâncias e sobre aquelas que negavam a objetividade da realidade histórica, caindo no idealismo de que um indivíduo pode moldar sua vida ao bel prazer. Os produtos do homem, tornaram-se hostis a humanidade, o mercado, a divisão do trabalho, o dinheiro, o capital, a mercadoria, todos criados pelos homens, tornaram a humanidade subjugada a poderes que parecem ser autônomos, não escolhemos viver sob a brutal exploração capitalista, mas estamos aqui, e nÃo podemos fugir dessa realidade, é sobre ela que devemos trabalhar, é sobre ela que muitos lutaram e outros lutarão por um realidade nova, o reino da liberdade, segundo Marx o verdadeiro início da história humana, onde a desumanização da maioria da população não seja o pressuposto para o enriquecimento de meia dúzia de burgueses. É por isso que Marx considera que vivemos atualmente a pré-história da humanidade, pois estamos mergulhados no reino da necessidade, subjugados pela necessidade imperiosa das leis do mercado, que devem ser internalizadas através de um complexo processo de reprodução ideológica necessário à reprodução dos circuitos do capital.

Alguns teóricos, antes de Marx, tentaram compreender a história sob as lentes do materialismo, mas muitos deles como Helvétius, que apesar de acreditar que as circunstâncias que rodeiam o ser humano determinam sua existência, afirmava que os grandes homens podiam modificar as opiniões errôneas, ignorantes que regiam a realidade social, caindo no idealismo. “Holbach e Helvetius, materialistas na sua concepção de natureza, eram idealistas no que se refere à História[...]os materialistas daquele tempo acreditavam que a opinião governa o mundo[...]” (PLEKHANOV, 2005, p.24). Um dos precursores da concepção marxista, segundo Ki-Zerbo (1982, p.752) foi Ibn Khaldun (1332-1406), norte-africano muçulmano que

[...]embora reconhecendo a Alá um império eminente sobre os destinos humanos, é o fundador da História como ciência, fundamentada em provas confirmadas pela razão.[...]para ele, o objetivo dessa ciência não é apenas a espuma superficial dos acontecimentos: “Qual é a vantagem de relatar os nomes das mulheres de um antigo soberano, ou a inscrição gravada em seu anel?” Ele estuda, sobretudo, os modos de produção e de vida, as relações sociais, em suma, a civilização (al-Umrān al-Badawī) e nas cidades (al-Umrān al Hadarī). Portanto, há uma passagem incessante e alternada do dominium de um ao da outra forma de civilização, sem que esse ritmo seja cíclico, pois se reproduz, a cada vez, em um nível superior, para dar origem a uma espécie de progressão em espiral. Afirmando que “as diferenças nos costumes e nas instituições dos diversos povos dependem da maneira como cada um deles provê à sua subsistência”, Ibn Khaldun formulava, com clareza e alguns séculos de antecedência, uma das proposições fundamentais do materialismo histórico de Karl Marx.

Antes de Ibn Khaldum, , Heródoto de Halicarnasso – que viveu na Grécia do século V a.C.. - foi o primeiro a usar o termo história, pois necessitava compreender as causas do conflito entre gregos e persas e assim pesquisou os costumes, a cultura, para posteriormente narrá-la, por isso foi considerado o “pai” da História. Já Tucídides, - historiador do século V, mas posterior a Heródoto - pesquisou a Guerra do Peloponeso e ajudou na consolidação do estudo da história, superou Heródoto. Antes deles podemos citar a contribuição dos griots africanos que deixaram sua marca indelével em todos os descendentes da Diáspora Negra, onde a oralidade é fundamental. Os griots eram historiadores-menestréis, até os dias de hoje, em países como Mali, eles ainda se fazem presente, mas sua influência é muito poderosa, principalmente no Brasil, se materializa em forma de cocos de emboladas, maracatus, sambas, raps e funks, que contam as histórias da periferia, uma verdadeira contra-História, ou melhor, um História contra-hegemômica.
. Os povos sempre valorizaram sua história, mas muitas vezes o mythos escondia o logos, considerava-se que apenas reis e grandes generais faziam a história, que as massas eram passivas, eram condenadas ao limbo histórico, ao esquecimento. Assim, como a ideologia dominante é a da classe que detém o poder material na sociedade, a concepção de história reinante, é a história dos vencedores, dos colonizadores, do “fardo do homem branco” na África, da mission civilisatrice européia, da burguesia maravilhada com seus próprios feitos.

Também é necessário explicitar a concepção de tempo histórico para o materialismo histórico, pois não podemos transportar o mecanicismo positivista que considera o tempo linear, uma teleologia do progresso humano. Para alguns pensadores gregos, como os pitagóricos, o tempo era circular, este momento em que estou digitando o presente texto, irá se repetir daqui 7 séculos, o mesmo momento, a mesma situação. É com o cristianismo que o tempo é concebido como linearidade, como avanço do Pecado Original, da queda do homem, até o soar das trombetas do apocalipse, há um avanço inexorável até este futuro anunciado profeticamente. Maquiavel, no século XVI, retomou a idéia de tempo circular, ao defender que da selvageria e da barbárie, os homens evoluem para o Estado sob o poder do príncipe e posteriormente chegamos à república. Mas a república possui contradições indissolúveis, entre os Grandes – os poderosos e ricos – e o povo, a corrupção é inerente à república, necessariamente ela irá desabar devido a estas rachaduras: voltamos ao estado inicial da selvageria e da barbárie. É claro que esta teoria foi retirada dos estudos de Maquiavel sobre a queda de Roma, e talvez por isso ele defendia a todo custo a manutenção do poder, pois quando mais firme o poder do príncipe, mais demorado ia ser o processo de retorno ao estado original.

Para o materialismo histórico, o processo de desenvolvimento da história é um movimento ascendente, mas espiralado, ou seja, que não avança linearmente , há retrocessos e paradas, continuidades e descontinuidades que se chocam e se interpenetram no movimento dialético da superação. Devemos combater certo “marxistas”que transpõe a linearidade positivista para o marxismo, a história não é uma linha reta ascendente de modos de produção, um esquema mecânico que passa longe do materialismo histórico. A história também não pode ser considerada produto do desenvolvimento da tecnologia, onde a dialética das forças produtivas e das relações de produção, é suplantada pelo determinismo tecnológico. Neste debate, é imprescindível, considerarmos uma importante categoria do materialismo histórico: o modo de produção.

No atual modo de produção processam-se as relações de classe, a oposição antagônica entre a classe capitalista e a dos trabalhadores. O modo de produção é uma unidade entre um certo nível de forças produtivas e de historicamente determinadas relações de produção. É através dessas relações de produção que a classe detentora dos meios de produção, explora a mercadoria força de trabalho, única mercadoria capaz de criar valor, é através de relações entre seres humanos que o capital se origina e se reproduz:

[...] o capital não é coisa, mas determinada relação social de produção, pertencente a uma formação histórica particular da sociedade, e essa relação se configura numa coisa e lhe dá caráter social específico. O capital não é a soma dos meios de produção materiais e produzidos. O capital são os meios de produção convertidos em capital, os quais em si não são capital como o ouro ou a prata em si, tampouco são moeda. São meios de produção monopolizados por determinada parte da sociedade, os produtos e condições de atividade da força de trabalho viva e, em virtude dessa oposição, se personificam no capital. [...](MARX,1981, p. 936).

Esse trecho ajuda-nos a pensar que não podemos considerar o materialismo histórico como uma teoria da teleologia da tecnologia. A crítica da economia política efetivada por Marx demonstra isso. Alguns marxistas acabaram por professar uma fé cega numa suposta neutralidade das forças produtivas, colocando-as como ativas perante as relações de produção. O socialismo seria um fruto do avanço inexorável da tecnologia, muitas vezes esquecendo-se que o ser humano é a principal força produtiva através do dispêndio de seu trabalho, através da sua práxis.

O que informa a perspectiva sobre a tecnologia que estamos criticando é a concepção de neutralidade das forças produtivas em relação às relações de produção, concepção esta que podemos definir a partir da idéia de um hipotético desenvolvimento autônomo das forças produtivas frente às relações de produção, sendo que esse desenvolvimento seria um aprimoramento contínuo das técnicas de produção, as quais deveriam valer para qualquer formação social, fosse ela pré-capitalista, capitalista ou socialista.” (ROMERO, 2005, p.21)

Mas é através de duas contradições fundamentais que o a história se desenvolve: a entre as forças produtivas e as relações de produção, que deve ser entendida dentro da dialética da quantidade e qualidade; entre as classes apropriadoras e as produtoras.

Também nos perguntamos se existe uma História Universal, já que muitas vezes, “História Geral” nos manuais escolares significa “História da Europa”. A história não é a priori universal, foi o capital que a tornou um processo que interligou todos os povos do mundo, nunca um modo de produção foi tão totalizante como o capitalista. É a partir desse pressuposto, que o marximo defende a luta mundial dos produtores, pois somente sob a égide do internacionalismo proletário, será possível a superação do atual modo de reprodução sócio-metabólico.

Quando ao uso ideológico da História, Chesneaux (1995, p.29) afirma que:

As classes dirigentes e o poder de Estado freqüentemente apelam ao passado de modo explícito: a tradição, aí incluídos os seus componentes específicos, a continuidade e a história são invocadas como fundamentos do princípio de sua dominação.

Assim voltamos a uma das duas concepções rapidamente expostas no começo desse artigo: o pós-modernismo. A pós-modernidade ao negar a história, acaba por se tornar apologética da eternização do modus operandi do capital. Ao negar o velho, inventa um novo deslocado do movimento histórico real. O movimento dialético da história é um processo onde se correlacionam elementos da descontinuidade e da continuidade, onde não há espaço para uma metafísica negação absoluta do velho, já que a superação, a síntese, carrega em si elementos de continuidade, agora vinculados com o novo. Um exemplo disso pode ser buscado na figura de Nietzsche – segundo Meszáros, um “homem para todas as estações” – que é um dos “velhos” cultuados pelos pós-modernistas. O que está em questão aqui é que os pós-modernistas também – de certo modo – defendem velhas posições ( o irracionalismo niilista e pessimista nietzscheano), articulando-as para novas necessidades. Ao fazerem isso admitem que sua descontinuidade “absoluta” está impregnada de elementos do velho, explicitam as contradições de um “meta-discurso” ligado a uma visão derrotista de uma “velha” esquerda que se travestiu de nova diante do espelho sedutor de um capitalismo que promete o deleite consumista das modas passageiras a todas as “minorias” que quiserem se integrar. Conjuramos por fim um espectro de um passado longínquo com o singelo intuito de finalizar nossos comentários sobre o artigo de Palmer, o espectro de Hegel, que brilhantemente brindou-nos com essas palavras na sua Filosofia do Direito: “É tão absurdo imaginar que uma filosofia possa transcender seu mundo contemporâneo, quanto imaginar que um indivíduo possa ultrapassar sua própria época, saltar sobre o canal de Rhodes”. Façamos das palavras de Esopo – citadas por Marx no O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte - nosso apelo final aos pós-modernistas: Hic Rhodus, hic salta!



