sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O fim da concessão

Altamiro Borges

O dia 5 de outubro terá enorme significado para todos os que lutam contra a ditadura da mídia no país e pela democratização dos meios de comunicação. Nesta data vence o prazo das concessões públicas de várias emissoras privadas da televisão brasileira, entre elas de cinco transmissoras da Rede Globo – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte. A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que reúne as principais entidades populares e sindicais do país, já decidiu aproveitar o simbolismo desta data para realizar manifestações em todo o país contra as ilegalidades existentes no processo de concessão e renovação das outorgas de televisão no Brasil.

De acordo com a Constituição de 1988, a concessão pública de TV tem validade de 15 anos. Para que ela seja renovada, o governo precisa encaminhar pedido ao Senado, que pode aprová-lo com o voto de 3/5 dos senadores. No caso de rejeição, a votação é mais difícil. A proposta do governo deve ser submetida ao Congresso Nacional, que pode acatar a não renovação da concessão da emissora com os votos de 2/5 dos deputados e senadores. Antes da Constituição de 1988, esta decisão cabia exclusivamente ao governo federal. A medida democratizante, porém, não superou a verdadeira “caixa-preta” vigente neste processo, sempre feito na surdina e sem transparência.

Baixarias e lixo importado

Como explica o professor e jornalista Hamilton Octávio de Souza, “os processos de concessão e de renovação têm conseguido, ao longo das últimas décadas, uma tramitação silenciosa e aparentemente tranqüila, com acertos apenas nos bastidores – especialmente porque muitos dos deputados e senadores também são concessionários públicos da radiodifusão, sócios e afiliados das grandes redes e defendem o controle do sistema de comunicação nas mãos de empresários conservadores e das oligarquias e caciques políticos regionais – os novos ‘coronéis’ eletrônicos”. Na prática, Executivo e Legislativo não levam em conta nem as próprias normas constitucionais.
Entre outros itens, a Constituição de 1988 proíbe a monopolização neste setor, mas as principais redes atuam como poderosos oligopólios privados. Além disso, exige que a comunicação social promova a produção da cultura nacional e regional e a difusão da produção independente, mas as redes – em especial a Globo – impõem uma programação centralizada e importada da indústria cultural estrangeira. Ela também exige que a TV tenha finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, mas as emissoras produzem e veiculam programas que não atendem esse preceito constitucional. “Elas despejam em cima da população programas de baixaria e o lixo importado, que nada têm a ver com a identidade, os valores e a cultura nacional”, observa Hamilton.

Manipulação e deformação da sociedade
Além de deformar comportamentos, com efeitos danosos na psicologia social, a mídia é hoje um instrumento político a serviço dos interesses das corporações capitalistas. Como decorrência do intenso processo de monopolização do setor, ela se tornou um verdadeiro “partido do capital”, conforme a clássica síntese do intelectual italiano Antonio Gramsci. Ela manipula informações, utilizando requintadas técnicas de edição, com o intento de satanizar seus inimigos de classe e endeusar os aliados. A defesa do “caçador de marajás” Fernando Collor, a cumplicidade diante dos crimes de FHC e a oposição ferrenha ao governo Lula confirmam esta brutal manipulação.
Estas e outras aberrações da mídia – monopolizada, desnacionalizada e manipuladora – ficaram patentes no ano passado. Vários institutos independentes de pesquisa provaram que a cobertura da sucessão presidencial foi distorcida, “partidarizada”. O livro “A mídia nas eleições de 2006”, organizado pelo professor Venício de Lima, apresenta tabelas demonstrando que ela beneficiou o candidato da direita liberal, Geraldo Alckmin, ao editar três vezes mais notícias negativas contra o candidato Lula. “A grave crise política de 2005 e a eleição presidencial de 2006 marcam uma ruptura na relação histórica entre a grande mídia e a política eleitoral no Brasil”, afirma Venício.

Tentativa de golpe na eleição
Neste violento processo de manipulação caiu a máscara da TV Globo – que até então ainda iludia alguns ingênuos, inclusive no interior do governo Lula. A sua cobertura na reta final das eleições foi decisiva para levar o pleito ao segundo turno. Conforme demonstrou histórica reportagem da revista Carta Capital, uma operação foi montada entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e a equipe da Rede Globo para criar um factóide político na véspera do primeiro turno. Após vazar ilegalmente fotos do dinheiro apreendido na tentativa desastrada de compra do dossiê da “máfia das sanguessugas”, que incriminava o partido de Geraldo Alckmin, o policial corrupto ordenou que a difusão das imagens fosse feita no Jornal Nacional da noite anterior ao pleito.
A criminosa negociação foi gravada, mas a TV Globo preferiu ocultá-la. Além disso, escondeu o trágico acidente com o avião da Gol para não ofuscar sua operação contra o candidato Lula. Para Marcos Coimbra, diretor do instituto de pesquisas Vox Populi, a solerte manipulação desnorteou todas as sondagens eleitorais, que davam a folgada vitória de Lula, o que evitou sua reeleição já no primeiro turno. “Os eleitores brasileiros foram votar no dia 1º de outubro sob um bombardeio que nunca tinha visto, nem mesmo em 1989... Em nossa experiência eleitoral, não tínhamos visto nada parecido em matéria de interferência da mídia”, garante o veterano Coimbra.

Um debate estratégico

Diante deste e de tantos outros fatos tenebrosos, que aviltam a democracia e mancham a história do próprio jornalismo, ficam as perguntas: é justa a renovação da concessão pública da poderosa TV Globo? Ela ajuda a formar ou a deformar a sociedade brasileira? Ela informa ou manipula as informações? Ela atende os preceitos constitucionais que proíbe o monopólio da mídia e exige que a comunicação social promova a produção da cultura nacional e regional e a difusão da produção independente e que tenha finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas? Estas e outras questões estarão em debate nas semanas que antecedem o simbólico 5 de outubro.

À CMS caberá levar esta discussão estratégica às suas bases. Já o governo e o parlamento, que devem zelar pela Constituição, não poderão ficar omissos diante deste tema. “Antes de propor a renovação automática da concessão, os órgãos de governo deveriam proceder à análise cuidadosa dos serviços prestados, com a devida divulgação para a sociedade. Antes de votar novos períodos de concessão, o Senado Federal deveria, em primeiro lugar, estabelecer o impedimento ético aos parlamentares envolvidos com a radiodifusão e, em segundo lugar, só aprovar a renovação que esteja de acordo com a Constituição, a começar pelo fim do oligopólio – já que o objetivo maior deve ser o da democratização da comunicação social”, pondera o professor Hamilton de Souza.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).

“Populista”















O homem da foto abaixo é o engenheiro Max Luque, um cliente de Guayaquil. Vim à maior cidade equatoriana para me reunir com ele, principalmente.













Como fiz na Venezuela, estou perguntando aos equatorianos o que pensam do governo federal. As respostas são iguais em todos os países em que a esquerda está governando. Quem não gosta do governo, nesses países, diz que ele seria “populista”. Meu cliente, portanto, quando perguntei o que o governo mudou, para melhor ou pior, em sua vida, também sacou o “populista” da algibeira.

-- Mas o que foi que mudou, para melhor ou para pior em sua vida, depois que Correa chegou ao poder?

-- Em minha vida mesmo, nada. Mas ele briga com o Bush e os americanos compram uns 60% de tudo o que o Equador exporta. Não podemos brigar com ele.

-- Mas depois que Correa xingou Bush, caíram as importações americanas?

-- Não, mas...

-- E você acha que Bush faz um bom governo?

-- De jeito nenhum. É um filho da puta. O que ele fez no Iraque...

-- Será que Correa não tem alguma razão, então ?

-- Ah, sim, isso tem...

-- Mas você diz que ele é “populista”. Por que?

-- Ah, ele dobrou o valor do “bono” que o governo paga aos pobres; antes, o governo pagava 13 dólares, e agora, paga 30.

-- Só isso que Correa fez?

-- Bem, ele também aumentou muito, de fato, os gastos com saúde e educação. Ah, e baixou o preço da energia elétrica... Humm, e também do transporte público. Sabe como é, ele é populista.

