sexta-feira, 28 de setembro de 2007

JORNADA DE ATIVIDADES: CHE VIVE 1967-2007

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Clarice Herzog: “Eu não anistio os torturadores do Vlado”

Julho 12, 2007 às 8:01 pm

Entrevista com a publicitária Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog.

Por Cylene Dworzak Dalbon

25 de outubro de 1975, Rua Tutóia, cidade de São Paulo. Nas dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), um homem é torturado com pancadas e choques elétricos. Seus companheiros, na sala ao lado ouvem seus gritos.

O homem recusa-se a assinar um suposto depoimento por não admitir que as informações constantes naquele pedaço de papel sejam verdadeiras. Ele não escrevera nenhuma palavra daquilo. Em um ato de indignação, rasga o papel. E num ato de maior indignação ainda, mesclado a ira, seu torturador o esbofeteia. Os amigos, na outra sala, não ouvem mais seus gritos.

Algumas horas mais tarde, dentro de uma cela no mesmo departamento, uma foto do homem morto, amarrado por uma tira de pano em um pequeno pedaço de ferro no alto da cela. O Inquérito Policial Militar, IPM dá como causa da morte suicídio por enforcamento. Esta era a versão oficial sustentada pelos militares e ignorada pela família. Vladimir Herzog havia sido assassinado e seus torturadores haviam montado uma farsa grotesca para encobrir a barbaridade que haviam feito.

O relato acima caberia muito bem em um romance policial. Mas não é ficção. O fato tenebroso e covarde existiu. Quando os gritos silenciaram, Vladimir Herzog estava morto. Inicia-se então, o começo da luta pela abertura política na história ditatorial que acabaria de fato, 10 anos depois, em 1985. Vlado, como era conhecido por familiares e amigos, é hoje um símbolo, e não só para os jornalistas. E está tão vivo na memória de quem presenciou e viveu a história, como na de pessoas que se apaixonam pela emocionante história de vida de Vlado e se revoltam com a monstruosidade e tristeza de sua morte.

Vladimir Herzog

 Foto: Sindicato dos Jornalistas
          de São Paulo

Em conversa exclusiva com o Jornal Segundas Intenções, a publicitária Clarice Herzog fala do terrível outubro de 1975, quando seu marido, o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado dentro das dependências do DOI-CODI pelos órgãos de repressão da ditadura.

O outubro de 1975

“O outubro de 1975 foi complicadíssimo. Ficaram na memória as coisas relacionadas ao que aconteceu com o Vlado. No começo do mês vários jornalistas foram presos. Estava havendo inclusive um encontro nacional de jornalismo e mesmo assim as prisões continuavam. Foram presos muitos jornalistas ligados ao Vlado e da TV Cultura, o Markum, o Anthony, Rodolfo Konder, o Sérgio Gomes. Foi um momento extremamente tenso. Esperávamos que o Vlado fosse preso devido a essas prisões, e discutimos muito sobre qual seria o teor de seu depoimento – o que nunca passou pelas nossas cabeça é que ele acabaria sendo morto. Vlado, naquele momento estava no Partido [Comunista Brasileiro]. Ele nunca foi muito ligado à política, ele não era comunista – aliás era bastante crítico ao partido. Na verdade, o Vlado era um intelectual, ligado a teatro, cinema, que desejava um mundo melhor, um mundo onde as idéias pudessem ser discutidas e respeitadas. Naquela época existiam duas forças contra a ditadura militar: uma era a igreja e a outra o PCB. Como o Vlado era judeu, optou pelo Partido – a sua área de atuação como militante era a discussão da situação cultural no país – a produção artística, nos vários níveis, estava sendo totalmente massacrada pela censura. O motivo da forte repressão contra o PCB, é que ele estava se tornando uma nova e forte frente e enfrentando a ditadura. Mas aconteceu o que não esperávamos que acontecesse: afinal, apesar do Vlado estar envolvido com o partido comunista, tínhamos empregos, passaporte, residência fixa e não éramos envolvidos com a luta armada.”

Londres

“Depois do término do contrato do Vlado com a BBC em Londres, eu retornei primeiro com as crianças e o Vlado ficou mais três meses fazendo um curso sobre TV Educativa. Era pra ele chegar ao Brasil dia 15 de dezembro de 1968 (o AI-05 foi no dia 13). Mas ele não chegou. Antes de vir para o Brasil, ele passou por Roma para se despedir do [Fernando] Birri [cineasta e guru de Vladimir Herzog] e lá em Roma viu a manchete no jornal: “Ditadura Militar no Brasil”. E aí ficou a dúvida, se voltava pra Londres, se vinha para o Brasil. E durante duas semanas permanecemos nessa dúvida. Mas a sensação que nós tínhamos é, mesmo com o A15 seria possível fazer alguma coisa aqui, valia a pena tentar.

O grito da sociedade e o silencio dos judeus

“A morte do Vlado foi um basta. A sociedade civil percebeu que aquilo foi a gota d´água. Na hora em que ele morreu houve uma movimentação. Ele era muito conhecido no Brasil e no exterior; então todo mundo ficou sabendo.

A comunidade judaica nunca deu apoio pra nada. Isso é muito importante que se deixe claro. Não havia rabino no velório nem no enterro do Vlado. O culto ecumênico aconteceu graças ao D. Paulo [Evaristo Arns] – aliás, Dom Paulo também esteve presente no velório. Não houve apoio nenhum da comunidade judaica, muito pelo contrário. Tive apoio de amigos judeus, mas não da comunidade enquanto instituição.”

Correio Brasiliense

“A maneira como foi feita a matéria foi muito sensacionalista, o Correio Brasiliense foi ‘marrom’. Realmente, reconheci a foto de frente como sendo do Vlado; as outras não. A pessoa fotografada era muito parecida com ele, mas houve um engano da minha parte, que só se esclareceu quanto o Nilmário Miranda (Ministro da Comissão dos Direitos Humanos) e o General chefe da segurança do presidente Lula estiveram aqui e me mostraram o dossiê completo da pessoa que tinha sido fotografada e aí percebi que realmente aquele não era o Vlado.”

A ação judicial

“Foi um processo importante porque houve um resgate da justiça brasileira, do judiciário, e isso fez com que outras famílias também entrassem com o processo contra a União. Não pleiteei indenização porque queria que fosse reconhecido publicamente que o Vlado não havia se matado e sim, que havia sido assassinado; e eu tinha medo de que me pagassem a indenização sem qualquer processo porque afinal o Vlado estava sob proteção do Estado.

Clara Charf e Carlos Marighela

“Quando voltei de Londres, eu queria ajudar de alguma forma. Fui então apresentada a Clara Charf que na época tinha um nome de guerra, que eu não lembro qual era. Ela se encontrava, vez ou outra, com o companheiro dela. E quando ia com ele em casa, o Vlado e eu permanecíamos no andar de cima – não queríamos saber quem era a pessoa que estava na clandestinidade. Mas, um dia tive um contato breve com o companheiro da Clara porque ela comentou com ele que eu havia perdido um tio assassinado durante o Estado Novo. Então, ele subiu as escadas e me disse: fui companheiro do seu tio na prisão e posso lhe dizer que ele foi um combatente muito corajoso. E eu não sabia que ele era o Marighela, e nem queria saber. Eu tinha medo de me envolver demais.”

Anistia

“Eu não anistio os torturadores do Vlado. A minha opinião sobre anistia é essa.”

32 anos depois

“Este ano o Vlado completou 70 anos. Dói. É uma dor amenizada, claro, mas ela sempre existe. É uma cicatriz que fica. Pode não estar mais inflamada, mas cada vez que se olha pra ela, lembra-se de toda a dor.”

Saiba mais sobre Vladimir Herzog: Biografia

O criminal bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba. Até quando?


27.09.07 - CUBA

Tirso W. Sáenz *

Adital -
Durante mais de 40 anos Cuba é vítima do bloqueio econômico, comercial e financeiro - o mais prolongado e cruel que tenha conhecido a História da Humanidade - imposto pelo governo dos Estados Unidos. O mundo inteiro conhece desta situação. Inúmeras instituições e organizações, intelectuais, políticos, operários e homens de todas a raças e de diversos credos políticos e religiosos de todo o mundo alçam continuadamente sua voz de protesto contra este crime. Inclusive a comunidade internacional, na Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou, uma vez mais, por esmagadora maioria, em novembro de 2006, uma resolução solicitando o fim do bloqueio.

Por que o bloqueio? Muitas pessoas bem intencionadas não podem compreender como a auto-intitulada "maior democracia no mundo" possa cometer tal agressão contra uma pequena nação do terceiro Mundo. Qual foi seu gravíssimo pecado?

O pecado foi fazer uma Revolução verdadeira, fazer uma Reforma Agrária, recuperar seus recursos naturais de mãos, principalmente, norte-americanas; eliminar o analfabetismo; dar educação e saúde a todo o povo; terminar com o domínio neo-colonial imposto pelos Estados Unidos durante mais de meio século; dar um sentimento próprio de soberania e orgulho nacional; e praticar o internacionalismo e a solidariedade internacional. Essas eram legítimas aspirações de todo o povo cubano desde suas lutas pela independência desde o século XIX.

Isso não podia ser permitido pelos governantes norte-americanos. A Revolução Cubana tinha que ser derrocada por qualquer via. Vejamos um memorando discutido numa reunião chefiada pelo Presidente dos Estados Unidos em abril de 1960:

"Não existe uma oposição política efetiva em Cuba; portanto, o único meio previsível que temos hoje para alienar o apoio interno à Revolução é através do desencantamento e do desânimo, baseados na insatisfação e nas dificuldades econômicas. Deve utilizar-se sem demora qualquer meio concebível para debilitar a vida econômica de Cuba. Negar dinheiro e fornecimentos a Cuba para diminuir os salários reais e monetários visando causar a fome, o desespero e a derrocada do governo".