REFERÊNCIAS:

CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? . São Paulo: Editora Ática, 1995.

KI-ZERBO, Joseph (coord.)História Geral da África: I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; UNESCO, 1982.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Cartas Filosóficas e outros Escritos. São Paulo: Grijalbo, 1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 1º Capítulo. Lisboa: Edições Avante, 1981.

MARX, Carl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 6 Ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.

PALMER, Bryan. Velhas posições/novas necessidades: história, classe e metanarrativa marxista. WOOD, Ellen; FOSTER, John (ORGs). Em Defesa da História: Marxismo e Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

PLEKHANOV, G.V. Da filosofia da História. In. PLEKHANOV, G.V. O Papel do Indivíduo na História. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
ROMERO, Daniel. Marx e a Técnica. Um estudo dos manuscritos de 1861-1863. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

100 Anos de Frida Kahlo (6 de julho de 1907 – 2007) - FRIDA KAHLO: O DESAMPARO ENCARNADO

Rachel Sztajnberg


"Quem quer que haja construído um novo céu, só no seu próprio
inferno encontrou energia para fazê-lo!"
Nietszche

    O desamparo na clínica, o desamparo na arte-que pontos de contato guardam entre si ? Primordialmente, a exigência de trabalho.O desamparo enquanto fonte de angústia, marca traumática essencial e excessiva, produz seus efeitos na constituição subjetiva. A qualidade desses efeitos varia numa escala demarcada por dois polos.Um deles é o que pretendemos desenvolver ao longo dessa exposição como uma operação energética laboriosamente criativa e original.O outro aponta para a fixação melancólica num sentimento de perda irreparável, sentimento esse que se desdobra igualmente em duas variáveis.

    Da primeira resulta um funcionamento sistemático onde o "resto" da ruína da onipotência resulta numa desilusão escancarada através de uma lucidez chapada e improdutiva.Quem se encarrega de exibí-la despudoramente é um sujeito submerso num vácuo que reduz ao mínimo um eu repetitivamente ocupado em não gerar mais do que a constatação exaustiva da falta do sentido de existir.

    O único prazer possível consiste nessa denúncia chocante que ele impõe a si e ao outro, como uma paixão pela qual se encontra obcecado.A outra variável é travestida numa reação ao vazio de identificações que mascara a miséria inflando o eu maniacamente de artefatos ilusórios os quais tamponam muito provisoriamente essa angústia. O padrão imediatista da cultura dos nossos dias contribui ativamente para esse modelo,já que ela tem o maior interesse na alienação e no descompromisso.

    Essa cultura instiga ao Ter, a incorporação de artefatos que provocam demanda mas que não são geradores de desejo, o único móvel que encaminharia realmente para a subjetivação. Seduzidos por apelos fascinantes, os seres manipulados rendem-se às idealizações que os afastam cada vez mais das construções de pertinência e de filiação.Esses sujeitos são violentamente arremetidos para uma falsa concepção de proteção, que na verdade os interessa, porque camufla o desamparo com o qual temos horror de nos confrontar pela dimensão trágica de que este se reveste.

    O preço pago por essa alienação é alto: o acúmulo, o excesso que sobrecarrega o consumo voraz desses "produtos" enganosamente gratificantes anestesia de modo muito precário a angústia.Entretanto, privando de crítica, gera seres mais embrutecidos, menos sutis, mais amortecidos.Configura-se um sistema muito próximo ao de estímulo-descarga,reduzindo ao mínimo a riqueza da produção criativa.Não que implique finalmente a liberação do mal estar, ele continua imperando mas numa tonalidade mais difusa,mais complexa, e,sobretudo,mais inapreensível, menos passível de ser simbolizada.

    Que compromisso tem hoje e com que instrumentos conta o analista da atualidade para dar conta dessa nova feição da demanda, mas reconhecida talvez pela estranheza que habita seres sem desejo e que , portanto,não tem o que formular.Se não é da natureza do recalque, o que se tem então para acessar quando já nos encontramos tão distantes dos pacientes ideais de Freud, aqueles "passíveis de análise" porque capazes de transmutar seu sintoma numa neurose de transferência, levando do suposto saber a desidealização e assunção da falta ? Se justamente é mais do já desiludido que tratamos hoje, aquele que se não se encontra sobrecarregado de ideais é justamente porque carece de um ideal mínimo que provoque um desejo e sua suspensão, como um grito parado no ar, mas elemento fundamental e constitutivo da subjetividade.

    Mais do que qualquer outra parece ser essa a questão mais aflitiva com que nos deparamos depois da queda de alguns ícones das mais variadas naturezas,políticas,religiosas, filosóficas,que sustentavam a referência a ídolos e ideais.Tal como em suas mais remotas fundações,quando a Psicanálise se viu confrontada com o desafio de penetrar um "continente negro", estamos ainda às voltas com decifrar o enigmático mas que parece Ter hoje uma feição distinta.A sujeição passa quase desapercebida quando se apregoa um direito de escolhas que na verdade já foram previamente determinadas.O excesso na oferta faz parecer que é muita e diversificada a apresentação de objetos reais, fetiches que na verdade obnubilam a visão do que falta e do que não se domina.

    A saturação ainda assim não dá conta, mas os que aterrisam nos consultórios não sabem dizer do que sentem falta.Uma vaga culpa os invade,porque não lhes basta a felicidade encomendada e estereotipada que lhe convidam a desfrutar.De um modo geral muito bem informados mas muito pouco familiarizados com a introspecção, sentem provavelmente a falta do "si mesmos", do contato com o que é genuinamente seu ainda que isso inclua sua trágica humanidade.Esta com certeza o pano de fundo do seu legítimo dilema que se encontra impedido de acessar.

    Perde-se assim a matéria prima sem a qual não há o que construir. Porque o desamparo, se não pode ser evitado, pode ser trabalhado, desde que ele possa ser vislumbrado.E é desse esforço que advém o criativo no humano, o que determina o mais além ,o desdobramento e a mobilidade de energia que barra o mortífero.Uma "outra" coisa (diferente da Coisa-das ding)se viabiliza então.Aí surge o sujeito na sua rebeldia a um destino sinistro e inelutável.Aí nasceu o herói que tece com os elementos de sua própria ferida narcísica uma diferença que o arranca da mesmice e da repetição, da fixidez da trajetória à qual já está predestinado independente de si.

    Freud,esgotado em sua busca e confrontado com seus limites,apontou,quando já não conseguia seguir adiante no trabalho sobre o mistério: "consultem os poetas". Intuiu que a arte era uma resposta a todos os óbices. Sabia do seu poder transgressor e revolucionário.Optei como Freud por recorrer a um artista e sua construção libertária para falar desse ato heróico de extrair do auto-reconhecimento de sua sinistra realidade uma "obra de arte" das mais arrojadas.Aí onde o sujeito pode até sucumbir diante de um sofrimento que destrói a linguagem e onde portanto ele se perde pode também encontrar, extraindo de suas próprias entranhas doloridas, uma "outra" estética diferente da beleza convencional. Uma beleza terrível, mas bela ainda assim na sua verdade reveladora e corajosa, no limite máximo do humor e do trágico, da irreverência e do compromisso com projetos nunca traídos ideológicos e amorosos.

    Frida Kahlo,consagrada pintora mexicana,em suas próprias palavras essa "...quase assassinada pela vida", forjou na própria carne dilacerada seu estilo de ser, sua transcendência, e talvez seja um dos modelos exemplares de que o desamparo pode, mesmo como fonte permanente de angústia,ganhar uma feição criativa.Impossível não reconhecer em sua obra a legitimação de sua dor de existir reinventada pictoricamente e confirmada , traduzida em ato, através de seu discurso, em seu diário e em suas cartas apaixonadas.

    Uma vida que ,datada do início do século,foi perpassada pelo sofrimento físico. A paralisia infantil na tenra infância deixa-lhe como sequela um rude golpe narcísico com rótulo: torna-se a Frida perna de pau.Mais tarde,o violento acidente urbano aos dezoito anos literalmente despedaçou seu corpo e a fez pena a vida inteira, fazendo-a ainda submeter-se a trinta e duas cirurgias,vinte e nove anos de dor contínua e finalmente a uma amputação da perna que não arrefeceram, apesar de tudo, sua resistência obstinada.Essa dor foi claramente reconhecida por ela ao referir-se ela própria ao acidente: "...e a sensação que desde então nunca mais me deixou de que meu corpo concentra em si todas as chagas do mundo". E ainda: "minha pintura carrega em si a mensagem da dor. Creio que ela interessa pelo menos a algumas pessoas".

    E, contudo, a pintura não nasceu nela de uma "vocação precoce". Surgiu sob dupla pressão: um espelho em cima de sua cabeça que a importuna, e bem no fundo de si mesma uma dor que vem à tona. Dois elementos que se conjugam e fazem a pintura aflorar.Pintura que transbordava de seu corpo , de suas chagas abertas, de sua solidão. Justificando a abundância de auto-retratos disse: "pinto a mim mesmo porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor"(Fotos 1 e 2).

    Esse trabalho contínuo de recomposição de sua imagem, essa luta pela reestruturação interna, como num mosaico mexicano, foi traduzida assim em suas próprias palavras: "Não estou doente.Estou partida.Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar"(Foto 3).



    Recusava-se veementemente incluir-se como pintora surrealista."Não sou surrealista,pinto a minha própria realidade". Realidade essa que também precisou recobrir com muitos véus. Ela que na adolescência pertenceu a um grupo insolente e se orgulhava de apresentar em roupas masculinas(Foto 4)

    ,atendia as demandas fantasiosas do amado, o também ilustre e revolucionário pintor Diego Rivera,e esmerava-se , mesmo no leito, em vestir-se com as marcadamente femininas roupas típicas da tradição mexicana. Os adornos abundam e daí surge nessa esfolada viva em toda sua pujança os emblemas de uma indiscutível feminilidade (Foto 5).

    No retrato do casal pintado por ela , a figura de Diego é consistente, sólida , enquanto ela quase levita.Seus delicados pés mal tocam o chão. E é Diego que tem a palheta nas mãos, o atributo artístico é reconhecido nele.Ela é aqui...apenas uma mulher.

    A aspiração à maternidade tampouco lhe foi concedida.Três abortos obrigam-na a Ter que dar conta de mais esse luto."Pintar completou minha vida.Perdi três filhos e uma série de outras coisas, que teriam preenchido minha vida pavorosa.Minha pintura tomou o lugar de tudo isso.Creio que trabalhar é o melhor".(Da autobiografia datada de 1953)-Foto 6.