-- Sei... Mas os outros, que não eram populistas, como aquele Gutierrez, que teve que fugir para o Brasil, eram melhores?

-- Não, claro que não. Eu não disse isso.

-- Mas se Correa é populista, quem foi bom governante?

-- Não... Bem... Ele até que está fazendo coisas boas para os mais pobres, mas é porque é populista.

-- Está prejudicando seus negócios, sua vida? Alguma coisa piorou para você?

-- Ainda não, mas vai piorar...

-- Como você sabe?

-- Ah, hoje tem um editorial no “El Comercio” que explica muito bem isso...

-- O que diz o editorial?

-- Ah, bem... Mostra como Correa é...

-- Populista?

-- É, é isso.

-- Pelo que entendi, Max, populista é o governante que dá aos pobres o que os não-populistas nunca deram. É isso?

-- É, bem, Correa tem uma chance boa, histórica, é verdade. Agora, com a constituinte, se ele souber aproveitar essa chance...

-- Mas você e o “El Comercio” não querem lhe dar chance nenhuma porque ele é... Como é mesmo que você diz?

-- populista...



Escrito por Eduardo Guimarães às 23h03

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Abrir a “caixa preta” das comunicações no Brasil

por jpereiraÚltima modificação 03/10/2007 12:39

Campanha dos movimentos sociais defende participação da sociedade civil no debate da renovação das concessões de rádio e TV

Campanha dos movimentos sociais defende participação da sociedade civil no debate da renovação das concessões de rádio e TV


04/10/2007


Mayrá Lima,

de Brasília (DF)


O dia 5 de outubro de 2007 é uma data emblemática. Depois de 15 anos, vence o prazo de concessão de várias emissoras privadas de televisão no País como as cinco retransmissoras da Rede Globo (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Belo Horizonte), Band, Record, Gazeta, entre outras. A data foi escolhida pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), organização que reúne os principais movimentos populares e sindicais do País, para o lançamento da “Campanha por democracia e transparência nas concessões de rádio e TV”. Estão previstas mobilizações em 11 capitais brasileiras.

A iniciativa, sob o mote “Concessões de rádio e TV: quem manda é você”, pretende denunciar as irregularidades dos processos de renovação das outorgas de exploração de serviço de radiodifusão, que desrespeitam o caráter público das concessões de rádio e TV. No mesmo dia das mobilizações, serão entregues ao Ministério Público Federal representações contra emissoras que veiculam publicidade 24 horas por dia – o que desrespeita a legislação. Também serão encaminhados ao Ministério das Comunicações pedidos de informação sobre as emissoras com outorgas vencidas.

A questão não se resume às concessões que vão vencer. Hoje, diversas emissoras de rádio e TV funcionam com a outorga expiradas e contam com o consentimento do poder público. O Ministério das Comunicações faz mais do que vistas grossas e trata a informação como sigilosa. No início de 2007, retirou de sua página na internet a listagem que relacionava prazos de vencimento dos concessionários da rádio e TV (Governo sonega informações sobre os donos da mídia). A falta de fiscalização por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) facilita a prática irregular dessas emissoras. O que favorece as cerca de oito famílias que hegemonizam as comunicações no Brasil configurando um oligopólio poderoso na formação de opinião da população brasileira.

Democratizar a mídia

Os movimentos sociais que compõem a CMS avaliam que há uma “caixa-preta” a ser desvendada em todo o processo de renovação. De acordo com Rosana Berttoti, diretora de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), esta é uma pauta estratégica para os movimentos sociais. “A forma com que a mídia criminaliza os movimentos sociais fez com que nós encampássemos esse debate das concessões para que pudéssemos discutir que rádio e televisão no Brasil é concessão pública, logo precisa ser tratada como tal”, explicou (Emissoras se apropriam de um bem público para fins privados).

A reivindicação central da CMS é por um novo marco regulatório para as comunicações. A proposta é que sejam contemplados mecanismos de participação da sociedade civil na hora de se conceder um canal de TV ou uma potência de rádio. “É preciso que se tenham critérios de participação na hora de conceder e um processo de avaliação durante (o tempo de vigência), ou seja, que sejam respeitados os movimentos sociais, as mulheres, os negros, das minorias”, disse Rosana (Campanha pede democracia nas concessões de rádio e TV). O processo de renovação de outorga de concessão ocorre a cada 15 anos, no caso da TV, e a cada 10 anos no caso de rádios.


Discurso conservador

A maior dificuldade dos movimentos sociais é se contrapor à ladainha do medo, entoada pelos grupos empresariais, de que cobrar critérios para a renovação de concessão é uma “discussão autoritária” ou uma “ameaça à democracia”. A retórica dos oligopólios, no entanto, não se sustenta à luz da própria Constituição que determina ao Poder Executivo a competência de renovar e outorgar uma concessão. Mesmo assim, as empresas elaboram um discurso pelo qual se apropriam de um serviço público – o de radiodifusão – e rejeitam a participação da sociedade na definição daquilo que a compete, em uma democracia: a definição nos destinos do que pertence, justamente, ao povo.

“Isto não é, nem nunca foi, uma democracia. Isso se chama oligarquia. As concessões não deveriam ser dadas por órgãos estatais, mas por um órgão de majoritária participação popular. O Conselho de Comunicação Social deveria ser um órgão de Estado, mas com participação popular e poder de dar ou negar as concessões”, disse o jurista Fábio Konder Comparato.

Para Comparato, é preciso estabelecer uma série de controles para que o interesse público seja respeitado na ótica dos direitos humanos. “O Ministério Público deveria atuar sobre programas de rádio e televisão racistas. É preciso criar ouvidorias populares sobre a rádio e televisão. Os ouvidores deveriam ser eleitos e não ter nenhuma ligação com o poder Executivo. É preciso que os órgãos de comunicação de massa sejam democratizados, o que significa que não podem ser propriedade de empresas particulares”, defendeu o jurista.

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Veja o Site Oficial da Campanha da Campanha "Concessões: Quem Manda é Você"

Antecedentes históricos da transformação sociopolítica de Cuba[1]

Sérgio Cervantes*

Cuba foi a última colônia da Espanha na América Latina e hoje é o primeiro país socialista neste hemisfério. Para cumprir este destino histórico singular, nossa pátria venceu obstáculos que pareciam intransponíveis.

A formação sociopolítica de Cuba resulta de diversos fatores internos e externos, ocorridos durante o grande período de tempo desde a época colonial espanhola até a norte-americana, que se estabeleceu depois da guerra pela independência cubana que foi boicotada e continuou com o triunfo da Revolução e do modelo socialista que estamos desenvolvendo sob a direção do nosso Comandante-em-Chefe, Fidel Castro Ruz.

Os fatores internos presentes naquele momento histórico, como o crescente grau de exploração colonialista que a Espanha exercia sobre Cuba; a histórica e imperiosa necessidade de abolir a escravidão; o crescimento e o desenvolvimento do sentimento nacional autônomo; assim como a maturidade patriótica, ajudaram a compreender a importância de desencadear a revolução anticolonial para libertar a Pátria.

Influenciaram também alguns elementos externos da realidade sócio-econômica insular, que se mostraram determinantes na hora de iniciar a preparação da revolta de 10 de outubro de 1868, dia em que começou a contenda dirigida pelo Pai da Pátria, Carlos Manuel de Céspedes.

A América Latina e a Revolução Cubana da época

Foi uma preocupação constante da Revolução atrair as simpatias e a solidariedade do Continente, tanto dos povos como de seus respectivos governos, o que representava a possibilidade de divulgar a justeza do combate anticolonialista e garantir a possibilidade de obter recursos bélicos.

Entretanto a realidade continental não podia respaldar cabalmente as necessidades concretas dos mambises[2], já que o grau de desenvolvimento das forças produtivas latino-americanas era extremamente pobre. Mesmo quando a ajuda material dos povos irmãos não tinha a energia necessária, um grande êxito da revolução foi capitalizar a seu favor os sentimentos anti-hispânicos do Continente.