Essa foi a origem do bloqueio. Além disso: agressões armadas como as de Baía dos Porcos e o financiamento a bandas armadas infiltradas no país, sabotagens a indústrias e centros comerciais, terrorismo - como a explosão da bomba no avião cubano que decolou de Barbados e que matou mais de 80 pessoas. Seus autores passeiam livremente pelas ruas de Miami. Ao mesmo tempo, cinco heróis cubanos sofrem injustas e longas condenações, presos nos EE. UU. por se infiltrarem na máfia anticubana de Miami para debelar seus intentos terroristas.

Apesar dos reclamos da comunidade internacional, o governo Bush adotou novos planos e sanções econômicas como mostra o relatório preparado pelo Governo de Cuba às Nações Unidas: intensificaram a perseguição a empresas e às transações financeiras internacionais de Cuba, incluídas aquelas para pagamentos aos organismos das Nações Unidas; roubaram marcas comerciais, como as reconhecidas Havana Club e Cohiba; novas cifras milionárias dos fundos cubanos congelados nos Estados Unidos; adotaram maiores represálias contra os que comerciam com a Ilha ou vinculam-se a ela a partir de intercâmbios de natureza cultural ou turística; aplicaram maiores pressões sobre os seus aliados para forçá-los a subordinar as relações com Cuba aos objetivos de "mudança de regime" que norteiam a política de hostilidade dos Estados Unidos; e impuseram uma escalada sem precedentes no apoio financeiro e material às ações que visam a derrocada da ordem constitucional cubana.


Nesse relatório (1) se mostram de forma detalhada e precisa os diferentes atos cometidos na aplicação do bloqueio contra Cuba e as medidas adicionais do governo Bush. Vejamos alguns poucos exemplos:

-•No dia 5 de agosto de 2006, visando intensificar a promoção da subversão interna, iniciaram-se as transmissões diárias de "TV Martí" desde um novo avião tipo G-1, que opera de segunda-feira a sexta-feira, das 18h às 23h; uma vez por semana, continuam os sobrevôos do avião militar EC-130J do Pentágono; o Escritório de Transmissões para Cuba (OCB) empregou 10 milhões de dólares para estimular este projeto. Além disso, a OCB alugou no mês de dezembro desse mesmo ano um espaço durante 6 meses em duas emissoras de Miami por um montante de 377 mil e 500 dólares para. Para essas ações, o Governo dos Estados Unidos alocou aproximadamente 37 milhões de dólares.

-•No dia 4 de maio de 2007, a empresa inglesa PSL Energy Services foi multada com um montante de 164 mil dólares por exportar e re-exportar, sem licença dos EUA, equipamento de serviço de campos petrolíferos e serviços técnicos para Cuba.

- Cuba se vê forçada a comprar arroz e grãos num volume que ultrapassa o requerido, o que obriga a maiores capacidades de armazenamento. Sem o bloqueio, poderia importá-los em curtos prazos dos Estados Unidos. No ano 2006, os excedentes desses produtos foram estimados em 28 milhões 829 mil dólares, incorrendo num gasto adicional de 5 milhões 765 mil dólares para manter esses inventários. Além disso, o armazenamento durante um período tão prolongado, nas condições de um clima tropical, provocou perdas, por pragas, de aproximadamente 189 mil 642 dólares.

- O atendimento às crianças cubanas na esfera da anestesia cirúrgica é obstaculizado pelo bloqueio. Cuba não pode adquirir o agente anestésico inalante Sevoflurane patenteado com o nome comercial Sevorane, que se tornou um agente de indução por excelência para a anestesia geral em crianças. Essa patente é exclusiva dos Laboratórios ABBOT, companhia estadunidense que não comercializa com nosso país em cumprimento às leis do bloqueio. O Sistema Cubano de Saúde não tem outra alternativa que utilizar substitutos desse produto, com menor qualidade, em mercados mais longínquos e com o correspondente aumento dos custos.

- Os usuários da Internet em Cuba não podem ter acesso aos serviços gratuitos do Google Earth no endereço http://earth.google.com . Ao tentar ter acesso recebe-se a seguinte resposta: "This product is not available in your country" (Este produto não se encontra disponível em seu país). Igualmente acontece com a atualização dos programas antivírus.

- A importação de matérias-primas, materiais e equipamentos de uso escolar para assegurar o processo docente educativo, como meios audiovisuais, computadores, equipamento de laboratório, reagentes, etc.,. foi seriamente afetada. Cada dia se reduzem mais os intermediários que correm o risco de realizar transações com Cuba pela ameaça das penalidades impostas pelo bloqueio. Tudo isto faz com que aumentem 20% e inclusive 100% nalguns casos, os preços dos produtos que se devem adquirir.

- Mais uma vez, foi negado aos artistas cubanos o direito a participar nas cerimônias dos prêmios Grammy e Grammy Latino. O visto foi denegado a seis dos artistas convidados, por razões descritas das regulamentações migratórias dos Estados Unidos, segundo a qual se proíbe a entrada nos Estados Unidos a qualquer indivíduo cuja entrada seja prejudicial aos interesses desse país. Também foi negado o visto a 15 cineastas cubanos.

- Estima-se que em 2006 o comercio exterior cubano foi afetado pelo bloqueio em valores que ultrapassaram os 1,305 bilhões de dólares. Os maiores impactos registraram-se pela impossibilidade de aceder ao mercado dos EUA. As importações que Cuba realiza não encareceram apenas como resultado de maiores preços, da utilização de intermediários e da necessidade de triangulação para determinados produtos, mas também pelo transporte desde mercados mais longínquos, com o conseqüente aumento dos fretes e seguros.

- O dano econômico direto causado ao povo cubano pela aplicação do bloqueio, em cálculos estimados, ultrapassou os 89 bilhões de dólares. Esta cifra não inclui os danos diretos ocasionados a objetivos econômicos e sociais do país pelas sabotagens e atos terroristas instados, organizados e financiados dos Estados Unidos.Também não inclui o valor dos produtos deixados de produzir ou os danos derivados das onerosas condições creditícias impostas a Cuba.


Além disso, segundo a chamada Lei Helms-Burton que internacionaliza unilateralmente o bloqueio a Cuba, fica proibido:

- Que subsidiárias norte-americanas sediadas em terceiros países realizem qualquer tipo de transação com empresas em Cuba.

- Que empresas de terceiros países exportem para os Estados Unidos produtos de origem cubana ou produtos que na sua elaboração contenham algum componente dessa origem.

- Que empresas de terceiros países vendam bens ou serviços a Cuba, cuja tecnologia contenha mais do que 10% de componentes estadunidenses, ainda que os seus proprietários sejam nacionais desses países.

- Que entrem nos portos estadunidenses navios que transportem produtos desde ou para Cuba, independentemente do país de matrícula.

- Que bancos de terceiros países abram contas em dólares norte-americanos a pessoas jurídicas ou naturais cubanas ou realizem transações financeiras nessa moeda com entidades ou pessoas cubanas.

- Que empresários de terceiros países realizem investimentos ou negócios com Cuba em propriedades vinculadas às reclamações de cidadãos estadunidenses ou que, havendo nascido em Cuba, adquiriram essa cidadania.

Os cubanos, durante mais de 40 anos, têm padecido, sobrevivido e desenvolvem-se nas condições particularmente difíceis que lhes impõe a única superpotência, que procura o aniquilamento da resistência e do exemplo de dignidade e soberania da nação cubana.

Quando se vêem estas atrocidades do governo norte-americano aplicando políticas genocidas e terroristas contra o valoroso e sofrido povo cubano, compreende-se a hipocrisia dos governos norte-americanos que brindaram toda cooperação à sanguinária ditadura de Batista em Cuba, que brindaram todo apoio a seus aliados: as ditaduras de Brasil, Chile, Argentina, Nicarágua, Uruguai, Paraguai, Guatemala e El Salvador. Nenhuma delas foi bloqueada.

Quando terminará este bloqueio contra Cuba? Não é possível predizer. Cuba seguirá avançando na saúde pública, na educação, na economia, nas conquistas sociais, no espírito patriótico e de solidariedade do seu povo e seguirá resistindo "Até a Vitória, Sempre".

Brasília, 22 de setembro de 2007

Nota:

(1) O relatório completo pode ver-se em http://embacu.cubaminrex.cu/Default.aspx?tabid=2236


* Pesquisador Associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UNB)

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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A ética comunista de Che Guevara


Os valores éticos na sua concepçom do comunismo e na sua crítica do modelo soviético

Michael Löwy

Nom há dúvida que, quarenta anos depois da sua morte, Ernesto Guevara continua a ser umha referência, a escala planetária, para todos aqueles e aquelas que rejeitam a infámia da ordem –imperial e capitalista– estabelecida e acreditam que “um outro mundo é possível”. Há algo na vida e na mensagem do médico/guerrilheiro argentino/cubano que ainda fala às geraçons de 2007. De outro modo, como explicar esta pletora de obras, artigos, filmes e debates? Nom é um simples efeito comemorativo do aniversário: quem se interessava, em 2003, polos cinqüenta anos da morte de José Estaline? Para além da linguagem, da terminologia, de certos temas e obsessons datadas, fica na figura do Che Guevara um núcleo incandescente que continua a abrasar.

Isto procede de modo particular para a América Latina. A herança do guevarismo, como sensibilidade revolucionária e como resistência irredutível à ordem estabelecida, resta vigorosa na esquerda radical, e em certos movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Camponeses Sem Terra) do Brasil ou os piqueteros argentinos. A componente guevarista está também bem presente na origem do grupo que forma o EZLN (Exército Zapatista de Libertaçom Nacional).

O que está a acontecer na Bolívia, país em que Guevara derramou o seu sangue num derradeiro combate? No seu discurso de investidura presidencial em Janeiro de 2006, Evo Morales rendeu homenagem aos “nossos antepassados que luitárom”: “Tupak Katari para restaurar o Tahuantinsuyo, Simón Bolívar para a grande pátria e Che Guevara para um mundo novo feito de igualdade”.