    Ressalta em sua obra o inusitado da representação do corpo fruto de uma percepção feminina que nada tem em comum com os nus idealizados dos pintores masculinos. Suas representações do corpo e da sexualidade feminina, desafiando os tabus da época, irrompem numa nova versão.

    A determinação de trabalhar sua dor também foi ao longo de sua existência o resultado de um duro embate onde a idéia da morte não ficava excluída mas presente sempre em suas próprias palavras como uma "saída enorme e silenciosa"(Foto 7).

    Oscilou muitas vezes entre uma proclamação eufórica como "Para que preciso de pés quanto tenho asas para voar?" e registros diametralmente opostos como o inscrito no diária em fevereiro de 1954: "Amputaram-me a perna há 6 meses,deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão.Continuo a querer me matar.O Diego é que me impede de o fazer ,pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta.Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.Vou esperar mais um pouco...".

    A última entrada em seu diário: "Espero a partida com alegria...e espero nunca mais voltar...Frida". Pode se imaginar por esses áridos depoimentos o esforço de ligação de um psiquismo que tem que criar as condições biológicas do existir quando o apelo de deixar fluir na direção da morte, do alívio de um sofrimento tão intenso, se torna um convite tão sedutor(Foto 8)

    .E é a intervenção do outro (a menção de Frida a Diego) que torna esse organismo viável.O desamparo humano, que é construído na prematuridade biológica, está constantemente posto,paradoxalmente traumático e constitutivo,estrutural e impossível de ser dominado.É o outro, tudo que advém dele e de onde ele se encontra inserido que pode interceptar esse fluxo aí onde se inventa um objeto e se erotiza sua relação com ele(Foto 9).

    É evidente que processar isso implica muito trabalho no sentido da preservação dos objetos que tendem a desaparecer no vácuo onde as representações se diluem e resta só a tensão em seu excesso.É isso o desamparo, esse vazio pulsante.

    Frida Kahlo parece ter calcado um ponto de ancoragem identificatório na figura do pai, fotógrafo, ele também reprodutor de imagens e com quem aprendeu a revelar, retocar e colorir fotografias(Foto 10).

    "Meu pai foi para mim um grande exemplo de ternura,de trabalho...e acima de tudo de compreensão de todos os meus problemas".

    Frida parece ter percorrido um caminho da identificação à potência paterna a feminilidade com enorme custo.Sua relação com a mãe parece ter sido ambigua.Quase que imediatamente grávida após seu nascimento, esse fato determinou que Frida fosse amamentada por uma ama contratada "cujos seios eram lavados imediatamente antes de eu mamar" (Foto 11).

    Em um de seus trabalhos que considerava mais vigorosos Frida aparece com cara de mulher adulta e corpo de criança nos braços de sua ama, "com leite a escorrer dos seios dela como se fosse dos céus". A ama índia, nua da cintura para cima, tem uma máscara de pedra teotihuacan pré-colombiana em vez da cara.Salta da pintura a falta de contato com o olhar da ama.Contratada exclusivamente para amamentá-la, não deve ter havido qualquer relação pessoal com o bebê,daí a referência de Kahlo à sua própria pintura: "sem qualquer emoção". A despeito de tudo, Frida parece ter costurado internamente uma intensa relação com a mãe-terra,seu México amado e defendido mesmo nas mais adversas condições externas e internas, inerentes às suas limitações.

    De um jeito ou de outro a artista recuperou a história de sua descendência e representa literalmente esses laços de pertinência em uma "árvore genealógica" em que se inclui, aos pais e aos avós de diferentes origens(Foto 12).

    Situa-se e apossa-se assim de seu lugar numa cadeia histórica, através desses laços que amarram o sujeito numa referência e impedem que ele se sinta nada mais que um corpo perdido no espaço (Foto 13).

    No entanto, ninguém sente esses laços apertados para sempre, eles se fazem e desfazem-se constante e continuamente. Frida também teve que se haver com essa frágil tessitura e é na relação amorosa que tem que trabalhar sua desilusão, sua penosa desfalicização.Seu ideal de completude, o fusional que aplaca a dor do desamparo só pode ser simbolizado mas não realizado.

    As duas Fridas(Foto 14)

    , pintado pouco após o divórcio de Diego,sinaliza o corte dilacerante que a realidade lhe impõe.A Frida objeto de amor de Diego e seu alter ego tem expostos seus corações ligados um ao outro apenas por uma artéria. A Frida mexicana amada por Diego tem na mão um amuleto com a imagem do marido.A parte rejeitada européia de Frida corre o perigo de se esvair em sangue até a morte. Essa hemorragia narcísica quando não é estancada desemboca na melancolia , a menos que o trabalho de elaboração possa produzir uma assunção positiva do desamparo."Por que o chamo meu Diego? Nunca foi, nem será meu.É dele mesmo."

    Quanto custa essa assunção, que cada um só tem a si e nada mais? Não tem ao outro e o que tem de si, ainda assim, é frágil, limitado e provisório.É isso o desamparo, e o que quer que se possa criar só pode ser tecido a partir desse ponto crucial como Frida bem o constatou.
    "Eu vou mal e irei pior ainda mas aprendo pouco a pouco a ser só, e isso já é alguma coisa, uma vantagem, um pequeno triunfo". A vitória é possível , uma vez que na condição humana, no dizer de Pontalis, somos desamparados por vocação. Aonde quer que doa sou eu , nos diz ele. E o que mais dói é ser possuído e não possuir . "É viver num corpo que é um sepulcro que nos
    aprisiona (segundo Platão) do mesmo modo como a concha aprisiona a ostra"(Foto 15).

    Na tela "eu sou um pobre veadinho ferido ", Frida representa esse cárcere nesse corpo violentamente atacado que contrasta com o olhar fixo e impenetrável , exprimindo a fôrça da vontade que a fazia suportar seu martírio.

    Aos avatares dessa relação eu-corpo, Piera Aulagnier pela dimensão limite dessa experiência chamou de filiação. Forjada num encontro inaugural entre o Eu e o espaço corporal, daí emana tanto a possibilidade de prazer quanto de sofrimento, e é ela que vai modulando a relação do eu com a realidade. Uma relação naturalmente conflituosa e ambivalente que , por conta dessa qualidade, dota de uma potencialidade persecutória a estranheza vivida nesse embate mortífero.A iminência permanente da destruição do eu e do corpo, agenciada, seja por um, seja por outro, situa a castração no seu ponto limite, a sua corporificação. É nesse ponto provavelmente que o desamparo se agudiza dramaticamente.

    A tarefa hercúlea que se apresenta ao eu é que ele consiga coabitar com seu corpo, simultaneamente seu aliado e seu perseguidor. Investir e tomar posse do seu "habitat" a despeito do desconforto que essa relaçào lhe impimge. O eu é obrigado a se dobrar ao reconhecimento de que a autonomia é do "outro", desse objeto corpo ao qual está submetido.Ou senão construir toda sorte de "compromisso" neurótico, perverso,psicótico,que o permita driblar até onde der o reconhecimento da realidade do corpo e de suas exigências.Em última instância, o eu, inconformado com sua impossibilidade de recusar a morte, banca o desafio, disputa a autonomia e afirma, maniaca e triunfantemente, seu domínio impedindo o corpo de viver.

    Aonde o ódio aniquila o desejo a morte é inevitável.Ou ela ou o negativismo do melancólico, que até se permite viver, mas não mais para um desejo e sim contra um objeto que odeia. Na expressão literal de Piera como "uma última razão que as vezes o eu pode se dar para que o trabalho que o estado de ser vivo exige, guarde umsimulacro de sentido".

    No primeiro caso, o da morte escolhida, há uma óbvia recusa ao trabalho que o estar vivo impõe. Na Segunda hipótese não se pode dizer que não há trabalho, ele é mesmo intenso e desgastante, mas moldado na pura repetição. Gira sempre em torno do mesmo eixo, muito mais uma obsessão do que um projeto. Não se desdobra nunca. Mais descarga do que elaboração, carece de qualquer qualidade criativa, ainda há vida, mas a esperança já está morta e a operação já não é mais simbólica.

    Retornando à nossa referência paradigmática é diverso do que se representa na obra de Frida Kahlo. Mesmo quando ela se pinta sem esperança (Foto 16)

    seu desalento é representado ao vivo e a cores. Ou ainda dividida (Foto 17)

    como no auto retrato em que figuram na tela a imagem do corpo enfraquecido , violado e nu, indiferentemente virado para um deserto árido e fendido, imagem essa partilhada com sua vigorosa figura olhando determinadamente para o futuro com o colete numa das mãos e uma bandeira na outra, onde se inscreve um verso retirado de uma de suas canções favoritas: árvore da esperança, mantem-te firme. O Sol e a Lua, o desânimo e a posição combativa refletindo a dualidade do seu ser, o duelo titânico que se travava em seu interior.

    Recorro ao comentário do surrealista Andre Breton para falar da força vital desse duelo derramado em obra de arte: "...Acrescento que também não existe outra (pintura) mais exclusivamente feminina , no sentido de que, por ser a mais tentadora, ela prazeirosamente consente em se fazer alternadamente a mais pura e a mais perniciosa...A arte de Frida é um laço de fita em torno de uma bomba".

    As imperiosas limitações de Frida, se por um lado a imobilizaram drasticamente, criaram em contrapartida as condições para que sua energia refluísse em outras direções. Tendo-lhe caído nas mãos um livro de Freud, Moisés, o Homem e a Religião monoteista, inspirou-se nessa obra que a fascinou e produziu uma fantástica pintura premiada, Moises ou o núcleo da criação (Foto 18).

    A vida,a criação enquanto fonte de investimento estiveram presentes ao longo de sua penosa trajetória existencial. O desamparo nela conviveu com a potência e amalgamados constituiram a argamassa de um acervo que é hoje um legado precioso e respeitado. Das estéreis entranhas fez parir o sol e a vida (Foto 19)

    onde as plantas representantes do ciclo eterno da natureza simboliza igualmente os órgãos genitais masculinos e femininos.

    O sol, gerador da vida, está no centro de tudo.O feto que chora dentro das plantas e os pistilos lacrimejantes das flores representam a tristeza e a frustração de Frida pelo desejo não realizado. Obra que nos fez pensar no processo sublimatório como um trabalho constante de luto sobre as idealizações ilusórias. Nesse processo a falta é reconhecida, mas o que foi perdido gera uma outra coisa, o objeto se altera e serve de suporte para novos ideais. Assim, os fios se desdobram e uma trama pode ser tecida incluindo os buracos, os espaços vazios que fazem parte imprescindível do bordado como um todo.