Os governos latino-americanos solidarizaram-se abertamente com a ação dos revolucionários cubanos. Desde abril de 1869 até setembro de 1871, o México, El Salvador, a Colômbia, a Venezuela, o Peru, a Bolívia, o Chile, o Brasil e logo a Guatemala tornaram público seu reconhecimento ao estado de beligerância em Cuba, o que equivalia a conseguir facilidades amplas para a causa da independência.

O interesse norte-americano por Cuba

A aspiração de anexar Cuba sempre foi o principal propósito dos dirigentes dos Estados Unidos, desde o início dessa república, manifestado em reiteradas ocasiões por distintos governantes e homens públicos, como a expressão lógica dos princípios do destino manifesto. Ainda que, na realidade, interessava-lhes que Cuba continuasse sendo espanhola até que passasse a ser norte-americana.

A intervenção norte-americana não introduziu um terceiro elemento nesta guerra, mas tão somente uma irregularidade na luta que se travava entre Espanha e Cuba que constituía a clássica batalha anticolonial, de caráter nacional-libertador, de onde se deriva seu nome de guerra hispano-cubana. Historicamente o que sucedeu foi que a esta guerra foi sobreposta outra guerra, aquela travada pelos Estados Unidos e Espanha, o primeiro para se apoderar e o segundo para permanecer em Cuba. Em outras palavras, um novo colonialismo que produziu a batalha histórica para retirar da arena cubana um velho colonialismo.

A primeira guerra da independência em 1868, embora tenha sido iniciada e liderada por patriotas cubanos que procediam de famílias ricas, teve o peso fundamental da batalha recaído sobre os setores mais modestos do povo, que em luta desigual e incomparavelmente heróica mantiveram a luta durante dez anos antes de caírem vencidos, mais devido à divisão e à intriga, do que pelas armas inimigas.

Foi então que Antonio Maceo, um homem surgido das alas mais humildes, rechaçando o cessar fogo e a paz sem independência, converteu-se em um símbolo do espírito e da indomável vontade de luta de nosso povo, ao representar o imortal Protesto de Barágua.

Em 1895, de novo os cubanos levantaram armas. Desta vez a luta fora preparada politicamente ao longo de vários anos, sob a liderança de José Martí, cujo gênio político atravessou as fronteiras de sua terra e sua época ao organizar um partido para dirigir a revolução. Esta idéia, que paralelamente desenvolvera também Lênin para levar a cabo a revolução socialista no velho império dos czares, é uma das mais admiráveis contribuições de Martí ao pensamento político.

Sem recursos, sem suprimentos e logística, com uma população de pouco mais de um milhão e meio de habitantes, o povo de Cuba lutou contra trezentos mil soldados coloniais. A Espanha era então uma das maiores potências militares da Europa.

Tomaram parte ativa na luta pela nossa independência cidadãos provenientes de outros povos irmãos, que vieram por sua própria conta para lutar pela liberdade da nossa pátria. Um símbolo de todos eles foi o ilustre dominicano Máximo Gómez, que alcançou a patente de General do nosso exército. Belas páginas de solidariedade foram escritas por estes homens nos campos de Cuba.

Após a derrota da Espanha, em 10 de dezembro de 1898, foi firmado o Tratado de Paris entre os representantes da rainha-regente da Espanha e o presidente dos EUA, no qual sem o conhecimento de Cuba ambos entraram em acordo de que a Espanha renunciaria a todos os direitos de soberania e propriedade sobre a ilha, além de retirar-se de lá. Temporariamente, Cuba seria ocupada pelos Estados Unidos. Em 1902, o país havia simplesmente mudado de dono. O glorioso Exército Libertador foi licenciado. Governos entreguistas e leoninos convênios econômicos foram impostos ao país.

A economia cresceu deformada e com absoluta dependência dos interesses norte-americanos. A mais incrível corrupção foi estabelecida como prática habitual na administração pública. As facções políticas a serviço dos interesses estrangeiros repartiam entre si os postos, benefícios e cargos públicos.

Todo o aparato de força, a administração, o Parlamento e o Poder Judiciário existiam unicamente para servir aos interesses dos monopolistas ianques, dos latifundiários e burgueses. A prostituição e o jogo floresciam por todas as partes. A discriminação racial foi acentuada com o domínio dos EUA. As crises econômicas capitalistas gravitavam no país com tremenda força, em cada caso os EUA faziam recair sobre Cuba seus piores efeitos. Nossa política exterior era faturada em Washington.

A tarefa de libertar a nação da dominação imperialista naquele momento se unia inevitavelmente à de libertar a exploração do homem pelo homem no seio da nossa sociedade. Ter compreendido isso foi, em nossa opinião, o maior mérito histórico de Baliño e Mella quando fundaram, com um punhado de homens, o primeiro Partido Marxista-Leninista de Cuba, em 1925.

Em combates heróicos de nosso povo contra a tirania machadista[3], na década de 1930, a nossa classe operária, dirigida pelos comunistas, jogou um papel relevante. O nosso esforço heróico daqueles anos rendeu frutos extraordinários à vida do nosso país.

A Emenda Latt foi abolida como resultado da luta enérgica de nosso povo nessa época.

Durante todo este período, até 1952, o cenário político-econômico se manteve da igual. Sem mostrar nenhuma mudança favorável aos setores marginalizados e mantendo a subordinação aos desígnios impostos pelos Estados Unidos.

Em 1952 ocorreu o fatídico golpe militar de 10 de março. Batista que havia saído do poder em 1944 levando consigo dezenas de milhões de pesos, deixara nos quartéis o mesmo exército mercenário que usufruindo de incontáveis benefícios o apoiou durante 11 anos. Este aparato de terror na mão dos opressores constituía um obstáculo extraordinário ao desenvolvimento político e social do país. Treinado e equipado pelos EUA, na opinião de muitos, aquele exército representava uma força invencível.

Os partidos e as lideranças tradicionais foram absolutamente incapazes de articular uma resistência à ditadura militar reacionária. Em meio a esta situação, a ideologia burguesa e pró-imperialista dominava o cenário político. O anticomunismo em pleno apogeu da guerra-fria marcava a tônica em todos os meios de comunicação de massa. Embora houvesse um destacamento abnegado e combativo de comunistas cubanos, a burguesia e o imperialismo conseguiram isolá-los politicamente.

Continuidade histórica da Revolução Cubana

Não há situação social e política, por mais complicada que pareça, sem que haja uma saída possível. Quando há condições objetivas para a revolução, certos fatores subjetivos podem jogar um papel importante nos acontecimentos. Ainda que isso não constitua um mérito particular dos homens que elaboraram uma estratégia revolucionária, sem dúvida ela se saiu vitoriosa.

Eles receberam a valiosa experiência de nossas lutas no terreno militar e político; inspiraram-se nas heróicas batalhas pela nossa independência, nutriram-se do pensamento político que orientou a revolução de 1895 e a doutrina revolucionária que alenta a luta social libertária dos tempos modernos, apoiando-se em sólidos pilares: o povo, a experiência histórica, os ensinamentos de José Martí, os princípios do marxismo-leninismo e uma apreciação correta daquilo que nas condições peculiares de Cuba podia e devia ser feito naquele momento.

Destas convicções e realidades históricas surgiu o ataque heróico ao Quartel Moncada, sem o qual não teria havido o desembarque do Iate Granma, a luta em Sierra Maestra e a vitória extraordinária em Primeiro de Janeiro de 1959. Da mesma forma, sem a epopéia de 1868 e 1895, Cuba não seria independente nem o primeiro país socialista das Américas, pelo contrário, com quase com toda a segurança, teria sido mais um Estado do odioso imperialismo ianque.

Todas as manobras imperialistas de última hora: golpe de Estado militar, governo provisório etc., foram destruídas. O imperialismo tinha que aplicá-las agora em uma nação latino-americana sem exército repressivo e com um povo armado. Isso significou o Primeiro de Janeiro de 1959. Aos 92 anos de La Demajagua, finalmente Cuba era dona absoluta de seu destino e as bandeiras dos heróis caídos em Moncada tremulavam vitoriosas em nossa pátria.