Nas luitas emancipadoras na América Latina, apercebem-se os traços, bem visíveis, bem invisíveis, do pensamento do Che. Está presente tanto no imaginário colectivo dos combatentes, como nos seus debates a respeito dos métodos, da estratégia e da natureza da luita. Pode-se considerar como um dos fios vermelhos com que se tecem, da Patagónia ao Rio Grande, os sonhos, as utopias e as acçons revolucionárias.

Sem dúvida, existem muitas razons para esta sobrevivência de Guevara na entrada do século XXI, mas umha delas é certamente a importáncia da dimensom ética na sua vida e pensamento, nos seus escritos e nos seus actos. Eu proponho que se designe por umha ética comunista: “comunista” nom no senso estreito de aderir a um partido político –e menos ainda de partidário da URSS (senso usual da palavra na linguagem da Guerra Fria), aliás na significaçom originária do termo, tal como Marx e Engels a formulam em O Manifesto Comunista de 1848. Umha significaçom que reenvia aos séculos de luitas de classes, e de combates inspirados polo que Ernst Bloch chamava O Princípio Esperança, isto é, o sonho de umha marcha em pé da humanidade. O comunismo de Marx, que era também o de Lenine e Trotsky em Outubro de 1917, de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em Janeiro de 1919, de António Gramsci, de Júlio Mella, de José Carlos Mariátegui, de Farabundo Martí, e de tantos outros pensadores e combatentes, nom pode encerrar-se dentro de algum muro, e ainda menos no que caiu em Berlim em 1989.

Antes de Guevara, Mariátegui foi um dos escassos marxistas latino-americanos em atribuir um lugar central à ética na sua interpretaçom do materialismo histórico. No seu livro (póstumo) Defensa del marxismo (1930) dedica muitas páginas à funçom ética do socialismo –publicadas em Cuba no primeiro número da revista Tricontinental– que concluem com esta afirmaçom: a ética socialista “nom surge mecanicamente do interesse económico: ela afirma-se na luita de classes, dada com um espírito heróico, umha vontade apaixonada”. Nom sabemos se o Che conhecia este texto de Mariátegui, tam próximo das suas ideias; nom está excluído que o tivesse lido, pois a sua companheira dos anos 50, a jovem peruana Hilda Gadea, lhe emprestara os escritos de Mariátegui.

A ética comunista de Che Guevara, humanista e revolucionária, estava fundada em alguns valores essenciais: a liberdade (isto é, a libertaçom de toda opressom política ou económica), a igualdade, a solidariedade entre indivíduos e entre povos, a democracia revolucionária, o internacionalismo. A sua procura de um modelo alternativo vai inspirar, a partir de 1963, a tentativa de formular outra via ao socialismo, mais radical, mais igualitária, mais fraternal.

O motor essencial desta procura de um caminho novo –para além de questons económicas específicas, sobre as quais havemos de voltar– é o convencimento de que o socialismo (o comunismo) nom tem senso, e nom pode triunfar, de nom representar um projecto de civilizaçom, umha ética social, um modelo de sociedade totalmente antagónico com os valores do individualismo mesquinho, do egoísmo feroz, da competitividade, da guerra de todos em contra de todos do sistema capitalista, este mundo em que “o ser humano é o lobo do ser humano”.

Para Guevara, a construçom do socialismo é inseparável de certos valores éticos, contrariamente ao que proclamam as concepçons economicistas –desde Estaline até Krutchev e os seus sucessores– que nom se interessam mais que polo “desenvolvimento das forças produtivas”. Na sua célebre entrevista com o jornalista Jean Daniel (Julho de 1963) observava, no que seria umha crítica implícita ao “socialismo real”: “o socialismo económico, sem a moral comunista, nom me interessa. Nós luitamos contra a miséria mas, ao mesmo tempo, contra a alienaçom. (…) Caso o comunismo ignore os factos de consciência, pode ser um método de distribuiçom, mas nunca umha moral revolucionária”.

Caso o socialismo queira luitar contra o capitalismo e vencê-lo no seu próprio terreno, o terreno do produtivismo e do consumismo, ao empregar as suas próprias armas –a forma mercantil, a concorrência, o individualismo egoísta– está condenado ao fracasso. Nom se pode dizer que Guevara avisou do desabamento da URSS mas, de certa forma, intuiu que um sistema “socialista” que nom tolera as divergências, que nom representa valores éticos novos, que pretende imitar o seu adversário e que nom possui umha outra ambiçom que “alcançar e ultrapassar” a produçom das metrópoles capitalistas, nom tem porvir.

De 1959 a 1967, o pensamento do Che evoluiu muito. Afastou-se cada vez mais das ilusons iniciais a respeito do socialismo soviético e do marxismo de tipo soviético, quer dizer, do estalinismo. Numha carta de 1965 a um amigo cubano, criticava duramente o “seguidismo ideológico” que estava a manifestar-se em Cuba com a ediçom de manuais soviéticos para o ensino do marxismo –um ponto de vista coincidente com o defendido, nessa mesma época, por Fernando Martínez, Aurelio Alonso e os seus amigos do Departamento de Filosofia da Universidade de Havana e da revista Pensamiento crítico. Estes manuais –que nomeia como “os calhamaços soviéticos”– “tenhem o inconveniente de nom te deixarem pensar: o Partido já fai isso por ti e tu tés de o digerir”. Percebe-se, de modo cada vez mais explícito, mormente nos seus escritos a partir do debate económico de 1963, o rejeitamento crescente do “decalque e cópia” –estou a pensar aqui na célebre fórmula de Mariátegui: o socialismo indo-americano nom será decalque e cópia doutras experiências, aliás criaçom heróica– e a procura de um modelo alternativo.

Nom é, pois, por acaso que a posiçom, no que di respeito à questom do socialismo “realmente existente” tomou, depois de 1965, a forma de umha crítica radical de um manual soviético.

Trata-se das notas críticas ao Manual de Economia Política da URSS (ediçom em espanhol de 1963) que Che Guevara redigiu, na sua estadia na Tanzánia e em Praga, em 1965-66, após o fracasso da sua missom no Congo e antes de partir para a Bolívia. Há muito tempo, muitíssimo tempo que era esperada a publicaçom desta obra… Durante dezenas de anos, este documento ficou “fora de circulaçom”; logo a seguir à queda da URSS foi permitido consultá-lo a alguns investigadores cubanos, e extrair alguns curtos fragmentos para os seus trabalhos. E é agora, quarenta anos depois da sua redacçom, que se decidiu publicá-lo em Cuba, numha ediçom aumentada que contém outros materiais inéditos: umha carta do Che a Fidel Castro, de Abril de 1965, que serve de Prólogo ao livro, notas sobre escritos de Marx e de Lenine, umha selecçom de conversaçons entre Guevara e os seus colaboradores do Ministério da Indústria (1963-65) –já parcialmente publicadas em França e em Itália nos anos 70–, cartas a diversas personalidades (Paul Sweezy, Charles Bettelheim), e extractos de umha entrevista com o jornal egípcio El-Taliah (Abril de 1965).

Porque as notas de Guevara nom se publicárom mais cedo? Pode, no limite, compreender-se que, antes do fim da URSS, existissem razons “diplomáticas” para ocultar a verdade. Mais, depois de 1991? O prefácio do livro, de Maria del Carmem Ariet, do Centro de Estudos Che Guevara de Havana, nom explica nada, e limita-se a observar que “este texto foi durante anos um dos mais esperados” do Che.

Por fim, este material está agora à disposiçom dos leitores interessados, e é, com efeito, apaixonante. Testemunha à vez a independência de espírito de Guevara, a sua tomada de distáncia crítica em face do modelo de “socialismo realmente existente”, e a sua procura de umha alternativa radical. Mas mostra em simultáneo os limites da sua reflexom.

Principiemos por eles: o Che, neste momento –nom se sabe se o seu pensamento neste tema avançou em 1966-67– nom compreendeu a questom do estalinismo. Atribui os becos sem saída da URSS dos anos sessenta a… a NEP de Lenine! Certamente, ele pensa que, se Lenine tivesse vivido mais tempo –ele cometeu o erro de morrer, anota com ironia– teria corrigido os efeitos mais retrógados dessa política. Mas está convencido de que a introduçom de elementos capitalistas pola NEP conduziu para nefastas tendências que observa na URSS em 1963, ao caminhar no senso de umha restauraçom do capitalismo. Todas as críticas de Guevara à NEP nom som sem interesse e, por vezes, coincidem com as da oposiçom de esquerda em 1925-27; por exemplo, quando está a constatar que no curso dos anos 20, “os quadros aliárom-se ao sistema ao constituirem umha casta privilegiada”. Pergunta a si próprio se nom leu Trotsky –que definia a burocracia como umha “casta”–, mais ele nom o menciona em parte algumha nestas notas… Em todo o caso, a hipótese histórica que fai da NEP responsável polas tendências pró-capitalistas na URSS de Brejnev é, às claras, pouco operativa. Excepto um ou dous comentários, as notas ignoram por completo, de um modo simples, o estalinismo e as monstruosas deformaçons que introduziu no sistema económico, social e político da URSS.

Este documento –com outros materiais publicadosnesta compilaçom de 2006– ao ser ainda pouco conhecido, vamos conceder-lhe um lugar central na nossa discussom da sua concepçom do socialismo.

O socialismo para o Che era o projecto histórico de umha nova sociedade, fundada sobre os valores da igualdade, a solidariedade, o colectivismo, o altruísmo revolucionário, o internacionalismo, o livre debate e participaçom popular. Assim como as suas críticas, crescentes, ao modelo soviético pola sua prática como dirigente e a sua reflexom sobre a experiência cubana inspiradas nesta utopia –no senso que dá Ernst Bloch a esta palavra, umha “paisagem-de-desejo”– comunista.