    Começamos nossa digressão falando da arte e da clínica. O fio foi se desenrolando e traçou desenhos labirínticos,mas retorna agora ao ponto de origem. Se enquanto analistas não nos cabe fazer "arte", é no campo da transferência que se oferece a ousada possibilidade de romper com o instituído, de trabalhar na direção da alteridade, forçando uma brecha entre o eu e o outro, apavorante a princípio, mas de onde pode emergir, justo aí, aonde cai por terra a referência fálica, um outro registro.É o que emana desse vácuo com todo o horror que a experiência do que chamamos feminino em Psicanálise indica. No fim desse percurso, o analista tem que se haver com a sua solidão e o paciente com a dele.Um é testemunha do desamparo do outro e , voltando à sua marca original, cada um a seu jeito, porá o pé na estrada. Como Édipo, que depois de Ter os olhos vazados, segue seu destino errático. Tentando fazer dessa viagem que seja a mais singular e criativa possível .

    Bibliografia

    Auglanier,Piera Um intérprete em busca de sentido,II Ed.Escuta,1990-SP

    Birman,Joel Estilo e modernidade em Psicanálise,Ed.34Ltda,1997-RJ

    Kahlo,Frida -1910-1954-O diário de Frida Kahlo:um auto-retrato íntimo-Ed.

    José Olympio,1995-RJ

    Kahlo,Frida (compilação de Marta Zamora)-As cartas apaixonadas de Frida Kahlo,Ed.José Olympio, 1997- RJ

    - Kettenmann,Andrea Frida Kahlo-1907-1954.Dor e Paixão,Benedikt Taschen 1994,Germany.

    Pontalis,J.B. Entre le rêve et la douleur,Editions Gallimard,1977,France

    Pinheiro,Teresa O estatuto do objeto na melancolia-Cultura da ilusão,Ed.Contracapa,1998,RJ

    Sztajnberg,Rachel "Decifra-me ou te devoro": do enigma do discurso histérico

    Ao desafio do impasse melancólico na travessia do 1ºséculo de Psicanálise,Novembro/1995,Conferência da comemoração dos 100 anos da Psicanálise na SPCRJ;

    Corpo e imagem: representação da falta,falta de represen-Tação,Setembro/96-II Jornada de Psicanálise da Neurose da SPCRJ;

    - E o Messias não vai chegar? O futuro de uma desilusão, IV Forum Brasileiro de Psicanálise ,Setembro/1997.

    Rachel Sztainberg



Série nr º 1 - BIOCOMBUSTÍVEIS - A internacionalização do genocídio


Em artigo publicado no "Granma", o presidente de Cuba e líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, denuncia a tentativa de Bush, diante do iminente esgotamento a que o domínio dos cartéis e monopólios levaram a matriz energética dos EUA, de utilizar áreas dedicadas à produção de alimentos para postergar o fim de um modelo de desperdício à custa de mais exploração sobre o mundo

FIDEL CASTRO

A reunião de Camp David acaba de terminar. Todos escutamos com interesse a entrevista coletiva dos presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil, bem como as notícias referentes à reunião e as opiniões expressas.

Diante das demandas do seu visitante brasileiro quanto às tarifas alfandegárias e aos subsídios que protegem e apóiam a produção norte-americana de etanol, Bush não fez a mais mínima concessão em Camp David.

O presidente Lula atribuiu isso ao encarecimento do milho que, de acordo com suas palavras, aumentou em mais de 85%.

Já antes, o jornal The Washington Post publicou o artigo da máxima autoridade do Brasil, em que expôs a idéia de converter os alimentos em combustível.

Não é minha intenção magoar o Brasil, nem me intrometer em assuntos relativos à política interna desse grande país. Foi precisamente no Rio de Janeiro, sede da Reunião Internacional sobre o Meio Ambiente, há exatamente 15 anos, onde denunciei com veemência, num discurso de 7 minutos, os perigos ambientais que ameaçavam a existência de nossa espécie. Naquela reunião estava presente Bush pai, como presidente dos Estados Unidos, que, num gesto de cortesia, bateu palmas perante aquelas palavras, como também o fizeram os outros presidentes.

Ninguém em Camp David respondeu à questão fundamental. Onde e quem vai fornecer os mais de 500 milhões de toneladas de milho e de outros cereais de que os Estados Unidos, a Europa e os países ricos precisam para produzir a quantidade de galões de etanol que as grandes empresas norte-americanas e de outros países exigem como contrapartida de seus enormes investimentos? Onde e quem vai produzir a soja, as sementes de girassol e a colza, cujos óleos essenciais esses mesmos países ricos vão converter em combustível?

BALANÇO

Um número de países produz e exporta seus excedentes de alimentos. O balanço entre exportadores e consumidores era já tenso, disparando os preços desses produtos. Em prol da brevidade, não tenho outra alternativa do que me limitar a assinalar o seguinte:

Os cinco produtores principais de milho, cevada, sorgo, centeio, aveia e outros cereais que Bush quer converter em matéria-prima para produzir etanol, fornecem ao mercado mundial, segundo dados recentes, 679 milhões de toneladas. Por sua vez, os cinco consumidores principais, alguns dos quais também são produtores desses grãos, precisam atualmente de 604 milhões de toneladas por ano. O excedente disponível se reduz para menos de 80 milhões de toneladas.

Esse esbanjamento colossal de cereais para produzir combustível, sem incluir as sementes oleaginosas, apenas serviria para poupar aos países ricos menos de 15% do consumo anual de seus automóveis vorazes.

Bush, em Camp David, declarou a sua intenção de aplicar essa fórmula em nível mundial, o que não significa outra coisa senão a internacionalização do genocídio.

O presidente do Brasil, em sua mensagem publicada pelo The Washington Post, na véspera do encontro em Camp David, afirmou que menos de 1% da terra cultivável brasileira é dedicada à cana para a produção de etanol. Essa superfície é quase o triplo daquela que se empregava em Cuba quando se produziam quase 10 milhões de toneladas de açúcar, antes da crise da URSS e da mudança climática.

O nosso país leva mais tempo produzindo e exportando açúcar, no início com base no trabalho dos escravos que chegaram a ser mais de 300 mil nos primeiros anos do século XIX, e converteram a colônia espanhola no primeiro exportador do mundo. Quase cem anos depois, nos primórdios do século XX, na pseudo-república, cuja plena independência frustrou a intervenção norte-americana, só imigrantes antilhanos e cubanos analfabetos carregavam o peso da cultura e do corte da cana. A tragédia de nosso povo era o chamado tempo morto, pelo caráter cíclico dessa cultura. Os canaviais eram propriedade de empresas norte-americanas ou de grandes latifundiários de origem cubana. Portanto, temos acumulado mais experiência do que qualquer outro sobre o efeito social dessa cultura.

No domingo passado, 1º de abril, a CNN informava a opinião de especialistas brasileiros que afirmam que muitas das terras dedicadas à cultura da cana foram adquiridas por norte-americanos e europeus ricos.

Nas minhas reflexões publicadas em 29 de março expliquei os efeitos da mudança climática em Cuba, ao qual se acrescentam outras características tradicionais do nosso clima.

Na nossa ilha, pobre e longe do consumismo, não haveria sequer pessoal suficiente para suportar os duros rigores do cultivo e do atendimento aos canaviais no meio do calor, das chuvas ou das secas crescentes. Quando açoitam os furacões, nem sequer as maquinarias mais perfeitas podem fazer a colheita das canas caídas e retorcidas. Durante séculos não existiu o hábito de queimá-las, nem o solo era compactado sob o peso de maquinarias complexas e caminhões enormes; os fertilizantes nitrogenados, à base de potássio e fosfóricos, hoje muito custosos, nem sequer existiam, e os meses secos e úmidos se alternavam regularmente. Na agricultura moderna não há rendimentos elevados possíveis sem a rotação das culturas.

A Agência Francesa de Imprensa transmitiu no domingo, 1º de abril, informações preocupantes a respeito da mudança climática, que peritos reunidos pelas Nações Unidas consideram como uma coisa já inevitável e de graves conseqüências nas próximas décadas.

"A mudança climática afetará consideravelmente o continente americano, pois gerará mais tormentas violentas e ondas de calor, que na América Latina provocarão secas, com a extinção de espécies e, inclusive fome", segundo o relatório da ONU que deve ser aprovado na semana próxima, em Bruxelas.

"No fim deste século, cada hemisfério sofrerá problemas de água e, se os governos não tomarem medidas, o aumento de temperaturas incrementará os riscos de ‘mortalidade, poluição, catástrofes naturais e doenças infecciosas", adverte o Painel Intergovernamental da Mudança Climática (IPCC).

"Na América Latina, o aquecimento já está degelando os glaciais dos Andes e ameaça a floresta Amazônica, cujo perímetro pode ir se tornando numa savana", continua afirmando o telex.

"Por causa da grande quantidade de pessoas que vive perto das costas, os Estados Unidos também se expõem a fenômenos naturais extremos, como o demonstrou o furacão Katrina em 2005."

"Este é o segundo relatório do IPCC de uma série de três, que se iniciou em fevereiro passado com um primeiro diagnóstico científico onde se estabelecia a certeza da mudança climática."

"Nesta segunda entrega de 1.400 páginas, em que é analisada a mudança por setores e regiões e da qual a AFP obteve uma cópia, considera-se que, embora sejam tomadas medidas radicais para reduzir as emissões de dióxido de carbono à atmosfera, o aumento das temperaturas em todo o planeta, nas próximas décadas, já é certo", conclui a informação da agência francesa de notícias.

CAVALHEIRO

Como era de esperar, Dan Fisk, assessor de Segurança Nacional para a região, declarou no mesmo dia da reunião de Camp David que "na discussão de assuntos regionais, o tema de Cuba seria um deles, e não precisamente para abordar o tema do etanol — a respeito do qual o presidente convalescente Fidel Castro escreveu um artigo na quinta-feira — mas o da fome que tem criado no povo cubano".

Diante da necessidade de responder a este cavalheiro, vejo-me no dever de lembrar-lhe que o índice de mortalidade infantil em Cuba é menor que o dos Estados Unidos. Pode se garantir que não existe nenhum cidadão sem assistência médica gratuita. Todo mundo estuda e ninguém carece de oferta de trabalho útil, apesar de quase meio século de bloqueio econômico e da tentativa dos governos dos Estados Unidos da América de renderem o povo cubano mediante a fome e a asfixia econômica.

A China jamais empregaria uma só tonelada de cereais ou de leguminosas para a produção de etanol. Trata-se de uma nação de economia próspera, que ultrapassa recordes de crescimento, onde nenhum cidadão deixa de receber as rendas necessárias para bens essenciais de consumo, apesar de que 48% de sua população, que ultrapassa os 1,3 bilhões de habitantes, trabalha na agricultura. Antes pelo contrário, propôs-se fazer poupanças consideráveis de energia, eliminando milhares de fábricas que consomem cifras inaceitáveis de eletricidade e hidrocarbonetos. Muitos dos alimentos mencionados eles os importam de qualquer canto do mundo, após transportá-los milhares de quilômetros.