As principais medidas tomadas nos primeiros meses da Revolução tiveram o objetivo de castigar exemplarmente os principais responsáveis pelos crimes cometidos pela tirania de Batista, o que deu lugar a uma feroz campanha da imprensa imperialista contra a Revolução; confiscar imediatamente todos os bens mal havidos por funcionários do sangrento regime, o que ocorreu pela primeira vez na nossa história; dissolver o antigo exército que reprimira cruelmente o nosso povo; sanear a administração pública; erradicar a distribuição de cargos e a prática de receber salários sem desempenhar cargos; dissolver os partidos políticos que serviram à oposição; liquidar a direção dos sindicatos, corrompida e entreguista, restabelecendo os direitos dos trabalhadores; reintegrar a seus cargos os servidores despedidos; intervir na Companhia Cubana de Telefones, monopólio ianque implicado em negócios escusos com a tirania; diminuir na ordem de 50% os onerosos impostos pagos pelo povo; declarar que todas as praias do país passavam a ser públicas, suprimindo a exclusividade e a discriminação estabelecida pela burguesia; instalar a primeira Lei de Reforma Agrária; diminuir as tarifas elétricas; combater o desemprego e promover a melhoria das péssimas condições da educação e da saúde pública, com esse objetivo milhares de professores foram enviados às zonas rurais e numerosos hospitais começaram a ser construídos nos rincões mais distantes de nossos campos; iniciar o trabalho de erradicação dos bairros de indigentes.

Além da economia, todos os meios de divulgação massiva encontravam-se ainda nas mãos da burguesia e a nossa sociedade estava infestada de ideologia reacionária e anticomunista.

Na realidade, o povo adquiriu consciência socialista com o desenvolvimento da Revolução e a violenta luta de classes desencadeada, tanto no plano nacional quanto internacional. A luta de interesses do povo com seus opressores gerou a Revolução e a Revolução elevou esta luta a um nível ainda mais alto. E esta luta desenvolveu extraordinariamente a consciência das massas.

Paralelamente, os EUA centraram suas agressões no sentido de incrementar a migração de profissionais, técnicos, professores e milhares de médicos (dos 3.000 que existiam no país, ficaram apenas 1.500).

Estas ações podem ser consideradas como o último movimento anexionista encenado pelas classes reacionárias em Cuba. Entretanto, neste caso, para realizar seus próprios sonhos as pessoas aderiram ao império e não à pátria.

A defesa da Revolução e de seu caráter essencialmente socialista foi ontem, é hoje, e continuará sendo no futuro a prioridade principal do país, a qual se sustenta em nossa história de lutas. Não serão poupados esforços e recursos para fortalecer a defesa da Revolução e tornar realidade, se for necessário, os objetivos da concepção de A Guerra de todo o Povo.

O bloqueio norte-americano contra Cuba, realmente é uma guerra econômica que pode ser qualificada como um ato de genocídio, resultando no mais prolongado e cruel bloqueio que já se conheceu na história da humanidade. Nestes 48 anos, 7 em cada 10 cubanos nasceram e viveram sob o bloqueio, cujo dano econômico ao país supera a cifra de 86 milhões de dólares.

Depois do desaparecimento do Campo Socialista, com o qual Cuba mantinha 85% das suas relações comerciais com preços mutuamente benéficos, o PIB do nosso país chegou a cair 35% entre os anos 90 e 92, provocando a implantação do chamado Período Especial com o que nos propusemos a resistir, continuar o desenvolvimento e manter nosso projeto socialista.

O governo dos EUA se aproveitou, então, para recrudescer o bloqueio por meio da adição de leis mais agressivas, como a Torricelli e a Helms-Burton que passaram a conceder caráter extraterritorial à sua política de agressão, com o objetivo de acelerar a derrocada da nossa Revolução.

Em meio ao Plano Especial, derivado de uma análise e discussão popular, foram implantadas medidas que introduziram mudanças na economia controlada pelo Estado, assim como abertura ao turismo, a não-taxação do dólar e a possibilidade do trabalho por conta própria.

Nesta situação econômica tão complexa, muitos esperavam que a Revolução entrasse em colapso. Entretanto, nem uma só escola, nem um único hospital foram fechados e muito menos privatizados. Nem um único trabalhador foi abandonado à sua própria sorte. Graças à abnegação, resistência e lealdade do povo cubano à nossa Revolução, já a partir de 1994 começaram a ser registrados discretos crescimentos indicativos do processo de recuperação em marcha.

No ano de 2005, o crescimento do PIB foi de 11,8%. O ano passado, 2006, registrou um crescimento de 12,5%, depois que a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), aceitou publicamente a inclusão nos indicadores dos serviços de saúde e de educação que são gratuitos, mas financiados pelo Estado e possuem um valor mensurável em termos econômicos. Se estes elementos não fossem levados em conta no PIB, a economia cubana teria crescido 9,5% em 2006.

Inspirada em um pensamento de nosso herói nacional, José Martí, que diz: De pensamentos é a guerra que nos é feita. Vamos ganhá-la também em pensamentos, faz sete anos que se iniciou o que chamamos de Batalha de Idéias e que consiste em aprofundar e aperfeiçoar a obra da Revolução, por meio de 200 programas sociais desenvolvidos nas áreas de educação, saúde, segurança e assistência social, cultura, esportes e recreação.

Estudos realizados comprovam que nossos estudantes do nível primário aprendem 2,2 vezes mais matemática e 1,5 vez mais espanhol do que há quatro anos; em nível de ensino secundário se distribui as principais matérias de estudos por meio de vídeoclasses e outras formas por meio de dois canais de TV; a Universalização da Educação Superior possibilita cursar carreiras universitárias no próprio município onde o aluno reside, o que motivou a matrícula demais de 600 mil estudantes; o programa de Assistentes Sociais se estende por todo o país para dar atenção a crianças de até 15 anos que apresentem problemas nutricionais, jovens com problemas de conduta, crianças que padecem de enfermidades malignas, auxiliar pessoas da terceira idade, entre outros pontos; e a criação da Universidade de Ciências Informáticas onde ser graduam mas de seis mil jovens.

A Revolução Energética que acontece no país, começou a mostrar seus benefícios, sobressaindo à instalação de grupos geradores elétricos que funcionam com diesel e o início dos que trabalham com óleo combustível, assim como o maior peso alcançado na estrutura de geração de energia por grupos geradores elétricos e a gás.

Nosso Partido e Governo sempre deram a maior importância aos processos de integração entre os países da região, assim como ao desenvolvimento das relações mutuamente vantajosas de intercâmbio e colaboração.

A solidariedade esteve presente durante toda a construção da nossa Revolução, concebida não para dar o que nos sobra, mas para compartilhar com povos irmãos o pouco que temos.

No ano de 1999, foi criada a Escola Latino-americana de Medicina (ELAM), a qual conta com mais de 10 mil estudantes procedentes de 20 países. Durante a primeira graduação deste centro, formaram-se 1.497 jovens, dos quais 504 retornaram ao nosso país para cursar a especialidade em Medicina Geral Integral. No segundo ano de graduação, formaram-se 1.489 jovens. Foi criada também a Escola Internacional de Educação Física e Esportes, na qual estudam 944 jovens de 31 países. Em todos estes anos graduaram-se em Cuba, 12.900 jovens de 38 países, destes, 4.106 em nível médio e 8.974 em nível superior. Estudam em diferentes cursos 21.091 alunos provenientes de 17 países. Graduaram-se como Assistentes Sociais em cursos de curta duração 54.872 jovens, dos quais 1.208 são bolivianos e 53.664 venezuelanos.

O programa de alfabetização Sim, eu posso desenvolve-se atualmente em 15 países e, até o dia 29 de janeiro passado, havia alfabetizado 2.082.425 pessoas. Este programa recebeu recentemente um prêmio internacional da Unesco por sua eficiência e qualidade.

A Operação Milagres que consiste na realização de cirurgias a afetados por problemas visuais, fundamentalmente cataratas, beneficiou 88.988 pacientes de 13 países, 305.930 de Venezuela, 96.855 cubanos e 24.024 mil caribenhos de 14 países da região.