Quatro aspectos traduzem concretamente a ética revolucionária de Ernesto Guevara e a sua procura de um novo caminho: o internacionalismo; umha concepçom da construçom do socialismo que opom a solidariedade ao indiviualismo mercantil; a questom da livre expressom dos desacordos, e a perspectiva da democracia socialista. Som os dous primeiros que ocupam o lugar principal das suas reflexons: os outros dous –estreitamente ligados– estám muito menos desenvolvidos, com lacunas e contradiçons. Mas estám, contodo, presentes nas suas preocupaçons e na sua prática política. Nom se encontra, nos seus escritos, um pensamento acabado, sistemático, sobre estas questons: muitas pistas, aberturas, janelas que dam para “um outro mundo possível”.

1 O internacionalismo socialista

Há umha frase de José Marti que Guevara gostava de citar nos seus discursos e em que via “a bandeira da dignidade”: “Todo ser humano verdadeiro deve sentir sobre a sua face a pancada dada a nom importa que outro ser humano”. A traduçom política desta dignidade é o internacionalismo. Já agora, o internacionalismo é umha necesidade, um imperativo estratégico no combate contra o imperialismo –é o tema central da sua Carta à Tricontinental (1966)–, mas é, também, umha alta exgigência moral: internacionalista é quem for capaz de “experimentar a angústia quando um homem é assassinado em qualquer parte do mundo e celebrar quando se ergue em qualquer parte umha nova bandeira da liberdade”; o que sente “como umha afronta pessoal toda agressom, toda afronta à dignidade e à felicidade do homem, nom importa em que parte do mundo”.

No seu célebre “Discurso de Argel” (Fevereiro de 1965), Che Guevara exigia dos países que se reclamavam do socialismo “liquidar a sua complicidade tácita com os países exploradores de Ocidente”, que estava a traduzir-se em relaçons de intercámbio desigual com os povos em luita contra o imperialismo. Este assunto volta muitas vezes nas Notas Críticas sobre o Manual Soviético. Enquanto os autores desta obra oficial gabam “a ajuda mútua” entre países socialistas, o antigo Ministro da Indústria cubano está obrigado a constatar que esta nom está a corresponder-se com a realidade: “A presidir o internacionalismo proletário os actos dos governos de cada país socialista (…) isto seria um êxito. Mas o internacionalismo foi substituído polo chauvinismo (de grande potência ou de pequeno país) ou osubmetimento à URSS (…). Isto fere (atenta contra) todos os sonhos honestos dos comunistas do mundo”. Algumhas páginas mais adiante, num comentário irónico a umha afirmaçom do Manual a respeito da divisom do trabalho entre países socialistas, fundada sobre umha “fraternal colaboraçom”, Guevara observa: “A gaiola de grilos (olla de grillos) que é o CAME desmente tal asseveraçom na prática. O texto está a referir-se a um ideal que poderia estabelecer-se somente com umha verdadeira prática do internacionalismo proletário, mas está lamentavelmente ausente hoje”. No mesmo senso, noutro fragmento constata, com amargura, que nas relaçons entre países que se reclamam do socialismo se encontram “fenómenos de expansionismo, de intercámbio desigual, de concorrência, mesmo um certo ponto de exploraçom e certamente de submetimento dos Estados fracos aos fortes”. Numha palavra, quando o Manual fala da necessidade do Estado para “a construçom do comunismo”, a crítica coloca esta questom retórica: “pode construir-se o socialismo num só país?”. Mesmo se Trotsky em modo nengum é mencionado nestas Notas, nom se pode outra cousa que certificar a analogia entre esta advertência e as posiçons da oposiçom comunista de esquerda de 1927… Outra nota interessante vai no mesmo senso: Lenine, observa o Che, “afirmou com claridade o carácter universal da revoluçom, cousa que de seguida foi negada” –umha referência transparente ao “socialismo num só país”, mas, mais umha vez, nom é questom de estalinismo.

2. Por um socialismo da fraternidade

A solidariedade é um vector político e moral tanto para as relaçons entre povos como entre indivíduos: trata-se de momentos dialecticamente inseparáveis. No mesmo discurso de Argel, Guevara insistia: “nom pode existir o socialismo se nom operar nas consciências umha mudança que conduza para umha nova atitude fraternal com a humanidade, tanto a nível do indivíduo, na sociedade em que se constrói ou que constrói o socialismo, como a nível mundial, em relaçom com os povos que estám a sofrer a opressom imperialista”.

O socialismo nom é unicamente umha mudança económica, mas também umha profunda revoluçom moral e cultural –que Guevara designa com o conceito de “homem novo”– em ruptura com o utilitarismo egoísta e mercantil da civilizaçom do capital. Ao analisar no seu ensaio de Março de 1965, O socialismo e o homem em Cuba, os modelos de construçom do socialismo dominantes na Europa oriental, rejeitava a concepçom que pretendia “vencer o capitalismo com os seus próprios feitiços”: “Ao perseguir a quimera de realizar o socialismo com a ajuda das armas poluídas que nos legou o capitalismo –a mercadoria tomada como célula económica, o rendimento, o interesse material individual como alavanca, etc, pode desembocar-se numha via sem saída. Para construir o comunismo, é preciso, ao mesmo tempo que a base material, criar o homem novo”.

Este “homem novo”, portador de umha consciência revolucionária, nom pode desenvolver-se se nom for a partir de valores como a solidariedade e a igualdade. Um documento apaixonante sobre a evoluçom das ideias do Che Guevara som as actas das discussons periódicas que mantinha com os seus colaboradores do Ministério da Indústria. Longos extractos destas actas figuram no mesmo volume, publicado em 2006 em Havana, que as notas críticas sobre o Manual soviético. Despois de umha discussom em Dezembro de 1963, o camarada ministro observava: “O comunismo é um fenómeno de consciência e nom somente um fenómeno de produçom; nom se pode chegar ao comunismo pola simples acumulaçom mecánica de quantidades de produtos postos a disposiçom do povo. Nom se pode chegar ao que Marx definia como comunismo (…) se nom existir um ser humano consciente”.

Num debate de Dezembro de 1964, o Che volta sobre a questom da ausência de igualdade verdadeira no “socialismo real”. Um dos principais perigos do modelo importado dos países do Leste europeu era o aumento da desigualdade social e a formaçom de umha minoria privilegiada de tecnocratas e burocratas: neste sistema de distribuiçom “som os directores os que ganham cada vez mais. Basta ver o último projecto da RDA, a releváncia que assume a gestom do director, ou melhor, a retribuiçom da gestom do director”. Esta questom preocupa-o até o mais alto grau, a tal ponto que a menciona de novo numha carta a Fidel Castro de Abril de 1965 (um pouco antes da sua partida de Cuba) –também publicada, pola primeira vez, na colectánea de 2006– onde ele fai referência ao “interesse material dos dirigentes, princípio da corrupçom”.

O fundo do debate, em 1963-66, à vez com os partidários da “lei do valor no socialismo” -um dogma de Estaline defendido no debate económico cubano por Charles Bettelheim, e contestado por Ernest Mandel– e mais tarde, com as afirmaçons do Manual soviético, era um confronto entre umha visom economicista –a esfera económica como sistema autónomo, regida polas suas próprias leis, como a lei do valor ou as leis do mercado– e umha concepçom política e moral do socialismo, isto é, a tomada de decisons económicas –as prioridades produtivas, os preços, etc. –segundo critérios sociais, éticos e políticos. As proposiçons económicas de Guevara –a planificaçom contra o mercado, o sistema orçamental de financiamento, os estímulos colectivos ou “morais”– tinham como objectivo um modelo de construçom do socialismo fundado nestes critérios e diferente, portanto, do soviético.

3. A liberdade de discussom

A liberdade como valor ético é, para Ernesto Guevara, primeiro que toda a libertaçom em relaçom à dominaçom do capital e a alienaçom mercantil; segundo as Notas críticas ao Manual, trata-se de “libertar o ser humano da sua condiçom de cousa económica”.O que se passa com a liberdade de expressom das divergências? Um aspecto político importante do debate económico dos anos 1963-64, que merece ser alegado, é o facto mesmo da discussom. Quer dizer, o reconhecimento de que a expressom pública dos desacordos é normal num processo de construçom do socialismo. Noutros termos, a legitimaçom de um certo pluralismo democrático na revoluçom. Esta problemática está apenas implícita no debate económico. Guevara nom a desenvolveu de forma explícita ou sistemática. Mas a sua atitude, com diversas retomadas no curso da década de 60, mostra que era favorável ao livre debate, e ao respeito da pluralidade de opinions. A modo de exemplo, numha das discusons com os seus colaboradores (Dezembro de 1964) dirige-se ao seu principal adversário no debate económico cubano, o comandante Alberto Mora : “Faltam ao trabalho de Alberto duas cousas. Ou que nos demonstre que nous avons tort (que estávamos enganados) –o que em modo algum pode ser mau– ou entom que demonstre a si próprio que nom tem razom, o que nom pode ser tampouco mau. Tanto num caso como no outro (Cualquiera de las dos cosas) vai enriquecer-se qualquer cousa que é bastante pobre e que precisa de um trabalho suplementar”.

Outro exemplo interessante é o seu comportamento a respeito dos trotskistas cubanos, com quem nom partilhava de nengum modo as análises (criticou-nos com dureza em diversas ocasions). Em 1961, numha entrevista com um intelectual da esquerda norte-americana Maurice Zeitlin, Guevara denunciou a destruiçom, pola polícia cubana, das placas de impressom de A Revoluçom Permanente de Trotsky, como um “erro” que “nom deveria ter lugar” e alguns anos mais tarde, pouco antes de abandonar Cuba em 1965, ele conseguiu tirar da cadeia o dirigente trotskista cubano Roberto Acosta Hechevarria, a quem manifesta, antes de o deixar com um abraço fraternal: “Acosta, as ideias nom se matam a golpe de matraca”.