Dezenas e dezenas de países não produzem hidrocarbonetos e não podem produzir milho e outros grãos, nem sementes oleaginosas, porque a água não dá para cobrir suas necessidades mais elementares.

Numa reunião convocada em Buenos Aires pela Câmara da Indústria de Óleos e pelo Centro de Exportadores sobre a produção de etanol, o holandês Loek Boonekamp, diretor de Mercados e Comércio Agrícola da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), declarou à imprensa: "Os governos ficaram muito entusiasmados; deveriam ter um olhar frio sobre se deve existir apoio tão forte ao etanol".

"A produção de etanol apenas é viável nos Estados Unidos; em nenhum outro país, a não ser que sejam aplicados subsídios".

"Isto não é maná do céu e não temos que nos comprometer cegamente", continua o telex. "Hoje os países desenvolvidos incentivam para que os combustíveis fósseis sejam misturados com biocombustíveis em cerca de 5%, e isso já pressiona sobre os preços agrícolas. Se esse corte aumentasse para 10%, seria necessário 30% da superfície plantada nos Estados Unidos e 50% da Europa. Por isso, pergunto se isso é sustentável. O aumento da demanda de cultivos para o etanol produzirá preços mais altos e instáveis."

As medidas protecionistas hoje se elevam a US$ 0,54 por galão e os subsídios reais atingem cifras muito mais altas.

Aplicando a simples aritmética que aprendemos no segundo grau, se comprovaria que a simples mudança das lâmpadas incandescentes por fluorescentes, como expressei na minha reflexão anterior, contribuiria com uma poupança de investimento e de recursos energéticos equivalente a trilhões de dólares, sem utilizar um só hectare de terra agrícola.

Enquanto isso, notícias públicas procedentes de Washington afirmam textualmente através da AP: "O misterioso desaparecimento de milhões de abelhas em todo o território dos Estados Unidos tem deixado os apicultores à beira do ataque de nervos e preocupa inclusive o Congresso, que irá debater nesta quinta-feira a crítica situação de um inseto chave para o setor agrícola".

"Os primeiros sinais sérios deste enigma surgiram pouco depois do Natal no estado da Flórida, quando os apicultores se deram conta de que as abelhas tinham se dissipado".

"Desde então, a síndrome que os peritos batizaram como o Problema do Colapso das Colméias (CCD, pelas siglas em inglês), tem diminuído em 25% os enxames do país".

"Foi perdido mais de meio milhão de colônias de abelhas, com uma população ao redor de 50 mil abelhas cada uma", disse Daniel Weaver, presidente da Federação Norte-americana de Apicultores, que sublinhou que o mal afeta aproximadamente 30 dos 50 estados do país. O curioso do fenômeno é que em muitos dos casos não se encontram restos mortais.

"Os laboriosos insetos polinizam cultivos avaliados entre US$ 12 bilhões e US$ 14 bilhões, segundo um estudo da Universidade de Cornell".

"Os cientistas levantam todas as hipóteses, dentre elas, a de que algum pesticida tenha provocado danos neurológicos nas abelhas e alterado o seu sentido da orientação. Outros culpam a seca, e inclusive, as ondas dos telefones celulares, mas o certo é que ninguém sabe na verdade qual é o verdadeiro motivo desencadeante."

GUERRA

O pior pode estar por acontecer: uma nova guerra para garantir os fornecimentos de gás e petróleo, que coloque a espécie humana à beira do holocausto total.

Há órgãos de imprensa russos que, invocando fontes de inteligência, têm informado que a guerra contra o Irã vem sendo preparada em todos os seus detalhes há mais de três anos, no dia em que o governo dos Estados Unidos da América decidiu ocupar Iraque na sua totalidade, desatando uma guerra civil odiosa e interminável.

Enquanto isso, o governo norte-americano destina centenas de bilhões de dólares ao desenvolvimento de armas de tecnologia altamente sofisticada, como as que utilizam sistemas microeletrônicos, ou novas armas nucleares que poderiam estar sobre os alvos uma hora depois de terem recebido a ordem.

Os Estados Unidos ignoram olimpicamente que a opinião mundial é contra todo o tipo de armas nucleares.

Demolir até a última fábrica iraniana é uma tarefa técnica relativamente fácil para um poder como o dos Estados Unidos. O difícil poderia vir depois se uma nova guerra for desencadeada contra outra crença muçulmana que merece todo o nosso respeito, como as outras religiões dos povos do Oriente Próximo, Médio ou Extremo, anteriores ou posteriores ao cristianismo.

A captura dos soldados ingleses nas águas jurisdicionais do Irã parece uma provocação exatamente igual à dos chamados "Irmãos ao Resgate", quando violando as ordens do presidente Clinton avançavam sobre as águas da nossa jurisdição e a ação defensiva de Cuba, absolutamente legítima, serviu de pretexto ao governo dos Estados Unidos para promulgar a famosa Lei Helms-Burton, que viola a soberania de outros países. Poderosos meios massivos de publicidade sepultaram no esquecimento aquele episódio. Não são poucos os que atribuem o preço do petróleo de quase US$ 70 por barril, atingido na segunda-feira, aos temores de um ataque ao Irã.

De onde os países pobres do Terceiro Mundo vão tirar os recursos mínimos para sobreviverem?

Não exagero, nem uso palavras desmedidas, atenho-me aos fatos.

Como pode ser constatado, são muitas as faces obscuras do poliedro.

3 de Abril de 2007



quinta-feira, 5 de julho de 2007

AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA ÉPOCA DA GLOBALIZAÇÃO


, por Octavio Ianni


Ruptura histórica

A globalização do mundo pode ser vista como um processo histórico-social de vastas proporções, abalando mais ou menos drasticamente os quadros sociais e mentais de referência de indivíduos e coletividades. Rompe e recria o mapa do mundo, inaugurando outros processos, outras estruturas e outras formas de sociabilidade, que se articulam e se impõem aos povos, tribos, nações e nacionalidades. Muito do que parecia estabelecido em termos de conceitos, categorias ou interpretações, relativos aos mais diversos aspectos da realidade social, parece perder significado, tornar-se anacrônico ou adquirir outros sentidos. Os territórios e as fronteiras, os regimes políticos e os estilos de vida, as culturas e as civilizações parecem mesclar-se, tensionar-se e dinamizar-se em outras modalidades, direções ou possibilidades. As coisas, as gentes e as idéias movem-se em múltiplas direções, desenraízam-se, tornam-se volantes ou simplesmente desterritorializam-se. Alteram-se as sensações e as noções de próximo e distante, lento e rápido, instantâneo e ubíquo, passado e presente, atual e remoto, visível e invisível, singular e universal. Está em curso a gênese de uma nova totalidade histórico-social, abarcando a geografia, a ecologia e a demografia, assim como a economia, a política e a cultura. As religiões universais, tais como o budismo, o taoísmo, o cristianismo e o islamismo, tornam-se universais também como realidades histórico-culturais. O imaginário de indivíduos e coletividades, em todo o mundo, passa a ser influenciado, muitas vezes decisivamente, pela mídia mundial, uma espécie de" príncipe eletrônico", do qual nem Maquiavel nem Gramsci suspeitaram.

É assim que os indivíduos e as coletividades, compreendendo povos, tribos, nações e nacionalidades, ingressam na era do globalismo. Trata-se de um novo "ciclo" da história, no qual se envolvem uns e outros, em todo o mundo. Ao lado de conceitos tais como "mercantilismo", "colonialismo" e "imperialismo", além de "nacionalismo" e "tribalismo", o mundo moderno assiste à emergência do "globalismo", como nova e abrangente categoria histórica e lógica. O globalismo compreende relações, processos e estruturas de dominação e apropriação desenvolvendo-se em escala mundial. São relações, processos e estruturas polarizadas em termos de integração e acomodação, assim como de fragmentação e contradição, envolvendo sempre as condições e as possibilidades de soberania e hegemonia. Todas as realidades sociais, desde o indivíduo à coletividade, ou povo, tribo, nação e nacionalidade, assim como corporação transnacional, organização multilateral, partido político, sindicato, movimento social, corrente de opinião, organização religiosa, atividade intelectual e outras, passam a ser influenciadas pelos movimentos e pelas configurações do globalismo, e a influenciá-lo. São articulações, integrações, tensões e contradições, envolvendo uns e outros, organizações e instituições, ou as mais diversas realidades sociais, de tal forma que o globalismo pode aparecer mais ou menos decisivamente no modo pelo qual se movem indivíduos e coletividades no novo mapa do mundo.

O que está em causa quando se trata de globalização é uma ruptura histórica de amplas proporções, com implicações epistemológicas que exigem reflexão. Com as metamorfoses do "objeto" das ciências sociais e a simultânea alteração das possibilidades que se abrem ao "sujeito" da reflexão, colocam-se novos desafios não só metodológicos e teóricos, mas também epistemológicos. O objeto das ciências sociais deixa de ser principalmente a realidade histórico-social nacional, ou o indivíduo em seu modo de ser, pensar, agir, sentir e imaginar. Desde que se evidenciam os mais diversos nexos entre indivíduos e coletividades, ou povos, tribos, nações e nacionalidades, em âmbito mundial, o objeto das ciências sociais passa a ser também a sociedade global. Muito do que é social, econômico, político, cultural, lingüístico, religioso, demográfico e ecológico adquire significação não só extranacional, internacional ou transnacional, mas propriamente mundial, planetária ou global. Quando se multiplicam as relações, os processos e as estruturas de dominação e apropriação, bem como de integração e fragmentação, em escala mundial, nesse contexto estão em causa novas exigências epistemológicas. Nesse horizonte, alteram-se as condições históricas e teóricas sob as quais se desenvolvem os contrapontos, os nexos, as simultaneidades, descontinuidades, desencontros e tensões entre dado e significado, aparência e essência, parte e todo, passado e presente, história e memória, lembrança e esquecimento, tradição e origem, território e fronteira, lugar e espaço, singular e universal. Alteram-se mais ou menos drasticamente as condições, as possibilidades e os significados do espaço e do tempo, já que se multiplicam as espacialidades e as temporalidades.

Esse o desafio diante do qual se colocam as ciências sociais. Ao lado das suas muitas realizações, são desafiadas a recriar o seu objeto e os seus procedimentos, submetendo muito do conhecimento acumulado à crítica e avançando para novas ambições. Os cientistas sociais não precisam mais imaginar o que poderia ser o mundo para estudá-lo. O mundo já é uma realidade social, complexa, difícil, impressionante e fascinante, mas pouco conhecida.