Atualmente prestam sua colaboração no exterior 36.460 especialistas cubanos distribuídos em mais de 31 países, dos quais 27 mil pertencem ao setor de saúde.

Há dois anos, quando o furacão Katrina assolou a região do Caribe e do sul dos EUA, foi criado o contingente Henry Revé (nome de um voluntário norte-americano que lutou na guerra de Cuba contra a Espanha e alcançou altas patentes militares em nosso exército) composto por cerca de 2 mil médicos e pessoal paramédico para auxiliar cidadãos das regiões afetadas. Depois que o governo dos EUA recusou-se a aceitar nossa ajuda médica, os integrantes do contingente permaneceram vários meses prestando assistência no Paquistão, país que foi duramente golpeado por um terremoto e na Malásia, após o Tsunami.

Com a mesma decisão e altruísmo, da mesma forma ao que fizemos quando demos nossa ajuda militar e a vida de nossos patriotas na luta contra a dominação colonial na Argélia, no Congo, em Guiné-Bissao, na Etiópia e em Angola, aonde participaram centenas de combatentes internacionalistas cubanos; agora continuamos nos esforçando para compartilhar com os povos irmãos da região os conhecimentos e recursos de que dispomos, os quais temos brindado sem qualquer mediação de interesses econômicos ou políticos, sem intervirmos em seus assuntos internos, respeitando suas tradições e culturas, convencidos de que o futuro da América Latina, do Caribe e dos países africanos, é a integração entre os povos.


[1] Tradução livre do espanhol por Maria Helena D’Eugenio.

[2] Mambise, termo utilizado para referir-se aos soldados que no Século XIX participaram das guerras pela independência de Cuba. (N.T.)

[3] General Machado Ventura, ex-presidente de Cuba (N.T.)




Sérgio Cervantes-Representante da Delegação do Partido Comunista de Cuba.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Che Guevara nas trilhas da revolução latino-americana


por Augusto Buonicore*


"Outra vez sob meus calcanhares o lombo de Rocinante, retomo o caminho com meu escudo no braço (...) Muitos dirão que sou aventureiro, eu sou de fato, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a pele para demonstrar suas verdades". Che Guevara - Trecho da carta endereçada aos seus pais, antes de partir para sua última trincheira na Bolívia


Há 40 anos, no dia 9 de outubro, morria o comandante Che Guevara. Tombou no seu posto de combate pela libertação econômica, política e social da América Latina. Mas quem foi Che Guevara? Qual sua contribuição à causa socialista? Tentaremos, sem grandes pretensões, encontrar algumas dessas respostas neste e no próximo artigo.

Nas décadas que se seguiram à sua trágica morte nas selvas bolivianas, Che foi perdendo sua substância e se transformando num ícone; na verdade, um dos maiores ícones da segunda metade do século 20. Seu rosto de guerrilheiro altivo foi estampado em camisetas, cartazes e pichações por todo o mundo. Se existe um lado positivo neste fenômeno, pois mantém viva a imagem de um dos maiores heróis latino-americanos; de outro, ele acaba acobertando as idéias e o projeto político pelo qual Guevara viveu e morreu: a libertação da América Latina do julgo imperialista, a conquista do socialismo e a construção do homem e da mulher novos.

O sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas. No entanto, a personalidade forte de Che não pode ser presa, capturada, na camisa de força do ícone, da marca, do mito.
Por isso, para compreender o verdadeiro Che, é preciso ir para além do ícone, além da marca, além do mito. Estes não têm sangue correndo nas veias, não são de carne e osso, não sentem fome ou frio. Eles não têm dúvidas ou medos, são fantasmas que não convivem com as malditas contradições cotidianas. Ao contrário dos ícones, os homens e mulheres de verdade, inclusive os mais revolucionários deles, padecem de todas essas vicissitudes humanas e Che foi, acima de tudo, um homem. Um homem do seu tempo.
O homem e seu destino
Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928 na Argentina. Filho de família de pequenos produtores rurais de erva-mate. Cresceu usufruindo a vida de um membro das classes médias sul-americanas. Mas, desde muito cedo, Ernesto sofreu com os seus problemas de saúde. Aos dois anos apareceu-lhe a asma, que o acompanhou, como um fantasma, durante toda sua vida, inclusive nos seus derradeiros dias nas selvas bolivianas.

Ironicamente, aquele que seria considerado o mais temido comandante guerrilheiro latino-americano, foi declarado inapto para o serviço militar no seu próprio país. Guevara, então, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires.

A doença, no entanto, não enfraqueceu o seu espírito indomável; pelo contrário, ela o impulsionou a ultrapassar todos os limites. Com 23 anos comprou uma motocicleta e, ao lado de um amigo, percorreu diversos países da América Latina. Em 1953 se formou em medicina e partiu novamente em outra aventura para conhecer mais e melhor seu sofrido continente. Passou pela Bolívia e depois seguiu para a Guatemala, onde havia um governo democrático e popular, dirigido por Jacobo Arbenz. Este havia expropriado as terras da poderosa empresa norte-americana United Fruit. Nesta ocasião Guevara comprou alguns livros marxistas e passou a estudá-los com afinco.

O jovem Guevara, que apoiava o governo, se alistou para trabalhar num programa de saúde entre a população indígena, mas foi obrigado a ficar num posto médico na capital guatemalteca. Em 18 de junho de 1954 o presidente Arbens foi derrubado do poder por mercenários apoiados pelos EUA. Guevara tentou organizar um grupo de jovens para resistir à invasão. Afirmaria mais tarde: "Na Guatemala era necessário lutar, porém quase ninguém lutou".

O jovem médico argentino, fichado como "perigoso comunista", foi incluído nas temidas "listas negras" dos condenados à morte e obrigado a se refugiar no consulado argentino. O novo governo conservador, servilmente, devolveu as terras nacionalizadas à United Fruit, retirou os direitos trabalhistas dos camponeses pobres, prendeu, torturou e assassinou vários militantes de esquerda.

Guevara extraiu deste trágico acontecimento as suas primeiras - e inesquecíveis - lições sobre a luta emancipacionista na América Latina. Ele concluiu que: 1º o imperialismo norte-americano era o principal inimigo dos povos; 2º a luta revolucionária seria o único meio para se conquistar um poder democrático, popular e socialista; 3º as burguesias nacionais já haviam esgotado o seu papel na luta revolucionária antiimperialista no continente.

Guevara passou dois meses asilado no consulado argentino e, então, seguiu com outros refugiados para o México. Ali entrou em contato com elementos da oposição cubana, ligados ao movimento "26 de julho", que o convidaram para participar dos planos para derrubada do ditador Fulgêncio Batista. Escreveu ele: "Falei com Fidel uma noite toda. E ao amanhecer já era o médico de sua futura expedição. Na realidade, depois de minhas caminhadas por toda América Latina e do arremate na Guatemala, não era necessário muito para incitar-me a entrar em qualquer revolução contra um tirano". Amarrava-se assim o destino do jovem médico argentino com o da revolução cubana.

Depois de um ano de preparativos, em novembro de 1956, 82 homens partiram para Cuba a bordo do Granma. Antes de chegar ao seu objetivo a expedição foi descoberta pelas forças armadas do ditador cubano e, após os duros combates, ficou reduzida a apenas 15 homens, que se refugiaram nas Sierra Maestra. Os poucos sobreviventes uniram-se aos camponeses pobres, que lhes serviram de base de apoio para o início da ação guerrilheira. Em pouco tempo Che assumiu o comando da 2ª coluna de guerrilheiros. No dia 1º de janeiro de 1959 as suas tropas conquistaram a cidade de Santa Clara e o ditador Batista fugiu de Cuba. Três dias depois os "barbudos" de Fidel entraram triunfantes em Havana e Guevara foi nomeado governador militar daquela província.