Nom obstante, a sua reflexom mais importante neste terreno é a sua resposta –no debate de Dezembro de 1964 com os seus camaradas do Ministério da Indústria já mencionada– a crítica de certos soviéticos, que o acusavam de defender ideias “trotskistas”. “Neste tema, penso que, ou bem temos a capacidade de destruir com argumentos a opiniom contrária, ou bem debemos deixar que se expresse. Nom é possível destruir umha opiniom à força, pois esta bloqueia por completo o livre desenvolvimento da inteligência. Assim, no pensamento de Trotsky podem assumir-se umha série de cousas, mesmo se, como eu penso, está equivocado nas suas concepçons, e a sua acçom posterior foi equivocada” Guevara ajusta ironicamente que os soviéticos o tratárom de “trotskista”, ao aplicar-lhe esta etiqueta como um “Sam Benito”–isto é, o hábito com que a Inquisiçom em Espanha cobria os hereges no momento de os conduzir à fogueira…

Talvez nom seja um acaso que a defesa mais explícita da liberdade de expressom e a crítica mais directa de Guevara ao autoritarismo estaliniano venha de manifestar-se no terreno da arte. No seu célebre ensaio O Socialismo e o Homem em Cuba (1965) denuncia o “realismo socialista” de feitio soviético como imposiçom de umha forma de arte –a que “entendem os funcionários”. Com este método, sublinhava, “está a suprimir-se a autêntica procura artística” e está a impor-se “umha verdadeira camisa de força à expressom artística”.

4. A democracia socialista

A democracia, ou o anti-autoritarismo, era também um valor ético importante para Che Guevara. Já agora, nunca elaborou umha reflexom teórica sustentada a respeito do papel da democracia na transiçom ao socialismo –talvez a maior lacuna da sua obra–, mas rejeitava as concepçons autoritárias e ditatoriais que prejudicárom a tal ponto o socialismo do século XX. Aos que pretendiam, por cima, “educar o povo” –falsa doutrina já criticada por Marx nas suas Teses sobre Feuerbach de 1845 (“quem vai educar os educadores?”), respondia, num discurso de 1960: “A primeira receita para educar o povo (…) é a de o fazer entrar na revoluçom. Nunca convém tentar educar um povo para que, unicamente por meio da educaçom, e um governo despótico por cima, aprenda a conquistar os seus direitos. Ensinade-lhe, antes de mais, a conquistar os seus direitos, e este povo, umha vez representado no governo, aprenderá todo quanto lhe for ensinado, e muito mais: ele será o mestre de todos, sem esforço nengum”. Por outras palavras: a única pedagogia emancipadora é a auto-educaçom dos povos pola própria prática revolucionária –ou, como escrevia Marx em A Ideologia Alemá (1846), “na actividade revolucionária, a mudança de um mesmo coincide com a transformaçom das condiçons”. As notas críticas redigidas em 1966 sobre o Manual de Economia Política soviético vam no mesmo senso: “O terrível crime histórico de Estaline “foi” o de ter desprezado a educaçom comunista e instituído um culto ilimitado da autoridade”. Mágoa que nom desenvolvesse esta ideia …

Guevara rejeita a democracia burguesa, mas –apesar da sua sensibilidade antiburocrática e igualitária– está longe de ter umha visom clara das relaçons entre socialismo e democracia. Em O Socialismo e o Homem em Cuba, reconhece que o Estado revolucionário pode equivocar-se e provocar assim umha reacçom negativa das massas populares, o que o obriga a rectificar –o exemplo que refere é a política sectária do Partido sob a direcçom do quadro estaliniano Aníbal Escalante em 1961-62. Contodo, aponta que “é evidente que este mecanismo nom basta para assegurar umha sucessom de medidas razoáveis: falta umha ligaçom mais estruturada com as massas”. Num primeiro momento, parece encontrar umha soluçom numha vaga “interrelaçom dialéctica” entre os dirigentes e as massas. Nom obstante, umhas páginas mais à frente, avisa de que o problema está longe de ter achado umha soluçom ajeitada, que permita um controlo democrático efectivo: “Esta institucionalidade da Revoluçom ainda nom tivo êxito. Nos estamos a procurar algo novo (…).

No curso do debate económico de 1963-65, a sua principal limitaçom neste terreno era a insuficiência da sua reflexom sobre a relaçom entre democracia e planeamento. Os seus argumentos em defensa da planificaçom e em contra das categorias mercantis som muito importantes e cobram nova actualidade frente à vulgata neoliberal que domina hoje com a sua “religiom do mercado”. Mas deixam na sombra umha questom política chave: quem decide as grandes opçons do plano económico? Quem determina as prioridades da produçom e do consumo? Sem umha verdadeira democracia –isto é: a) pluralismo político; b) livre discussom de prioridades e c) livre eleiçom para a populaçom entre as diversas proposiçons e plataformas económicas propostas –a planificaçom transforma-se inevitavelmente num sistema burocrático, autoritário e ineficaz de “ditadura sobre as necessidades”, como o mostra sobejamente a história da ex-URSS. Por outras palavras: os problemas económicos da transiçom ao socialismo som inseparáveis da natureza do sistema político. A experiência cubana dos últimos trinta anos revela, ela também, as conseqüências negativas da ausência de instituçons democráticas/socialistas –mesmo se Cuba tivo êxito ao evitar as aberraçons burocráticas e totalitárias de outros Estados do assim nomeado “socialismo real”.

Quem deve planificar? O debate de 1963-64 nom respondeu a esta questom. É neste tema que se encontram os avanços de mais interesse nas notas de 1965-66. Ao criticar umha vez mais o modelo soviético escreve: “Em contradiçom com umha concepçom do plano como decisom económica de massas conscientes dos interesses populares, oferece-se um placebo, em que só os elementos económicos decidem sobre o destino colectivo. É um procedimento mecanicista, anti-marxista. As massas devem ter a possibilidade de dirigirem o seu destino, de decidirem qual é a parte da produçom que irá à acumulaçom e qual será consumida. A técnica económica tem de operar nos limites destas indicaçons e a consciência das massas deve assegurar a sua aplicaçom”. Este tema é retomado em diversas ocasións: os obreiros, escreve, o povo em geral, “decidirám sobre os grandes problemas do país (taxas de crescimento, acumulaçom/consumo), mesmo se o plano é obra de especialistas”. (25) Pode criticar-se esta separaçom em excesso mecánica entre as decisons económicas e a sua execuçom, mas por estas formulaçons Guevara está a aproximar-se consideravelmente da ideia de planificaçom socialista democrática, tal como, por exemplo, a formulava Ernest Mandel. Nom extrai todas as conclusons políticas –democratizaçom do poder, pluralismo político, liberdade de organizaçom–, mas nom se pode negar a releváncia desta visom nova da democracia económica.

Podem-se considerar estas notas como umha etapa importante no caminho do Che Guevara de cara a umha alternativa comunista/democrática face ao modelo (estalinista) soviético. Um caminho brutalmente interrompido polos assassinos bolivianos ao serviço da CIA em Outubro de 1967.

Michael Löwy é teórico marxista, especialista na questom nacional e no Che Guevara, e militante da LCR francesa.

Evo Morales Aima, Pour em finir avec l’État colonial, Paris, L’Esprit frappeur, 2006, p. 36.

Tricontinentale, nº 1, éd. Francesa, 1968, p. 20.

In L’Express, 25 de Julho de 1963, p. 9.

Esta carta fai parte dos materiais do Che que ficam inéditos por enquanto… Nom figura na colectánea de 2006. Carlos Tablada refere a mesma no seu artigo “Le marxisme du Che Guevara”, Alternatives Sud, vol. III, 1996, 2, p. 168.

Ernesto Che Guevara, Apuntes críticos a la economía política. Ocean Press/Editorial de Ciencias Humanas, Havana, 2006.

Guevara, Apuntes críticos…pp. 27, 12, 195. Janette Habel observa, com razom: “Longe das deformaçons estalinistas, as premissas do Che eram humanistas e revolucionárias… Mas é verdade que punha o acento em excesso na crítica económica, sobre o peso das relaçons mercantis e insuficientemente sobre o carácter policial e repressivo do sistema político soviético”. (J. Habel, Prefácio a M. Löwy, La pensée de Che Guevara. Paris, Syllepse, 1997, p. 11).

Fernando Martínez Heredia tem razom ao sublinhar: “o inacabamento do pensamento do Che (…) mesmo tem aspectos positivos. O grande pensador está a assinalar problemas e caminhos (…), ao exigir dos seus camaradas pensar, estudar, combinar a prática e a teoria. É impossível, quando se assume realmente o seu pensamento, dogmatizá-lo, convertê-lo noutro bastiom especulativo e noutro depósito de frases e receitas”. F. Martínez, “Che, el socialismo y el comunismo”, in Pensar el Che, Centro de Estudios sobre América-Editorial José Martí, Havana, 1989, tomo II, p. 30. Ver também o seu livro com o mesmo título Che, el socialismo y el comunismo, Havana, Premio Casa de las Américas, 1989.

Ernesto Guevara, Textes politiques, Paris, Maspero, 1970, pp. 118, 137.

Ernesto Che Guevara, Obras 1957–1967. Paris, François Maspero, 1970, tomo II, p. 574.

Conselho de Ajuda Económica Mútua, umha espécie de Mercado Comum dos países do “socialismoreal”.

Apuntes críticos…pp. 130, 190-191, 228.

Obras II, p. 574.

Obras II, pp. 371-372.

Apuntes críticos…, p. 270-271.

Apuntes críticos…, p. 372. Umha parte destas actas já fora publicada em italiano no jornal Il Manifesto e traduzida para francês sob o título “Le plan et les hommes”, num volume organizado em 1972: Ernesto Che Guevara, Oeuvres. Paris, Maspero, 1972, vol. VI, Textes inédits, p. 90.

Apuntes críticos…, p. 10.

Ibid., p. 130.

Ibid., p. 377.

“Interview with Maurice Zeitlin”, in R. E. Bonachea and N. P. Valdes (ed), Che: Selected Works of Ernesto Guevara. MIT Press, 1969, p. 391 and “Am Interwiew with Roberto Acosta Hechevarria”, in Gary Tennant, The Hiddem Pearl of the Caribbean: Trotskysm in Cuba. London, Porcupine Press, 2000, p. 246. Segundo Roberto Acosta, Guevara prometera-lhe que um dia, no futuro, as publicaçons trotskistas seriam legalmente permitidas em Cuba (p. 249).