Já não se trata mais apenas da controvérsia modernidade e pós-modernidade, ou universalismo e relativismo, individualismo e holismo, pequeno relato e grande relato, micro teoria e macro teoria, mas também de megateoria. A envergadura das relações, processos e estruturas de âmbito mundial, com as suas implicações locais, nacionais, regionais e mundiais, exige conceitos, categorias ou interpretações de alcance global. Esse o contexto em que se elaboram metáforas e conceitos tais como: multinacional, mundial, planetário e global; aldeia global, nova ordem econômica mundial, mundo sem fronteiras, terra-pátria, fim da geografia e fim da história; desterritorialização, miniaturização, ubiqüidade das coisas, gentes e idéias, sociedade informática, infovia e internet; sociedade civil mundial, estruturas mundiais de poder, classes sociais transnacionais, globalização da questão social, cidadão do mundo e cosmopolitismo; ocidentalização do mundo, orientalização do mundo, globalização, globalismo, mundo sistêmico, capitalismo global, neoliberalismo, neonazismo, neofascismo, neo-socialismo e modernidade-mundo.

Mais uma vez, as ciências sociais revelam-se formas de autoconsciência científica da realidade social. Neste caso, uma realidade social múltipla, desigual e contraditória, ou articulada e fragmentada. São muitos, inúmeros, os estudos de todos os tipos, sobre todos os aspectos da realidade social, produzidos em todo o mundo, em todas as línguas. Há toda uma biblioteca de Babel formada com os livros e as revistas de ciências sociais que se publicam, conformando uma visão múltipla, polifônica, babélica ou fantástica das mais diversas formas de autoconsciência, compreensão, explicação, imaginação e fabulação tratando de entender o presente, repensar o passado e imaginar o futuro (Comissão Gulbenkian, 1996; Wallerstein, 1991; Ianni, 1997; Pennycook, 1994).

Enigmas teóricos

A rigor, são vários os enigmas históricos e teóricos suscitados pela globalização, envolvendo inclusive problemas epistemológicos importantes. No âmbito da globalização, ou do globalismo visto como uma totalidade histórico-teórica, reabrem-se os contrapontos, as continuidades e as descontinuidades, sintetizados em noções tais como: sujeito e objeto do conhecimento, parte e todo, passado e presente, espaço e tempo, singular e universal, micro teoria e macro teoria. Estes e outros problemas envolvem novos desafios e outras perspectivas quando se trata de refletir sobre as relações, os processos e as estruturas, bem como as formas de sociabilidade e os jogos das forças sociais, que desenham as configurações e os movimentos da sociedade global.

Uma parte importante das controvérsias que abalam, traumatizam e fertilizam as ciências sociais na época do globalismo desemboca no desenvolvimento de estudos que podem ser classificados de "metateóricos". Realmente, multiplicam-se os estudos de História, Sociologia, Antropologia, Economia, Política, Geografia, Demografia, Ecologia e outros, contribuindo para interpretações abrangentes e integrativas, ou propriamente metateóricas.

Ocorre que a globalização, como totalidade não só abrangente e integrativa, mas complexa, fragmentária e contraditória, subsume crescentemente indivíduos e coletividades, povos e tribos, nações e nacionalidades, grupos sociais e classes sociais, partidos políticos e movimentos sociais, etnias e raças, línguas e religiões, culturas e civilizações. Sem esquecer que a recíproca também é verdadeira, já que estas diversas e múltiplas realidades se constituem como determinações da globalização, globalidade ou globalismo. Mais uma vez, e sempre, recoloca-se a dialética parte e todo, tanto quanto singular e universal.

Vale a pena examinar algumas das breves "definições" de globalização presentes em estudos de cientistas sociais. Há congruências e disparidades entre elas, mas cabe registrar a unanimidade com que se reconhece a problemática.

Esse é um tema importante para o historiador. Como diz Grew (1993, p. 228):

Poucas afirmações provocam tão pequenas controvérsias como a de que os seres humanos estão hoje em contato uns com os outros em todo o mundo como nunca na história. A lista de exemplos tornou-se uma litania: a comunicação instantânea da informação, a cultura universal de estilos e experiências, o alcance mundial de mercados e mercadorias, os produtos compostos de partes oriundas de diferentes continentes. E a referência à aldeia global tornou-se um clichê que poucos contestam.

Também a Antropologia debruça-se sobre o tema:

A idéia de que o mundo pode ser visto como um pequeno viveiro ligado pela abrangente força da mídia e do capitalismo internacional é o pano de fundo que serve de base ao empenho de muitos intelectuais, à atividade comercial e às diretrizes de governo na atualidade. Uma das coisas que a tecnologia realmente revoluciona é a escala, ou são as escalas, em que operam as relações sociais. (Moore, 1996, p. 7)

O sociólogo coloca-se o mesmo desafio: "Globalização diz respeito àqueles processos pelos quais os povos do mundo são incorporados em uma sociedade mundial, uma sociedade global." (Albrow,1990, p. 9). E o cientista político também participa do debate:

Globalização diz respeito à multiplicidade de relações e interconexões entre Estados e sociedades, conformando o moderno sistema mundial. Focaliza o processo pelo qual os acontecimentos, decisões e atividades em uma parte do mundo podem vir a ter conseqüências significativas para indivíduos e coletividade em lugares distantes do globo. (McGrow, 1992, p. 23)

Nesse "congresso" de cientistas sociais está presente inclusive o economista:

A economia global é o sistema gerado pela globalização da produção e das finanças. A produção global beneficia-se das divisões territoriais da economia internacional, jogando com as diferentes jurisdições territoriais, de modo a reduzir custos, economizar impostos, evitar regulamentos antipoluição e controles sobre o trabalho, bem como obtendo garantias de políticas de estabilidade e favores. A globalização financeira construiu uma rede eletrônica conectada 24 horas por dia, sem controles. As decisões financeiras mundiais não estão centralizadas nos Estados, mas nas cidades globais — Nova York, Tóquio, Londres, Paris, Frankfurt —, estendendo-se por computadores para o resto do mundo. (Cox, 1994, p. 48)

Note-se que as "definições" de globalização nem sempre se distinguem pela originalidade. Algumas são um tanto vagas, ao passo que outras dedicam-se a precisar aspectos ou ângulos. Mas a maioria reconhece a novidade dessa problemática, desafiando a pesquisa e a teoria nas ciências sociais.

Aliás, já é notável a quantidade e a qualidade dos estudos sobre a globalização, ou os seus diferentes aspectos, que podem ser classificados de metateóricos. Uns são monográficos e outros ensaísticos, assim como há os que são principalmente descritivos, ao lado dos interpretativos. Além disso, destacam-se os que são críticos, no sentido de que se debruçam sobre os nexos e os movimentos da realidade, buscando desvendar a sua constituição e a sua dinâmica, ao lado dos seus impasses e das suas contradições. Mas também multiplicam-se os que se dedicam a fundamentar e explicitar prognósticos, diretrizes ou objetivos convenientes para governos, corporações, organizações multilaterais, movimentos sociais. No que se refere à orientação teórica, cabe reconhecer que há estudos elaborados em termos evolucionistas, funcionalistas, marxistas, weberianos, estruturalistas e sistêmicos, entre outros. Nem sempre são "ortodoxos" quanto a esta ou aquela orientação, já que há ecletismos diversos, umas vezes criativos e outras empobrecidos.

Sim, a globalização cria vários enigmas mais ou menos importantes para as ciências sociais. Vale a pena examinar alguns desses enigmas, ainda que de forma breve.

Primeiro, a realidade social, ou o "objeto" das ciências sociais, revela-se diferente, novo ou surpreendente. Revela-se simultaneamente mundial, nacional, regional e local, sem esquecer o tribal. Muito do que é particular revela-se também geral. O indivíduo e a coletividade constituem-se na trama das formas de sociabilidade e no jogo das forças sociais em desenvolvimento em âmbito global. Muito do que pode ser identidade e alteridade, nação e nacionalidade, ocidental e oriental, cristão e islâmico, africano e indígena ou soberania e hegemonia revela-se constitutivo das formas de sociabilidade e do jogo das forças sociais que se desenvolvem em âmbito simultaneamente global, regional, nacional, tribal e local. Nesse sentido é que a globalização, a globalidade ou o globalismo se constitui como um objeto diferente, novo ou surpreendente das ciências sociais. Aí se desenvolvem relações, processos e estruturas demarcando as configurações e os movimentos da sociedade global. Uma sociedade na qual se inserem dinâmica e decisivamente os indivíduos e as coletividades, os grupos sociais e as classes sociais, os gêneros e as raças, os partidos e os sindicatos, os movimentos sociais e as correntes de opinião pública; uma sociedade na qual tanto se multiplicam como se dissolvem os espaços e os tempos.

Segundo, "o acervo teórico das ciências sociais" revela-se insatisfatório, carente de significado, exigindo reelaboração ou mesmo dependente de novos conceitos, categorias ou leis. São muitos os recursos teóricos acumulados pelas várias teorias da realidade social que se mostram problemáticos, inadequados ou carentes de complementação. Ocorre que, em sua maioria, os conceitos, as categorias e as leis são construídas tendo como referência a "sociedade nacional". Essa realidade tem sido vista a partir de noções científicas mais ou menos sedimentadas, tais como: sociedade civil e Estado, Estado/nação e soberania e hegemonia, povo e cidadão, grupo social e classe social, classe social e lutas de classe, partido político e sindicato, indivíduo e sociedade, natureza e sociedade, identidade e alteridade, cooperação e divisão do trabalho, ordem e progresso, democracia e ditadura, nacionalismo e imperialismo, tribalismo e nacionalismo, cultura e tradição, mercado e planejamento, reforma e revolução, revolução e contra-revolução, revolução nacional e revolução social, relações internacionais e geopolíticas, geopolítica e guerra, capitalismo e socialismo. Em geral, são noções construídas, aceitas, debatidas e mais ou menos sedimentadas, tendo como referência principal a sociedade nacional. Ainda que algumas dessas noções extrapolem essa realidade, como ocorre com diversas, é inegável que todas têm como parâmetro a sociedade nacional. Por isso cabe refletir sobre a" sociedade mundial", em toda a sua originalidade e complexidade, tendo em vista interpretar as suas configurações e os seus movimentos. Daí a importância de noções, metáforas ou conceitos como: mundialização, planetarização, globalização, mundo sem fronteira, aldeia global, fábrica global, shopping center global, divisão transnacional do trabalho e da produção, estruturas mundiais de poder, desterritorialização, cultura global, mídia global, sociedade civil mundial, cidadão do mundo, mercados mundiais, infovia, internet, metahistória, metateoria.