A revolução vitoriosa foi profundamente popular, assentada nos camponeses e nos trabalhadores urbanos, e cumpriu todos os seus compromissos. O governo revolucionário expropriou os latifúndios, muito deles pertencentes a companhias norte-americanas. Quando as refinarias norte-americanas localizadas em Cuba se recusaram a refinar petróleo vindo da URSS, o governo cubano as nacionalizou. Em represália, Washington suspendeu a compra de açúcar, visando sufocar a economia da ilha. A cada pressão dos norte-americanos, o governo cubano radicalizava ainda mais as suas posições antiimperialistas. A revolução foi rapidamente mudando seu caráter, de nacional-democrática passou a ser socialista.
Em abril de 1961 ocorreu a tentativa de invasão de Cuba por mercenários, pagos e apoiados pela CIA, na Bahia dos Porcos. As tropas invasoras foram destroçadas em poucas horas. Fidel rompeu definitivamente com os norte-americanos e se afirmou marxista-leninista.

Ainda neste ano Che representou Cuba na reunião da Organização dos Estados Americanos, ocorrida no Uruguai, que foi convocada especialmente para condenar o novo regime cubano e excluí-lo da organização. Neste conclave Guevara denunciou firmemente os planos do imperialismo contra à ilha e defendeu o governo de Fidel da acusação de estar tentando exportar a revolução para a América Latina. Declarou ele: "Não podemos deixar de exportar exemplos, como querem os Estados Unidos, porque o exemplo é algo espiritual que ultrapassa as fronteiras. O que damos de garantia é que não exportaremos a revolução, damos a garantia de que não se moverá um fuzil de Cuba, que não se moverá uma só arma de Cuba, para luta em nenhum outro país da América".
Continuou: "O que não podemos assegurar é que as idéias de Cuba deixem de implantar-se em algum outro país da América. O que asseguramos a esta Conferência é que, se não se tomarem medidas urgentes de prevenção social, o exemplo cubano penetrará nos povos e, então, aquela exclamação (...) de Fidel em 26 de julho e que foi interpretada como uma agressão, se tornará uma realidade. Fidel disse que se mantiveram as atuais condições sociais 'a cordilheira dos Andes será a Sierra Maestra da América'".

Na volta Guevara passou pelo Brasil e foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros. Poucos dias depois, sob forte pressão da direita, o presidente brasileiro renunciaria, abrindo uma crise política e militar que conduziu o país a beira de uma guerra civil.

Em outubro de 1962 aconteceu uma nova crise com os EUA. O governo norte-americano descobriu que Cuba possuía mísseis nucleares e passou a exigir que fossem imediatamente desmontados. Houve, então, uma nova ameaça de invasão e o mundo chegou bastante próximo de uma guerra nuclear. Os soviéticos recuaram e, unilateralmente, sem acordo com os cubanos, decidiram retirar os mísseis da ilha. Fidel e Guevara sentiram-se traídos pelos russos.

Em 1961 Guevara foi indicado para Ministro da Indústria. Defendeu uma industrialização mais rápida e a centralização maior da economia. Por suas posições entrou em conflito com os soviéticos que defendiam uma Cuba não-industrial que se concentrasse na produção de açúcar – numa espécie de divisão internacional do trabalho "socialista". Polemizou também em torno da predominância de incentivos materiais para o aumento da produtividade do trabalho e advogou a necessidade de uma emulação assentada fundamentalmente na ideologia socialista. Como ministro Guevara visitava as fábricas e canaviais e participava dos trabalhos manuais. Ele foi o principal incentivador do trabalho voluntário na produção, seguindo exemplo dos primeiros anos da revolução soviética. Os membros dos ministérios e das universidades, uma vez por semana, ajudavam no corte de cana ou exerciam outro tipo de trabalho, manual e produtivo. À frente deste esforço estava o ministro e presidente do Banco de Cuba, Ernesto Che Guevara.

Guevara valorizava muito o aspecto ideológico também na construção do chamado "homem novo", ou seja, de um novo humanismo socialista. Em "O que deve ser um jovem comunista", escreveu ele: "o que se coloca para todo jovem comunista é ser essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime do melhor dos humanos. Purificar o melhor do homem através do trabalho, do estudo, da prática da solidariedade contínua com o povo e com todos os povos do mundo; desenvolver o máximo de sensibilidade, até o ponto de sentir-se angustiado quando em algum canto do mundo um homem é assassinado e até o ponto de sentir-se entusiasmado quando em algum canto do mundo se levanta uma nova bandeira de liberdade".
Outras serras, outras trincheiras
No entanto, Che não se adaptou bem na função de Ministro de Estado e acabou pedindo para ser substituído no cargo A partir de 1964 tornou-se uma espécie de relações exteriores da revolução cubana, viajando para vários países da América Latina, África e Ásia. Em 1965, misteriosamente, desapareceu da vida pública e renunciou à todas suas responsabilidade junto ao governo e a direção do Partido Comunista Cubano. Isto era necessário tendo em vista o novo projeto revolucionário que ele iria se envolver.

Na sua carta de despedida à Fidel escreveu: "Outras serras do mundo requerem meus modestos esforços. Eu posso fazer aquilo que lhe é vedado devido à sua responsabilidade à frente de Cuba, e chegou a hora de nos separarmos (...) Declaro uma vez mais que eximo Cuba de qualquer responsabilidade, a não ser aquela que provém do seu exemplo. Se minha hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu último pensamento será para o povo e especialmente para ti, que te digo obrigado pelos teus ensinamentos e pelo teu exemplo, ao que tentarei ser fiel até às últimas conseqüências dos meus atos; que estive sempre identificado com a política externa da nossa revolução, e continuo a estar; que onde quer que me detenha sentirei a responsabilidade de ser revolucionário cubano, e como tal atuarei. Não lamento por nada deixar nada material para minha mulher e meus filhos. Estou feliz que seja assim. Nada peço para eles, pois o Estado os proverá com o suficiente para viver e para ter instrução". Esta carta é um veemente desmentido aos boatos que correram o mundo – e foram usadas pelos inimigos da revolução cubana - sobre um possível rompimento de relações entre os dois revolucionários cubanos.

Depois de participar de uma frustada tentativa revolucionária no Congo, ele partiu secretamente para a Bolívia. Este país foi escolhido por sua localização central, que, acreditava, permitiria estender o movimento guerrilheiro por todo continente latino-americano. Em março de 1967 o pequeno grupo guerrilheiro comandado por Che foi descoberta pelos órgãos de repressão. Num primeiro momento ele obteve algumas vitórias sobre o desorganizado exército boliviano, mas logo entraram em ação os "rangers", treinados pelos norte-americanos no Panamá, com o apoio de "técnico" da CIA.

A experiência da guerrilha boliviana revelou os equívocos de muitas das concepções político-militares defendidas pelo revolucionário cubano, entre elas: a afirmação de que já existiriam as condições objetivas para eclosão de uma revolução socialista em toda América Latina, cabendo apenas a ação enérgica de um pequeno grupo de revolucionários para que se constituíssem as condições subjetivas.

No início de outubro eram apenas 17 os guerrilheiros que permaneciam vivos ao lado de Che – um número maior do que o que se alojou na Sierra Maestra em 1956 -, mas as condições eram-lhes completamente adversas. A guerrilha atuou numa zona hostil, em condições bastante diferentes das existentes na serras cubanas. Os camponeses compunham uma massa ainda atrasada e que não tinha a tradição revolucionária dos camponeses cubanos. A principal força social de esquerda na Bolívia, os mineiros, havia sido esmagada pelo governo em junho de 1967. Esta era uma prova de que as revoluções não podem ser copiadas.

Nos seus últimos dias, Guevara escreveu: "Dia de angustia que em certo momento pareceu ser o nosso último dia (...) o exército está mostrando maior efetividade de ação, e a massa camponesa não nos ajuda em nada e se converte em delatores". Estes eram claros sinais que uma tragédia estava prestes a ocorrer. A situação exigia recuo, mas já era tarde demais.

No dia 8 de outubro de 1967 o pequeno grupo foi cercado e massacrado. Che acabou sendo ferido em combate e preso. No dia seguinte foi executado ilegalmente por ordens do governo do general Barrientos, que temia que um julgamento público pudesse se transformar num palanque para as idéias revolucionárias de Che. O corpo do comandante guerrilheiro foi enterrado clandestinamente e por mais de 30 anos o local permaneceu desconhecido.