Apuntes críticos…, pp. 369-370. Em francês, Oeuvres VI, p. 86-87.

E. Guevara, Obras II, p. 379.

E. Guevara, Obras II, p. 87.

Apuntes críticos…, p. 195.

E. Che Guevara, Obras II, pp. 369, 375.

Apuntes críticos…, pp. 132-133, 183.



terça-feira, 25 de setembro de 2007

O Movimento Tradicionalista Gaúcho em discussão. 'A missa crioula é uma ode ao mundo estancieiro' Entrevista especial com Tau Golin


O Movimento Tradicionalista Gaúcho em discussão. 'A missa crioula é uma ode ao mundo estancieiro' Entrevista especial com Tau Golin

Há cerca de três semanas circula pela internet o Manifesto contra o Tradicionalismo, escrito por um grupo formado por jornalistas, historiadores, produtores culturais, pedagogos e autoridades acadêmicas. O manifesto é um texto que reúne diversas reflexões sobre o sentido do MTG na sociedade rio-grandense. Segundo o grupo, “o manifesto é, em seu conjunto, a defesa da cidadania, da democracia, das relações republicanas e da liberdade cultural (...) representa um movimento da ilustração contra o fundamentalismo”. A IHU On-Line conversou com o professor e jornalista Tau Golin sobre o manifesto. Durante a entrevista, feita por e-mail e telefone, Tau Golin afirma que “o Tradicionalismo, ao ser inventado por um grupo de jovens secundaristas (...), surgiu no sopro dos regionalismos, porém com uma adaptação, com a busca de um modelo. Esse modelo foi se especializando até se transformar em uma militância sistêmica”.

Luis Carlos Tau Golin graduou-se em jornalismo (1986) e História (1994). Seu mestrado e doutorado, na área de história, foram concluídos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Seus projetos de pesquisa atuais estão focados na iconografia e no inventário documental da fronteira do Estado em dois de seus vizinhos: Argentina e Uruguai. Além disso, estuda a formação das fronteiras geopolíticas do Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.

Há cerca de três semanas circula pela internet o Manifesto contra o Tradicionalismo, escrito por um grupo formado por jornalistas, historiadores, produtores culturais, pedagogos e autoridades acadêmicas. O manifesto é um texto que reúne diversas reflexões sobre o sentido do MTG na sociedade rio-grandense. Segundo o grupo, “o manifesto é, em seu conjunto, a defesa da cidadania, da democracia, das relações republicanas e da liberdade cultural (...) representa um movimento da ilustração contra o fundamentalismo”. A IHU On-Line conversou com o professor e jornalista Tau Golin sobre o manifesto. Durante a entrevista, feita por e-mail e telefone, Tau Golin afirma que “o Tradicionalismo, ao ser inventado por um grupo de jovens secundaristas (...), surgiu no sopro dos regionalismos, porém com uma adaptação, com a busca de um modelo. Esse modelo foi se especializando até se transformar em uma militância sistêmica”.

Luis Carlos Tau Golin graduou-se em jornalismo (1986) e História (1994). Seu mestrado e doutorado, na área de história, foram concluídos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Seus projetos de pesquisa atuais estão focados na iconografia e no inventário documental da fronteira do Estado em dois de seus vizinhos: Argentina e Uruguai. Além disso, estuda a formação das fronteiras geopolíticas do Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual a função atual do MTG na sociedade gaúcha?

Tau Golin - O Tradicionalismo passou por algumas fases distintas até assumir oficialmente um caráter “oficialista”, cívico-fundamentalista. Em todo o seu desenvolvimento, no entanto, ele representa a expressão de uma contradição fundamental, de uma tensão entre os dirigentes e as esferas concretas das representações sociais. O Tradicionalismo teve seu impulso criador no espectro dos movimentos regionalistas, que começaram a aparecer na segunda metade do século XIX. No Brasil, invariavelmente, durante a República Velha, as elites regionais buscaram tipificar seus perfis nos discursos e símbolos locais. Na luta política, curiosamente, esses elementos eram utilizados como caracterização "do outro", muitas vezes como caricatura, com elementos pejorativos. Essas "nomeações", no geral, ocorriam a partir "de fora". E aquilo que inicialmente possuía uma intenção depreciativa passava a ser adotado como uma caracterização identitária. A truculência da elite rio-grandense na cena política nacional e platina deu-lhe o classificativo depreciativo de "gaúcho" (grupo social de ladrões de campo, salteadores, gente sem hábitos civilizatórios etc.). Por diversos processos, acabou em gentílico.

O Tradicionalismo, ao ser inventado por um grupo de jovens secundaristas no Colégio Júlio de Castilhos (1), surgiu no sopro dos regionalismos, porém com uma adaptação, com a busca de um modelo. Cezimbra Jacques (2) já organizara os grêmios gaúchos para manter lembranças da vida campeira. Manifestações desse tipo já haviam surgido no Uruguai. Paixão Cortês (3) fora tocado pelos rodeios e estilo de vida dos caubóis norte-americanos. Todas essas influências resultaram na escolha da "estância tradicional", a propriedade privada, o espaço da elite agropastoril e escravocrata, como o ethos, o mito fundante regional.

O modelo foi se especializando até se transformar em uma militância sistêmica. Todos os elementos simbólicos populares, hábitos, costumes etc., foram inseridos e reinventados, inspirando criações, no universo de uma ampla estância imaginativa. O próprio estado, multicultural e multirracial, aos poucos, foi sendo consagrado como uma versão simbólica de estância. Ao se apropriar dos elementos reais e simbólicos da população, dando-lhe novo sentido, o Tradicionalismo transformou-se em verdadeiro sugadouro. Entretanto, essa motivação genuína da população, de etnias, ao mesmo tempo que foi direcionada para o civismo obediente e regulador, inseriu no âmbito do Tradicionalismo as tensões contraditórias entre as manobras reguladoras do poder dirigente e os modos de vida regionais, das culturas locais, das visões e concepções sobre o que é ou deveria ser a cultura do Rio Grande do Sul. De outro lado, como partiu de mosaicos de folclores, culturas populares, danças, cantigas, espaços gauchescos, buscou estilos onde esses aspectos já existiam ou estavam em desenvolvimento superior - Uruguai e Argentina. A cópia e a imitação também fizeram parte. Entretanto, ao contrário do viés cívico, governamental, militaresco e disciplinador do Tradicionalismo, no Prata, o "folclore" possui convicção e se constitui no espaço "dos paisanos" e anda sempre ao arrepio do poder; cultua, inclusive, um certo ódio ao "milico". Bem ao contrário do Rio Grande, onde o Tradicionalismo acabou se transformando em uma cultura de caserna, de inspiração de um positivismo desilustrado, dominado, em especial, pelos oficiais brigadianos, funcionários públicos e pela direita culturalmente limitada, líderes de legiões de "artistas" do lumpesinato.

Na fase espontânea, lúdica e telúrica do Tradicionalismo foi colocada uma canga disciplinadora, controladora, de obediência. Esse processo começou a ocorrer por volta de 1967, com a criação de um órgão centralizador. Ou seja, a fração militante conservadora do Tradicionalismo expressou a sua hegemonia na instituição do MTG como instrumento da Ditadura Militar. Nessa arreada, o Tradicionalismo transformou-se na "cultura oficial" do Rio Grande do Sul como expressão do poder e assumiu seu aspecto militantemente ideológico. Terminava qualquer inocência em seu interior.

A trilha sonora da tortura foi a música tradicionalista. Todo preposto da ditadura no Piratini teve um lacaio pilchado para servir o mate, assar o churrasco e animar a tertúlia. Cada quartel construiu seu galpão crioulo como eco desse tempo obscurantista, de tortura, de morte, de repressão e de controle popular, especialmente da alma e da sensibilidade.

Os "tradicionalistas" de alma castelhana (os subversivos estrangeiros), invariavelmente, foram proscritos.

IHU On-Line - O Manifesto contra o Tradicionalismo, do qual o senhor é um dos signatários, afirma que o Rio Grande do Sul é multicultural e que é ilegítimo e alienante todo movimento que impede e dificulta os desenvolvimentos culturais e estéticos. Reprimir os novos grupos da música popular gaúcha que se modernizaram e trouxeram novidades para dentro dos Centros de Tradições Gaúchas é, também, uma forma de dificultar o desenvolvimento de novas culturas e movimentos?

Tau Golin - Com o passar do tempo, o MTG conseguiu estabelecer um "cânone". Ao mesmo tempo em que oficializou procedimento, exerce uma vigilância e um controle nos aspectos artísticos e comportamentais. A motivação fundamental é o poder, o exercício e a demonstração de estabelecer o que pode, o que é "certo" ou "errado". Patrão tradicionalista é um ente da aparência, da pós-modernidade, tem que parecer-ser. No campo da moralidade, uma de suas bandeiras mais preconceituosas, com aqueles discursos mofados sobre a "família", do fio de bigode, do combate à opção sexual, é de uma hipocrisia vexatória. Ora, sabe-se que o seu próprio universo é formado pelas condições humanas; a rigor, esses discursos podem ser tapados pelo poncho tecido por suas folhas-corridas.

O núcleo fundamental do Tradicionalismo, do qual deve emanar o comportamento e a cultura, é a estância simbólica. A arte da elite era preferencialmente palaciana. Admitiam-se somente as expressões "aceitas". Na verdade, a oligarquia real era universal. O Tradicionalismo não é sequer uma extensão cultural da oligarquia, de cuja propriedade retirou seu ícone fundante. Ele é uma leitura equivocada, uma adoção ilusória de sua rusticidade. Sequer abagualada e xucra, pois isso poderia remeter para a insubmissão. Sequer o "gaúcho" possui um lugar na estrutura do CTG. Ali se encontram o peão, o agregado, o posteiro, o capataz, todas as figuras obedientes, atreladas ao mando da sede, do núcleo inquestionável do poder do patrão. Gaúcho remete à insubordinação, ao não confiável, à marginalidade, à ameaça à propriedade, ao comportamento incontrolável e, inclusive, abagaceirado.