Terceiro, são numerosos os estudos de "orientação multidisciplinar". Em lugar de se lançarem em perspectivas estritas, sejam elas sociológica, econômica, política, antropológica ou outra, lançam-se com base nas sugestões e conquistas propiciadas por diversas ciências sociais. A originalidade e a complexidade da globalização, no seu todo ou em seus distintos aspectos, desafiam o cientista social a mobilizar sugestões e conquistas de várias ciências. Acontece que a globalização pode ser vista como um vasto processo não só político-econômico, mas também sociocultural, compreendendo problemas demográficos, ecológicos, de gênero, religiosos, lingüísticos e outros. Ainda que a pesquisa privilegie determinado ângulo de análise, está continuamente desafiada a levar em conta outros aspectos da realidade, sem os quais a análise econômica, política, sociológica, ecológica ou outra resulta em abstrações carentes de realidade, consistência ou verossimilhança.

Quarto, são muitos os estudos que se apóiam necessariamente no "método comparativo". Mais do que nunca, diante da problemática da globalização, o cientista social é levado a realizar comparações mais ou menos complexas, buscando que sejam rigorosas. Na medida em que a globalização abre um vasto e complexo cenário à observação, pesquisa e análise, o cientista social é levado a mapear ângulos e tendências, condições e possibilidades, recorrências e descontinuidades, diversidades e desigualdades, impasses e rupturas, desenvolvimentos e retrocessos, progressos e decadências. São muitos os processos e as estruturas presentes, ativos, visíveis ou subjetivos, no vasto e complicado palco constituído com a globalização do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório. Daí a importância do método comparativo, como uma forma experimental, uma espécie de experimento mental, ideal ou imaginário.

Quinto, mais uma vez reabre-se a controvérsia "presente e passado", e vice-versa. Com a globalização, tanto se criam novos desafios e novas perspectivas para a interpretação do presente, como se descortinam outras possibilidades de interpretar o passado. A partir dos horizontes da globalização, o passado pode revelar-se ainda pouco conhecido, enigmático ou mesmo carente de novas interpretações. É como se uma nova luz permitisse clarificar com outras cores o que parecia desenhado, assim como desvendasse traços, movimentos, sons e cores que não se havia percebido quando o patamar podia ser nacionalismo, colonialismo, imperialismo, internacionalismo ou outro. Com as novas perspectivas, são várias as realidades e interpretações que podem ser repensadas. Torna-se possível reavaliar o alcance e o significado da acumulação originária, do mercantilismo, colonialismo e imperialismo, tanto quando do nacionalismo e tribalismo. Também se torna possível repensar outras realidades antigas e recentes: islamismo e cristianismo, Oriente e Ocidente, ocidentalização do mundo, orientalização do mundo, africanismo, indigenismo, transculturação.

Sexto: aqui se coloca novamente o dilema do "sujeito do conhecimento". Ele precisa rever as suas posições habitualmente adotadas na análise da problemática nacional. Posições que parecem estabelecidas, cômodas ou estratégicas precisam ser revistas ou radicalmente modificadas. Quando se trata da problemática global, o sujeito do conhecimento é desafiado a deslocar o seu olhar por muitos lugares e diferentes perspectivas, como se estivesse viajando pelo mapa do mundo. As exigências da reflexão implicam a adoção de um "olhar desterritorializado", capaz de mover-se do indivíduo à coletividade, caminhando por povos e nações, tribos e nacionalidades, grupos e classes sociais, culturas e civilizações. Um olhar desterritorializado movendo-se através de territórios e fronteiras, atravessando continentes, ilhas e arquipélagos.

São vários os enigmas com os quais se defrontam as ciências sociais quando se trata de surpreender os movimentos e as configurações da sociedade mundial. Se é verdade que as ciências sociais nascem com a nação, talvez se possa afirmar que elas renascem com a globalização (Ortiz, 1994; Robertson, 1992; Hettne, 1995; Durand, Levy e Retaille, 1993).

Metateorias

Tomados em conjunto, os estudos sobre a globalização podem ser classificados em" sistêmicos" e "históricos". As suas linguagens podem ser muito diversas, envolvendo noções que parecem díspares: transnacionalização, mundialização, planetarização, globalização ou globalismo; assim como nova ordem econômica mundial, mundo sem fronteiras, aldeia global, terra pátria, capitalismo mundial, políticos globais, história global, cultura global, modernidade-mundo, ocidentalização do mundo e outras. Inclusive podem distinguir-se os estudos em termos de orientações teóricas: evolucionismo, funcionalismo, marxismo, weberianismo, estruturalismo sistêmico ou outro. A despeito dessas e outras diferenças ou convergências, em geral significativas, cabe reconhecer que os estudos sobre globalização tendem a ser predominantemente "sistêmicos" ou" históricos".

Em geral, os estudos sistêmicos privilegiam as relações internacionais, a interdependência das nações, a integração regional, a geoeconomia e a geopolítica. Aí predomina a preocupação com as zonas de influência, os blocos de nações, os espaços geográficos, as hegemonias, as articulações dos mercados, a divisão transnacional do trabalho e da produção, a fábrica global, o shopping center global, as redes de internet, o fim da geografia e o fim da história, entre outras articulações, malhas, redes, interdependências ou traçados do mapa do mundo. Muito do que são as relações, os processos e as estruturas tecendo os diversos níveis e segmentos da globalização são descritos e interpretados em termos sistêmicos.

São principalmente sistêmicos os relatórios, diagnósticos e prognósticos de que se servem as corporações transnacionais, os órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BIRD — Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), da Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras organizações públicas e privadas, nacionais, regionais e transnacionais. Os relatórios do Clube de Roma também revelam o predomínio dessa perspectiva de análise:

O sistema político global compreende um conjunto específico de relações concernentes a uma escala de determinados problemas envolvidos na consecução, ou busca organizada, da atuação coletiva em nível global. Envolve a administração de uma rede de relações centrada nas articulações entre a unidade líder e os que buscam ou lutam por liderança. [...] As unidades que estruturam a interação de política global são as potências mundiais. Estas estabelecem as condições da ordem no sistema global. Elas são as mais capazes e dispostas a agir. Organizam e mantêm coalizões e estão presentes em todas as partes do mundo, habitualmente mobilizando forças de alcance global. Suas ações e reações definem o estado da política em nível global. [...] O sistema mundial é uma orientação para que se possa visualizar os arranjos sociais mundiais em termos de totalidade. Permite pesquisar as relações entre as interações de alcance mundial e os arranjos sociais em níveis regional, nacional e local. (Modelski, 1987, pp. 7-9 e 20)

O que predomina nos estudos, relatórios, diagnósticos e prognósticos sistêmicos é uma visão sincrônica da realidade, tomada como um todo ou em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, demográficos, geopolíticos ou outros. As análises orientam-se principalmente no sentido de propiciar a inteligência da ordem socioeconômica mundial vigente, tendo em conta o seu funcionamento, a sua integração, os seus impasses e o seu aperfeiçoamento.

Nesse mundo sistêmico, são muitos, diversos, integrados e desencontrados os subsistemas mais ou menos relevantes: corporações transnacionais, Estados nacionais, entidades regionais, organizações multilaterais, mercados nacionais, regionais e mundiais, redes de informática, corporações da mídia, organizações religiosas, campanhas de publicidade, fundações destinadas ao incentivo e à problematização da pesquisa científica e tecnológica. São muitos os subsistemas ou sistemas menores que, além de funcionarem segundo uma dinâmica própria, inserem-se também na dinâmica de outros sistemas mais ou menos complexos ou abrangentes. Eles podem conjugar-se ou atritar-se, modificar-se ou recriar-se, em geral segundo exigências da dinâmica do capitalismo, com o sistema global.

Qualquer fato que ocorre em qualquer lugar, no mundo atual, pode produzir muito rapidamente efeitos em outros lugares. Todas as partes do mundo estão crescentemente emaranhadas em um vasto processo. E é evidente, também, que muitos no mundo, ao menos muitos do seus líderes, parecem reconhecer isso. À primeira vista, afinal, por muito tempo pareceu surpreendente que populações indígenas devessem realizar demonstrações contra testes de armas nucleares no Sul do Pacífico; ou que o governo da China devesse interessar-se pela guerra entre árabes e Israel. Alguns dos motivos para este novo sentido de interconexão mundial baseiam-se na ideologia e outros simplesmente na comunicação e informação mais rápida; mas algo mais fundamental também está em causa. Trata-se da difusão de uma idéia que esteve restrita às culturas de origem européia: a noção de que a vida humana e a condição do mundo podem ser indefinidamente aperfeiçoadas. (Roberts, 1990, p. 907)

Visto como um desafio epistemológico, a metateoria sistêmica sintetiza e desenvolve a lógica do funcionalismo, do estruturalismo e da cibernética. Pode ser vista como um produto sofisticado do pensamento pragmático, ou da razão instrumental.

Em geral, os estudos históricos privilegiam tanto a integração como a fragmentação, a diversidade e a desigualdade, a identidade e a alteridade, a ruptura e o impasse, o ciclo e a crise, a guerra e a revolução. A análise das relações, processos e estruturas que articulam e desenvolvem a transnacionalização, ou a globalização, compreende sempre a dominação política e a apropriação econômica, tanto quanto a formação, consolidação e crise de soberanias. No âmbito das configurações e dos movimentos da sociedade global, tanto se abrem novas perspectivas como se criam impasses insuspeitados sobre as condições e as possibilidades de construção da hegemonia, seja da nação, da classe social ou do bloco de poder. Em um mundo no qual as corporações transnacionais e as organizações multilaterais descolam-se dos territórios e fronteiras, navegando através e por sobre o mapa do mundo, criam-se desafios insuspeitados para a construção, o desenvolvimento ou a realização da soberania, hegemonia, democracia e cidadania. Muito do que parecia natural e evidente, ou possível e desejável, no âmbito da sociedade nacional pode tornar-se difícil, impossível ou simplesmente quimérico no âmbito da sociedade global. Sim, vista como realidade histórica, a globalização pode ser reconhecida como um palco no qual se atravessam permanentemente várias e muitas forças convergentes e desencontradas, que podem ser sintetizadas nas expressões integração e contradição.

Mais uma vez, em face dos desafios e horizontes que se colocam com as configurações e os movimentos da sociedade mundial, as ciências sociais são levadas a recuperar e a desenvolver o sentido de história, diacronia, ruptura, retrocesso, desenvolvimento, decadência, transformação, transfiguração. Ao lado do que parece ser estruturado, organizado, cibernético ou sistêmico encontra-se a tensão, a fragmentação, a luta, a conquista, a dominação e a submissão, tanto quanto a raça e o povo, a mulher e o homem, o escravo e o senhor, a acumulação e o pauperismo, a alienação e a danação.