Sobre o trágico desaparecimento de Che e as esperanças que ele semeou, cantou o poeta e compositor cubano Pablo Milanés: "Não porque caístes/ Tua luz é menos alta./ Um cavalo de fogo/ Sustenta a tua escultura guerrilheira/ Entre o vento e as nuvens destas serras./ Não porque foi calado és silêncio/ E não porque te queimaram,/ Porque te dissimularam sobre a terra,/ Porque te esconderam/ Em cemitérios, bosques e pântanos/ Vão impedir que te encontremos./ Che comandante, amigo".
Guevara na yuotube:
Fidel lê a carta de despedida de Che
http://www.youtube.com/watch?v=kQoXQYBBjnc&mode=related&search=
Fidel fala da morte de Che em 1967
http://www.youtube.com/watch?v=huvrR8FCJpU
Discurso em Santa Clara em 1961 – "Por que é a natureza do imperialismo que bestializa os homens"
http://www.youtube.com/watch?v=OfMvvGw4lIs&mode=related&search=
Belo discurso na ONU em 1964
http://www.youtube.com/watch?v=DO7yxx7Y81w&mode=related&search
Belo vídeo-clipe sobre Guevara
http://www.youtube.com/watch?v=O_QXOG1rDLs&mode=related&search
Bibliografia
Aquino, Rubim (e outros) História das Sociedades Americanas, Ed. Eu e você, RJ, 1981
Bandeira, Luiz Alberto Moniz – De Martí a Fidel, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1998.
Che Guevara, Coleção Grandes Cientistas sociais (organizado por Eder Sader), Ed. Àtica, SP, 1988.
Harnecker, Marta – Fidel, a estratégia política da vitória, Ed. Expressão Popular, SP, 2000

*Augusto Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela Unicam

Espaço da vida de realização humana plena?

Texto atualizado em 25 de Setembro de 2007 -

por Rosângela Ribeiro Gil *

Debate Sindical entrevistou mais um autor da Coleção Trabalho e Emancipação, da Editora Expressão Popular. Geraldo Augusto Pinto é professor do Centro de Educação e Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (CEL/Unioeste). Graduado em Sociologia e Ciência Política (2000), mestre (2003) e doutor (2007) em Sociologia, todos pela Unicamp, Augusto Pinto pesquisa, desde 2001, a gestão do trabalho na indústria automotiva. Foi a partir de sua pesquisa sobre o Mundo do Trabalho que nasceu o livro “A organização do trabalho no Século 20”, lançado recentemente pela Expressão Popular.

Debate Sindical – O senhor lançou, recentemente, o livro "A organização do trabalho no Século 20" pela Editora Expressão Popular. É uma organização ultrapassada?

Geraldo Augusto Pinto – É uma pergunta sintomática a sua. Indagar-se sobre o que é ou não ultrapassado, é quase uma obsessão das pessoas na atualidade. Mas não poderia ser diferente, mesmo, pois os discursos e as práticas imperantes no capitalismo primam pela efemeridade em todos os espaços da vida. O fato é que as contradições entre o antiquado que se veste de novo e vice-versa impedem a condensação de conceitos e nos joga numa interminável busca por respostas, muitas vezes infausta. Vivemos numa sociedade que se furta a enfrentar o “óbvio” e se satisfaz com metáforas que dão a sensação de mudança e mesmo de evolução, quando, no fundo, permanecemos os mesmos. Prova dessa paralisia é a necessidade de estar consumindo e descartando tudo freneticamente, desde bens até conceitos, uma repetição cujo ciclo só é possível, no curto prazo, pela transfiguração do velho no novo e vice-versa, indefinidamente. Bem, a organização do trabalho, tanto técnica quanto socialmente falando, dentro dessa lógica, desse tipo de sociedade, deve permanecer nessa condição de torpor pelo eterno “novo”, mesmo porque o trabalho é um espaço da vida onde a realização humana deveria ser plena e, como no capitalismo não é o que ocorre, tanto os empregados quanto os desempregados, os patrões e os sindicalistas, os gurus da administração e os pesquisadores das universidades, terminam forçando-se a suportar uma idéia de mudança.

Debate Sindical – Fordismo, taylorismo e toyotismo são formas de organização do trabalho. Elas ainda existem no Século 21?

Geraldo Augusto Pinto – Sim, estas três formas existem porque subsistem umas nas outras. Em termos gerais, a automação e as linhas seriadas de (Henry) Ford, do início do século XX, só foram realizáveis pelo automatismo imposto ao trabalho por (Frederick Winslow) Taylor, ainda nos fins do século XIX, mediante uma compilação de experiências de racionalização de ofícios industriais já em curso, uma velha disputa entre o conhecimento tácito dos trabalhadores e o controle gerencial nas empresas, em vias de monopolização. Taiichi Ohno, criador do sistema Toyota, depois da metade do século XX, não apenas manteve o cronômetro – embora não só nos postos individuais de trabalho, mas entre as empresas clientes e fornecedoras, através do just in time – como buscou introjetar nos trabalhadores um compromisso pessoal com as gerências, que só se tornou possível pelo estabelecimento de metas que estimulam o individualismo e o assédio moral nos ambientes de trabalho. Apesar de que, paradoxalmente, as gerências preguem o espírito de equipe e o diálogo nesse tipo de gestão, chamada “flexível”. Seja como for, para sermos breves, independentemente dos métodos de gestão e da maquinaria usada, captar a “iniciativa” (uma palavra de Taylor) dos assalariados, sempre foi e ainda é um objetivo no capitalismo, onde quer que ele esteja presente. Isso é o principal a ser visto, ao menos em minha opinião.

Debate Sindical – Em rápidas palavras, como o senhor define fordismo, taylorismo e toyotismo?

Geraldo Augusto Pinto – Eu diria que o taylorismo foi o resultado de um embate entre a classe trabalhadora e os gestores do capital dentro dos ambientes de trabalho nas empresas, após as revoluções industriais dos séculos XVII, XVIII e, em especial, durante a monopolização do capital no século XIX. Um processo longo e através do qual as gerências buscaram arrancar, de forma explícita, o conhecimento tácito dos trabalhadores sobre os ofícios que desempenhavam, para, depois de decompô-los e sintetizá-los em operações-padrão, impô-los dentro de normas que permitissem um controle mais acurado da extração da mais-valia nas jornadas, além de abrir a possibilidade de contar com uma ampla massa de trabalhadores sem qualificações especiais.

O fordismo abusou destes mesmos princípios, embora a cooptação dos trabalhadores que promoveu tenha sido ainda mais forte que as bonificações por produtividade oferecidas por Taylor, uma vez que os aumentos salariais que advieram em alguns elos da indústria de massa fordista sugeriram uma suposta aproximação dos assalariados com o resultado do seu trabalho no mercado, dada a possibilidade de ampliação dos níveis de consumo.

O toyotismo, por sua vez, açambarcou todas essas etapas e ousou ainda mais, pois, além de jogar com o ideal de um trabalho polivalente e qualificado, sugeriu uma suposta participação dos assalariados nos resultados (tanto positivos, quanto negativos) das empresas no mercado. Com isso, além de buscar cooptar os assalariados como potenciais consumidores dos próprios produtos, o toyotismo tem buscado seduzi-los com a idéia de que são potenciais sócios nos negócios – uma verdadeira quimera, pois o avanço do toyotismo coincide justamente com a globalização e a oligopolização do capital. Enfim, enquanto sistemas de organização do trabalho, cada um tem as suas especificidades técnicas. Mas, o que importa ao diferenciá-los, em minha opinião, são as suas artimanhas na busca de conquistar a “iniciativa” da classe trabalhadora com os objetivos da acumulação capitalista.

Debate Sindical – Como essas formas influenciaram e influenciam a organização sindical dos trabalhadores?