IHU On-Line - Em suas pesquisas o senhor encontrou gaúchos que se utilizavam de adereços junto com a veste tradicional, algo que o MTG repreende e afirma ser algo apenas de uso feminino. Como o senhor vê essa "recriação" da tradição feita pelo MTG, sendo que a tradição e costumes eram diferentes? Por que o gaúcho que usa adereços é tão mal visto pelo MTG?

Tau Golin - O MTG é um movimento de defesa de uma moralidade conservadora, de uma idéia pastoril cristã de família. Tudo em sua volta se movimenta, cria novos comportamentos, novos modos de vida. Quase todo patrão ou tradicionalista possui filhos roqueiros, metaleiros, de opções alternativas, gostam e vivem de MPB, cultura latino-americana etc. Muitos tiram o brinco da orelha, desfazem as tranças, quando vão para o CTG. Outros negam a escolha dos pais. O tradicionalista é um ser fragmentado. Ele vive duas vidas. A real e a simbólica-militante, os espaços concretos e os da ritualidade. Ele vive em pesadelo constante. Entretanto, o fundamentalismo de muitos, invariavelmente, descamba na irresponsabilidade, inclusive com seus filhos. Sempre tem um piquete de estúpidos para agredir pessoas "fora do padrão", para achar que brinco ou outro adereço é coisa de "viado", de afeminado, alguém que precisa apanhar para aprender, o método da estupidez para converter à obediência – a chamada pedagogia da doma usada com animais.

Historicamente, os gaúchos usavam brincos, tranças, adoravam adereços, enfeitavam-se. Entre eles encontravam-se marinheiros e cavaleiros. Tinham diversas procedências e etnias. Trouxeram para a pampa, inclusive, muitos elementos da navegação. Na América, amestiçaram-se culturalmente, indianizaram-se e acaboclaram. Ainda hoje, na península ibérica e em outros lugares do mundo, quando você encontrar um navegador com um brinco de argola na orelha, comece a desconfiar que em sua frente pode estar um indivíduo admirável, que praticou uma travessia excepcional, que enfrentou mares tenebrosos. É por isso que, quase sempre, você vai encontrar brinco em orelha de "homem feito", alguém com muita experiência e valentia, o qual recebeu aquele "adereço" por merecimento. Muitos colonos que vieram para o Rio Grande do Sul procediam de regiões européias em que o brinco era "coisa de homem" e aqui o ostentaram.

Mas, como disse, CTG não é lugar de gaúcho; é lugar de patrão e peão, de gente obediente, conformada e militante da ordem, mesmo que o sistema trate o povo como gaúcho e excluído.

IHU On-Line - De que forma o manifesto pode mobilizar o MTG? Como está sendo a recepção dele por parte dos gaúchos?

Tau Golin - O manifesto defende princípios republicanos. Ele esclarece à população que o MTG é uma entidade privada, mas que, colocando-se como "cultura oficial", invadiu instituições, domina espaços do governo e possui reservas vitalícias nos órgãos públicos. Além disso, arrecada considerável verba pública para os seus eventos. Invadiu a escola para converter os alunos ao seu culto, quando a educação republicanamente é o espaço do saber, do estudo. É por isso que o manifesto postula por uma CPI na Assembléia Legislativa. Defende audiências públicas: no Conselho de Educação, para discutir pedagogicamente a falência da escola pública provocada pelo cetegismo; sobre a influência das diretoras-prendas nos planos de ensino e a patronagem sobre os professores, com o desejo de transformá-los em preposto de CTG; no Conselho de Cultura, onde existe a aprovação de enorme quantidade de projetos de lazer e turismo tradicionalista para captação de verbas pela LIC. Além da usurpação direta, o MTG tem diversos subterfúgios para sua arreada das verbas e espaços públicos.

Por essas questões, o manifesto é, em seu conjunto, a defesa da cidadania, da democracia, das relações republicanas e da liberdade cultural. No extremo, representa um movimento da ilustração contra o fundamentalismo. Sua intenção é não deixar que um movimento de caráter privado usurpe as esferas públicas e atropele o civismo, ocupe o imaginário e substitua as identidades pelo "tipo gauchesco clubístico citadino" e o "legitime" como modelo regional hierarquicamente superior às contribuições das demais etnias. O manifesto, de certa forma, é sucedâneo a uma enorme literatura e posturas públicas já conhecidas, e que vem conseguindo fortalecer as particularidades culturais inter-regionais, demonstrando que o MTG é um movimento militante ideológico-cultural, cada vez mais fundamentalista e intolerante, que procura converter-se em um poder dentro do Estado, invariavelmente pressionando, quando não elegendo governantes.

Muitas pessoas já se deram conta isso. Quase todas têm uma experiência para relatar. O próprio gauchismo tem procurado formas alternativas de associação, sem a necessidade de reproduzir a estrutura da estância escravocrata. Reúnem-se em piquetes, em centros de cultura gaúcha, em ciclos, em grupos etc. Cada vez é mais forte a percepção que tradicionalista não significa necessariamente gaúcho; e, muito menos, rio-grandense. Aliás, no mundo real da campanha, nas regiões de hábitos autênticos do povo concreto, mestiço, caboclo, interétnico etc., há um sentimento (e muitos o verbalizam) de que o tradicionalista, ao menos estilisticamente, é a carnavalização do gauchismo. Tem forte componente da indústria cultural, não necessita da experiência da territorialidade. Ele é uma agremiação estilística que, no seu limite, chega ao fundamentalismo. Escreveu alguns manuais encíclicos e pretende convertê-los em práticas litúrgicas da vida.

IHU On-Line - A cultura que o MTG defende é uma forma de retardar o desenvolvimento social do Estado?

Tau Golin - Sem dúvida. O "orgulho gaúcho" é completamente inútil para protagonizar a modernidade, apesar do próprio tradicionalista ser um ente pós-moderno, no sentido que postula uma identidade pela imagem e pelo culto ritualístico. A sua energia e militância, no entanto, cria um cenário dogmático. A população é inicializada cada vez mais cedo em seus rituais, na arregimentação de seu calendário de eventos, submergindo em uma cotidianidade cetegista escapista, numa incompreensão do mundo em que vive. Os espaços sociais são tensionados pela vontade aculturadora do tradicionalista militante, que luta para fazer do outro a sua projeção pilchada. Em sua catequese postula pilchar o Rio Grande e, no limite, o mundo. Atua em todas as esferas da existência, em especial, nas de formação de "consciência". Ele tem uma idéia de história baseada em heróis tutelares (em conseqüência, os heróis do estado, no geral, são senhores de escravos), tem uma concepção artística fechada, possui uma forma de religiosidade – o cristianismo pilchado e conservador. Na verdade, a missa crioula é uma ode ao mundo estancieiro. A propriedade foi sacralizada. O latifúndio, por sua extensão, é ressignificando como a "estância do Céu"; Deus, como o "Patrão celestial"; São Pedro, como o "capataz"; Jesus Cristo, como o "tropeiro" que andou pela terra mangueirando o rebanho; e, Nossa Senhora, como a "prenda" disso tudo.

No conjunto, pode-se dizer que o MTG fortalece o dogmatismo. Essa "dureza" de pensamento se evidencia na sala de aula, na política, na cultura. Não existe nada pior do que o ignorante com "certezas" imutáveis. Praticamente é um insensível com o outro. O mundo é uma pirâmide, com o patrão no topo; e ele, psicologicamente, junto... O fundamentalismo é uma totalidade. No seu último congresso, o MTG adotou o projeto de fundar as suas próprias escolas de ensino fundamental e médio, além de uma universidade. É simplesmente assustador para a vida republicana.

IHU On-Line - O senhor acha que o MTG vive ainda como se estivéssemos sob o regime militar?

Tau Golin - Ele é o herdeiro de uma ordem ditatorial e transformou-se no desaguadouro do pensamento e das práticas de caserna. Digamos que existe uma disputa constante no interior do Tradicionalismo, porém o dogmatismo, o positivismo desilustrado e o espírito de caserna são hegemônicos e derrotou completamente aquele espírito paisano, de sociedade civil, que ainda se encontra no seu interior. Hoje, o MTG, ao menos no Rio Grande do Sul, possui um forte impulso militaresco; as pilchas já não são mais expressões da vestimenta civil, pois os CTGs andam uniformizados; e os piquetes parecem grupos militares ou de milicianos, invariavelmente ocorrendo escaramuças entre eles, em disputas inócuas, mas de intensa mobilização.

IHU On-Line - O gaúcho, mesmo o que não tem forte ligação com o movimento tradicionalista, comemora veementemente uma guerra que perdeu, a Guerra dos Farrapos. Como o senhor vê esse tipo de cultura inserida em nossa história?

Tau Golin - A Revolução Farroupilha é muito mais complexa e interessante do que as versões consagradas pelo Tradicionalismo. A noção dominante foi criada pelo movimento republicano na campanha contra a monarquia. Na luta pela proclamação da República, os farrapos foram usados como "exemplo" de um pretenso passado republicano. O autoritarismo castilhista colocou-se, por fim, como herdeiro dessa tradição, e, por meio da difusão educacional, disseminou-se a falsa visão de que os farrapos eram republicados e que o povo lutou ao seu lado contra o Império. Essa visão foi retomada no grande evento de 1935, comemorando o seu centenário. Na década seguinte, a primeira geração de tradicionalista escolheu entre os caudilhos farroupilhas os seus heróis e os disseminaram como lumes tutelares do Rio Grande, homens exemplares a serem seguidos.