Vista como um desafio epistemológico, a metateoria histórica sintetiza e desenvolve a lógica da historicidade ativa nas relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, ou integração e contradição, que se expressam no âmbito da reprodução ampliada do capital, bem como no âmbito do desenvolvimento desigual, contraditório e combinado, que se configura nos movimentos da globalização do capitalismo. Sob vários aspectos, a metateoria histórica pode ser vista como um produto sofisticado do pensamento dialético desenvolvido e sistematizado por Hegel e alguns dos seus continuadores, com a priorização da razão crítica:

Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos [...] As forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana. As próprias estruturas das sociedades humanas, incluindo mesmo algumas fundações sociais da economia capitalista, estão na iminência de ser destruídas pela erosão do que herdamos do passado humano. Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão. (Hobsbawm, 1995, p. 562)

Os cientistas sociais não precisam mais imaginar a realidade mundial para estudá-la, em seu todo ou em seus diferentes aspectos. Já é evidente que a transnacionalização, mundialização, planetarização ou, mais propriamente, globalização do mundo é uma realidade geoistórica, social, econômica, política e cultural. Uma realidade problemática, simultaneamente inquietante e fascinante, por suas implicações práticas e teóricas. É como se de repente os indivíduos e as coletividades se dessem conta de que fazem parte não somente da história universal, mas da humanidade. Reconhecendo que esta humanidade não se parece nem com a ideologia, nem com a utopia.

A história universal tem que ser construída e negada. À vista das catástrofes passadas e futuras, seria cinismo afirmar que na história se manifesta um plano universal que articula tudo em um nível mais amplo. Mas nem por isso deve ser negada a unidade que solda os fatores descontínuos, caoticamente dispersados, e as fases da história: o estágio da dominação sobre a natureza, a transição ao domínio sobre os homens e ao fim sobre a natureza interna. Não há uma história universal que oriente desde o selvagem ao humanitário; mas sim, da funda à superbomba. Seu fim é a ameaça total dos homens organizados pela humanidade organizada: a quintessência da descontinuidade [...] A história é a unidade da continuidade e descontinuidade. A sociedade não se conserva apesar de seu antagonismo, senão graças a ele. O interesse do lucro e, com ele, as relações de classe são o motor objetivo do processo produtivo de que depende a vida de todos; e cujo primado está orientado à morte de todos. (Adorno, 1975, p. 318)

Vistos em conjunto, os estudos sistêmicos e históricos revelam claramente o empenho das ciências sociais no sentido de interpretar o que vai pelo mundo, precisamente quando se verifica que já se pode realmente falar em "mundo mundo vasto mundo", ou quando se torna possível falar não só metafórica mas literalmente em "máquina do mundo".1

Mais uma vez, como tem ocorrido em outras situações de ruptura histórica, as ciências sociais revelam-se formas de autoconsciência científica da realidade social. São desafiadas a interpretar fatos, situações, impasses e horizontes que se abrem a indivíduos e coletividades, povos e nações, tribos e nacionalidades. Revelam-se formas de autoconsciência mais ou menos sensíveis, minuciosas e abrangentes, integrativas e problemáticas, nas quais se taquigrafam, exorcizam, sublimam, cantam ou decantam condições e perspectivas de uns e outros, situados e volantes, nas configurações e nos movimentos da sociedade global.

NOTA

1 Alusão às imagens de Carlos Drummond de Andrade e Luis de Camões.

BIBLIOGRAFIA

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Por que Zurdo?

O nome do blog foi inspirado no filme Zurdo de Carlos Salcés, uma película mexicana extraordinária.


Zurdo em espanhol que dizer: esquerda, mão esquerda.
E este blog significa uma postura alternativa as oficiais, as institucionais. Aqui postaremos diversos assuntos como política, cultura, história, filosofia, humor... relacionadas a realidades sem tergiversações como é costume na mídia tradicional.
Teremos uma postura radical diante dos fatos procurando estimular o pensamento crítico. Além da opinião, elabora-se a realidade desvendando os verdadeiros interesses que estão em disputa na sociedade.

Vos abraço com todo o fervor revolucionário

Raoul José Pinto



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  • A ideologia alemã - Karl Marx e Friedrich Engels
  • A República 'Comunista' Cristã dos Guaranis (1610-1768) - Clóvis Lugon
  • A Revolução antes da Revolução. As guerras camponesas na Alemanha. Revolução e contra-revolução na Alemanha - Friedrich Engels
  • A Revolução antes da Revolução. As lutas de classes na França - de 1848 a 1850. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. A Guerra Civil na França - Karl Marx
  • A Revolução Burguesa no Brasil - Florestan Fernandes
  • A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky - Lênin
  • A sagrada família - Karl Marx e Friedrich Engels
  • Antígona, de Sófocles
  • As tarefas revolucionárias da juventude - Lenin, Fidel e Frei Betto
  • As três fontes - V. I. Lenin
  • CASA-GRANDE & senzala - Gilberto Freyre
  • Crítica Eurocomunismo - Ernest Mandel
  • Dialética do Concreto - KOSIK, Karel
  • Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico - Friedrich Engels
  • Do sonho às coisas - José Carlos Mariátegui
  • Ensaios Sobre a Revolução Chilena - Manuel Castells, Ruy Mauro Marini e/ou Carlos altamiro
  • Estratégia Operária e Neocapitalismo - André Gorz
  • Eurocomunismo e Estado - Santiago Carrillo
  • Fenomenologia da Percepção - MERLEAU-PONTY, Maurice
  • História do socialismo e das lutas sociais - Max Beer
  • Manifesto do Partido Comunista - Karl Marx e Friedrich Engels
  • MANUAL DE ESTRATÉGIA SUBVERSIVA - Vo Nguyen Giap
  • MANUAL DE MARXISMO-LENINISMO - OTTO KUUSINEN
  • Manuscritos econômico filosóficos - MARX, Karl
  • Mensagem do Comitê Central à Liga dosComunistas - Karl Marx e Friedrich Engels
  • Minima Moralia - Theodor Wiesengrund Adorno
  • O Ano I da Revolução Russa - Victor Serge
  • O Caminho do Poder - Karl Kautsky
  • O Marxismo e o Estado - Norberto Bobbio e outros
  • O Que Todo Revolucionário Deve Saber Sobre a Repressão - Victo Serge
  • Orestéia, de Ésquilo
  • Os irredutíveis - Daniel Bensaïd
  • Que Fazer? - Lênin
  • Raízes do Brasil - Sérgio Buarque de Holanda
  • Reforma ou Revolução - Rosa Luxemburgo
  • Revolução Mexicana - antecedentes, desenvolvimento, conseqüências - Rodolfo Bórquez Bustos, Rafael Alarcón Medina, Marco Antonio Basilio Loza
  • Revolução Russa - L. Trotsky
  • Sete ensaios de interpretação da realidade peruana - José Carlos Mariátegui/ Editora Expressão Popular
  • Sobre a Ditadura do Proletariado - Étienne Balibar
  • Sobre a evolução do conceito de campesinato - Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA

  • 1984 - George Orwell
  • A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
  • A Espera dos Bárbaros - J.M. Coetzee
  • A hora da estrela - Clarice Lispector
  • A Leste do Éden - John Steinbeck,
  • A Mãe, MÁXIMO GORKI
  • A Peste - Albert Camus
  • A Revolução do Bichos - George Orwell
  • Admirável Mundo Novo - ALDOUS HUXLEY
  • Ainda é Tempo de Viver - Roger Garaud
  • Aleph - Jorge Luis Borges
  • As cartas do Pe. Antônio Veira
  • As Minhas Universidades, MÁXIMO GORKI
  • Assim foi temperado o aço - Nikolai Ostrovski
  • Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez
  • Contos - Jack London
  • Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski
  • Desonra, de John Maxwell Coetzee
  • Desça Moisés ( WILLIAM FAULKNER)
  • Don Quixote de la Mancha - Miguel de Cervantes
  • Dona flor e seus dois maridos, de Jorge Amado
  • Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
  • Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago
  • Fausto - JOHANN WOLFGANG GOETHE
  • Ficções - Jorge Luis Borges
  • Guerra e Paz - LEON TOLSTOI
  • Incidente em Antares, de Érico Veríssimo
  • Memórias do Cárcere - Graciliano Ramos
  • O Alienista - Machado de Assis
  • O amor nos tempos do cólera - Gabriel García Márquez
  • O Contrato de Casamento, de Honoré de Balzac
  • O Estrangeiro - Albert Camus
  • O homem revoltado - Albert Camus
  • O jogo da Amarelinha – Júlio Cortazar
  • O livro de Areia – Jorge Luis Borges
  • O mercador de Veneza, de William Shakespeare
  • O mito de Sísifo, de Albert Camus
  • O Nome da Rosa - Umberto Eco
  • O Processo - Franz Kafka
  • O Príncipe de Nicolau Maquiavel
  • O Senhor das Moscas, WILLIAM GOLDING
  • O Som e a Fúria (WILLIAM FAULKNER)
  • O ULTIMO LEITOR - PIGLIA, RICARDO
  • Oliver Twist, de Charles Dickens
  • Os Invencidos, WILLIAM FAULKNER
  • Os Miseravéis - Victor Hugo
  • Os Prêmios – Júlio Cortazar
  • OS TRABALHADORES DO MAR - Vitor Hugo
  • Por Quem os Sinos Dobram - ERNEST HEMINGWAY
  • São Bernardo - Graciliano Ramos
  • Vidas secas - Graciliano Ramos
  • VINHAS DA IRA, (JOHN STEINBECK)

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA GUERRILHEIRA

  • A Guerra de Guerrilhas - Comandante Che Guevara
  • A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde - Omar Cabezas
  • Da guerrilha ao socialismo – a Revolução Cubana - Florestan Fernandes
  • EZLN – Passos de uma rebeldia - Emilio Gennari
  • Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971; Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá
  • O Diário do Che na Bolívia
  • PODER E CONTRAPODER NA AMÉRICA LATINA Autor: FLORESTAN FERNANDES
  • Rebelde – testemunho de um combatente - Fernando Vecino Alegret

ZZ- Estudar Sempre /GEOGRAFIA EM MOVIMENTO

  • Abordagens e concepções de território - Marcos Aurélio Saquet
  • Campesinato e territórios em disputa - Eliane Tomiasi Paulino, João Edmilson Fabrini (organizadores)
  • Cidade e Campo - relações e contradições entre urbano e rural - Maria Encarnação Beltrão Sposito e Arthur Magon Whitacker (orgs)
  • Cidades Médias - produção do espaço urbano e regional - Eliseu Savério Sposito, M. Encarnação Beltrão Sposito, Oscar Sobarzo (orgs)
  • Cidades Médias: espaços em transição - Maria Encarnação Beltrão Spósito (org.)
  • Geografia Agrária - teoria e poder - Bernardo Mançano Fernandes, Marta Inez Medeiros Marques, Júlio César Suzuki (orgs.)
  • Geomorfologia - aplicações e metodologias - João Osvaldo Rodrigues Nunes e Paulo César Rocha
  • Indústria, ordenamento do território e transportes - a contribuição de André Fischer. Organizadores: Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Eliseu Savério Spósito
  • Questões territoriais na América Latina - Amalia Inés Geraiges de Lemos, Mónica Arroyo e María Laura Silveira