Entretanto, com o desenvolvimento dos estudos históricos, comprovou-se que os farroupilhas constituíam três frações diferentes e, muitas vezes, antagônicas; não eram republicados, exceto uma minoria com idéias ainda muito vagas. A fração militar e majoritária, liderada por Bento Gonçalves era monarquista. Além disso, a maioria dos proprietários, inclusive os da terra, e o povo rio-grandense lutaram pelo Império, pela brasilidade. Ou seja, nunca houve um levante do Rio Grande do Sul contra o Império. Na verdade, o que ocorreu foi uma guerra civil; e, nela, os farrapos eram minoria e, além de tudo, não eram republicanos. A tão cantada República Rio-Grandense vivia quase sempre sobre carretas e em povoações ocupadas temporariamente.

Contra a historiografia universitária, o Tradicionalismo e a imprensa consagram uma ilusão, uma impossibilidade de conhecer o passado em sua riqueza e complexidade.

IHU On-Line - O manifesto pode, ou deseja, unir forçar e formar um novo movimento baseado na verdadeira história étnica e cultural do Rio Grande do Sul e, com isso, aceitar a inserção de novas culturas dentro dessa história?

Tau Golin - O manifesto é um texto de reflexão e denúncia. Seu núcleo elaborador não tem caráter militante. Ele se refere a uma violação da vida republicana pelo Tradicionalismo. Portanto, diz respeito às instituições do Estado e da sociedade civil. Do ponto de vista cultural e educacional, indica as implicações que a hegemonia e a influência do MTG possui nessas esferas, a sua forma seletiva, normatizadora, e excludente de elementos constitutivos da historicidade rio-grandense, além de pretender controlar a liberdade artística. Acima de tudo, o manifesto demonstra como um movimento de interesse particular, em um viés fundamentalista pilchado, opera no Rio Grande do Sul, selecionando, consagrando e reconhecendo as manifestações que comungam com sua visão de história, de cultura; e faz um alerta máximo: a destruição do patrimônio rio-grandense. Em suma, o manifesto condena a militância do Tradicionalismo para tutelar o povo, demonstrando a insustentabilidade histórica de sua pretensão usurpadora, ao mesmo tempo em que defende um processo de inclusão na historiografia e na cultura de participação e representação republicana de todos os segmentos sociais.

Em suma, o MTG é um problema contemporâneo e não da história.

Notas:
(1) Colégio Julio de Castilhos: Localizado em Porto Alegre, esta instituição de ensino é uma referência para a capital gaúcha. Conhecido como Julinho, a entidade formou autoridades políticas e personalidades importantes para o Rio Grande do Sul.

(2) Cezimbra Jacques: Considerado o primeiro historiador santamariense. Foi professor do Colégio Militar de Porto Alegre e lutou na Guerra do Paraguai. Participou da criação da primeira academia de letras do Rio Grande do Sul e foi um dos fundadores do Partido Republicano do Estado. Criou Grâmio Gaúcho de Porto Alegre, considerada entidade precursora da cultura gaúcha. É autor de "Ensaio sobre os costumes do Rio Grande do Sul" e "Assuntos do Rio Grande do Sul", entre outros.

(3) Paixão Cortês: Formado em agronomia, o folclorista é um dos personagens mais importantes do movimento tradicionalista gaúcho, o MTG. Em 1947, junto de Barbosa Lessa inicia uma pesquisa para recuperar traços de cultura local. Foi o modelo inspirador para a estátua do Laçador, em Porto Alegre.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Feitor do capitalismo cruel

Escrito por Léo Lince
20-Set-2007

O presidente Lula é um pragmático do poder. Como tal, ele navega com desenvoltura no papel de governante mascate, inteiramente afinado com a lógica do horror econômico que, de algum tempo até esta parte, controla as alavancas do poder mundial. Pode ser vaiado em estádios de futebol, mas em platéia de banqueiros o aplauso é certo.

Na recente temporada européia, ele fez questão de reafirmar orgulhoso o seu empirismo radical (não se governa com princípios), ao mesmo tempo em que se ofereceu como artífice da subordinação da economia brasileira aos apetites mais destrutivos do modelo dominante no mundo dos negócios. A natureza e o mundo do trabalho que se cuidem, pois vem mais chumbo grosso.

Exemplo? Perguntado, durante encontro com empresários espanhóis, sobre as condições desumanas do trabalho dos cortadores de cana no Brasil, ele reagiu perguntando se o corte de cana seria mais “penoso” que trabalhar numa mina de carvão. O combustível que alimentou na Revolução Industrial o impulso primitivo do capitalismo, sem dúvida, foi produzido nas condições da mais brutal exploração do trabalho humano e de agressão à natureza. A julgar pelas notícias sobre os mortos por exaustão no inferno verde das plantações de cana de São Paulo, o etanol se candidata a repetir no século 21 a mesma trajetória de horrores.

Segundo o historiador Jacob Gorender a comparação feita pelo presidente “foi extremamente infeliz e injusta, não é digna de um líder de origem operária como ele”. No entanto, mais do que infeliz e injusta, o que a comparação tem de terrível é o seu caráter revelador. Nela, a brutalidade da exploração do trabalhador e a agressão ao meio ambiente aparecem como “destino”, fatalidade natural, e não como escolha política a partir de uma determinada correlação de forças sociais.

A bestial brutalidade da acumulação primitiva, que espantou o mundo e gerou reações como a “lei dos pobres” na Inglaterra, seguida de outras propostas que marcaram o processo civilizatório (filantropia social, sindicalismo, caixas de ajuda mútua, solidarismo cristão, estado de bem estar social, socialismo), retorna com força total no globalitarismo financeiro. Liberta dos inconvenientes do controle social, a essência destrutiva que sempre habitou o cerne do capital é a catástrofe que nos ameaça.

E o presidente mascate, esquecido do seu tempo de retirante, se apresenta para cumprir o papel que lhe cabe na engrenagem infernal. No carvão ou na cana, para não atrapalhar o fluxo dos negócios, o destino do trabalhador, no século 18 ou no 21, é comer o pão que o diabo amassou. É um imperativo categórico para o crescimento, coisa natural e inevitável, a prática que agride o meio ambiente e esfola o trabalhador. Ao governante, como pensa o presidente mascate, resta o papel de apertar as alças do garrote vil.

Alguns estudiosos de outros tempos sombrios, aqueles dominados pela vigência direta do trabalho escravo, lançam luz sobre um aspecto curioso das relações de poder no interior do mecanismo de exploração do trabalho. O feitor mais eficaz, aquele que com mais desenvoltura acionava o chicote, era o ex-escravo. Mudou de lado e, por isso mesmo, está sempre obrigado a renovar as provas de sintonia fina com o senhor. O raciocínio, infelizmente, se aplica ao caso em pauta: o presidente mascate é um feitor do capitalismo cruel.

Léo Lince é sociólogo.

Por que Zurdo?

O nome do blog foi inspirado no filme Zurdo de Carlos Salcés, uma película mexicana extraordinária.


Zurdo em espanhol que dizer: esquerda, mão esquerda.
E este blog significa uma postura alternativa as oficiais, as institucionais. Aqui postaremos diversos assuntos como política, cultura, história, filosofia, humor... relacionadas a realidades sem tergiversações como é costume na mídia tradicional.
Teremos uma postura radical diante dos fatos procurando estimular o pensamento crítico. Além da opinião, elabora-se a realidade desvendando os verdadeiros interesses que estão em disputa na sociedade.

Vos abraço com todo o fervor revolucionário

Raoul José Pinto



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  • Revolução Russa - L. Trotsky
  • Sete ensaios de interpretação da realidade peruana - José Carlos Mariátegui/ Editora Expressão Popular
  • Sobre a Ditadura do Proletariado - Étienne Balibar
  • Sobre a evolução do conceito de campesinato - Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina

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  • A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
  • A Espera dos Bárbaros - J.M. Coetzee
  • A hora da estrela - Clarice Lispector
  • A Leste do Éden - John Steinbeck,
  • A Mãe, MÁXIMO GORKI
  • A Peste - Albert Camus
  • A Revolução do Bichos - George Orwell
  • Admirável Mundo Novo - ALDOUS HUXLEY
  • Ainda é Tempo de Viver - Roger Garaud
  • Aleph - Jorge Luis Borges
  • As cartas do Pe. Antônio Veira
  • As Minhas Universidades, MÁXIMO GORKI
  • Assim foi temperado o aço - Nikolai Ostrovski
  • Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez
  • Contos - Jack London
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  • O amor nos tempos do cólera - Gabriel García Márquez
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  • Por Quem os Sinos Dobram - ERNEST HEMINGWAY
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  • A Guerra de Guerrilhas - Comandante Che Guevara
  • A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde - Omar Cabezas
  • Da guerrilha ao socialismo – a Revolução Cubana - Florestan Fernandes
  • EZLN – Passos de uma rebeldia - Emilio Gennari
  • Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971; Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá
  • O Diário do Che na Bolívia
  • PODER E CONTRAPODER NA AMÉRICA LATINA Autor: FLORESTAN FERNANDES
  • Rebelde – testemunho de um combatente - Fernando Vecino Alegret

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  • Abordagens e concepções de território - Marcos Aurélio Saquet
  • Campesinato e territórios em disputa - Eliane Tomiasi Paulino, João Edmilson Fabrini (organizadores)
  • Cidade e Campo - relações e contradições entre urbano e rural - Maria Encarnação Beltrão Sposito e Arthur Magon Whitacker (orgs)
  • Cidades Médias - produção do espaço urbano e regional - Eliseu Savério Sposito, M. Encarnação Beltrão Sposito, Oscar Sobarzo (orgs)
  • Cidades Médias: espaços em transição - Maria Encarnação Beltrão Spósito (org.)
  • Geografia Agrária - teoria e poder - Bernardo Mançano Fernandes, Marta Inez Medeiros Marques, Júlio César Suzuki (orgs.)
  • Geomorfologia - aplicações e metodologias - João Osvaldo Rodrigues Nunes e Paulo César Rocha
  • Indústria, ordenamento do território e transportes - a contribuição de André Fischer. Organizadores: Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Eliseu Savério Spósito
  • Questões territoriais na América Latina - Amalia Inés Geraiges de Lemos, Mónica Arroyo e María Laura Silveira