Geraldo Augusto Pinto – Eu penso que o taylorismo teve como principal alvo as corporações de ofício ou o que ainda restava delas no século XIX, na forma de associações ou sindicatos. Sua introdução nas empresas permitiu a contratação de trabalhadores cujos perfis de qualificação deveriam poder ser prescritos pelas gerências, o que abalou significativamente a organização política desses trabalhadores. O fordismo avançou na mesma via e potencializou todos os efeitos perversos do taylorismo. Não foi pensando em ampliar o consumo dos seus automóveis que Ford ofereceu aumentos salariais aos operários: a idéia era conquistar os sindicatos combativos. Com o avanço da industrialização de massa e sua transnacionalização no pós-1945, houve uma ampliação do tamanho das organizações sindicais e seu poder de mobilização junto às empresas e ao Estado. Mas, com a emergência da gestão flexível após as crises da década de 1970, surgiram, ou ressurgiram, elementos como o trabalho terceirizado, o trabalho em domicílio, as contratações temporárias ou em tempo parcial, as jornadas diárias e semanais mutáveis, e tudo isso em meio a um enorme desemprego estrutural, pois os sistemas de gestão flexíveis resultam em fortes enxugamentos das empresas, em qualquer conjuntura. Se o desemprego afeta diretamente as bases de filiação sindical, o mesmo promove a terceirização e as contratações precárias, ao deslocar a representação dos trabalhadores entre distintas entidades, fragmentando mobilizações conjuntas. Isso sem contar os efeitos deletérios na consciência de classe que os programas de envolvimento gerenciais e o assédio moral nos locais de trabalho produzem sobre os trabalhadores, fatos que certamente se refletem na organização sindical.

Debate Sindical – Alguns falam que o trabalho perdeu a centralidade neste século, o senhor concorda com isso?

Geraldo Augusto Pinto – O que ocorreu, em minha opinião, foram impactos que alteraram alguns aspectos das relações entre o trabalho assalariado e o capital. A longevidade de certas qualificações técnicas, por exemplo, foi reduzida e com ela o próprio tempo de permanência nos empregos, que também foram reduzidos em número e fragmentados nos seus conteúdos, seja pelos enxugamentos de quadros, seja pelas terceirizações. Dos trabalhadores tem sido exigida uma atitude de assiduidade, alto desempenho e comprometimento com os ideais das empresas talvez nunca antes vista, e isso mina a consciência de classe, abala o senso de defesa. Se sempre houve riscos pela escolha de uma carreira profissional, agora estes riscos são muito maiores. E então, como eu sugeri no início da conversa, a saída tem sido a aceitação de metáforas anestésicas: frente ao desemprego, difundem-se soluções individuais como as idéias de “empreender”, de “aprender a aprender”, de “liderar a própria vida”, de “não criar limbo”, às quais muitos se apegam por ilusão ou desespero. Houve uma espécie de aceleramento das contradições do modo de produção capitalista e isso está expresso em todos os setores, não só nas relações de trabalho. Dizer que o trabalho perdeu a centralidade seria tão absurdo quanto dizer que os seres vivos não dependem mais de trocas com o meio ambiente. O que está ocorrendo é uma degradação de ambos, e nisso os sindicatos e governos têm de estar alertas, quando propõem, para a solução do desemprego, uma aceleração do crescimento da economia, nos mesmos moldes.


* Rosângela Ribeiro Gil é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos (UniSantos). Durante 20 anos trabalhou como assessora de imprensa em vários sindicatos da região (Urbanitários, Estivadores, Petroleiros, Metalúrgicos e Trabalhadores da Construção Civil). É integrante do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), entidade que desenvolve trabalhos em comunicação sindical, social e comunitária, com sede no Rio de Janeiro.
rosangelaribgil@uol.com.br

Por que Zurdo?

O nome do blog foi inspirado no filme Zurdo de Carlos Salcés, uma película mexicana extraordinária.


Zurdo em espanhol que dizer: esquerda, mão esquerda.
E este blog significa uma postura alternativa as oficiais, as institucionais. Aqui postaremos diversos assuntos como política, cultura, história, filosofia, humor... relacionadas a realidades sem tergiversações como é costume na mídia tradicional.
Teremos uma postura radical diante dos fatos procurando estimular o pensamento crítico. Além da opinião, elabora-se a realidade desvendando os verdadeiros interesses que estão em disputa na sociedade.

Vos abraço com todo o fervor revolucionário

Raoul José Pinto



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  • Raízes do Brasil - Sérgio Buarque de Holanda
  • Reforma ou Revolução - Rosa Luxemburgo
  • Revolução Mexicana - antecedentes, desenvolvimento, conseqüências - Rodolfo Bórquez Bustos, Rafael Alarcón Medina, Marco Antonio Basilio Loza
  • Revolução Russa - L. Trotsky
  • Sete ensaios de interpretação da realidade peruana - José Carlos Mariátegui/ Editora Expressão Popular
  • Sobre a Ditadura do Proletariado - Étienne Balibar
  • Sobre a evolução do conceito de campesinato - Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA

  • 1984 - George Orwell
  • A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
  • A Espera dos Bárbaros - J.M. Coetzee
  • A hora da estrela - Clarice Lispector
  • A Leste do Éden - John Steinbeck,
  • A Mãe, MÁXIMO GORKI
  • A Peste - Albert Camus
  • A Revolução do Bichos - George Orwell
  • Admirável Mundo Novo - ALDOUS HUXLEY
  • Ainda é Tempo de Viver - Roger Garaud
  • Aleph - Jorge Luis Borges
  • As cartas do Pe. Antônio Veira
  • As Minhas Universidades, MÁXIMO GORKI
  • Assim foi temperado o aço - Nikolai Ostrovski
  • Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez
  • Contos - Jack London
  • Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski
  • Desonra, de John Maxwell Coetzee
  • Desça Moisés ( WILLIAM FAULKNER)
  • Don Quixote de la Mancha - Miguel de Cervantes
  • Dona flor e seus dois maridos, de Jorge Amado
  • Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
  • Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago
  • Fausto - JOHANN WOLFGANG GOETHE
  • Ficções - Jorge Luis Borges
  • Guerra e Paz - LEON TOLSTOI
  • Incidente em Antares, de Érico Veríssimo
  • Memórias do Cárcere - Graciliano Ramos
  • O Alienista - Machado de Assis
  • O amor nos tempos do cólera - Gabriel García Márquez
  • O Contrato de Casamento, de Honoré de Balzac
  • O Estrangeiro - Albert Camus
  • O homem revoltado - Albert Camus
  • O jogo da Amarelinha – Júlio Cortazar
  • O livro de Areia – Jorge Luis Borges
  • O mercador de Veneza, de William Shakespeare
  • O mito de Sísifo, de Albert Camus
  • O Nome da Rosa - Umberto Eco
  • O Processo - Franz Kafka
  • O Príncipe de Nicolau Maquiavel
  • O Senhor das Moscas, WILLIAM GOLDING
  • O Som e a Fúria (WILLIAM FAULKNER)
  • O ULTIMO LEITOR - PIGLIA, RICARDO
  • Oliver Twist, de Charles Dickens
  • Os Invencidos, WILLIAM FAULKNER
  • Os Miseravéis - Victor Hugo
  • Os Prêmios – Júlio Cortazar
  • OS TRABALHADORES DO MAR - Vitor Hugo
  • Por Quem os Sinos Dobram - ERNEST HEMINGWAY
  • São Bernardo - Graciliano Ramos
  • Vidas secas - Graciliano Ramos
  • VINHAS DA IRA, (JOHN STEINBECK)

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA GUERRILHEIRA

  • A Guerra de Guerrilhas - Comandante Che Guevara
  • A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde - Omar Cabezas
  • Da guerrilha ao socialismo – a Revolução Cubana - Florestan Fernandes
  • EZLN – Passos de uma rebeldia - Emilio Gennari
  • Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971; Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá
  • O Diário do Che na Bolívia
  • PODER E CONTRAPODER NA AMÉRICA LATINA Autor: FLORESTAN FERNANDES
  • Rebelde – testemunho de um combatente - Fernando Vecino Alegret

ZZ- Estudar Sempre /GEOGRAFIA EM MOVIMENTO

  • Abordagens e concepções de território - Marcos Aurélio Saquet
  • Campesinato e territórios em disputa - Eliane Tomiasi Paulino, João Edmilson Fabrini (organizadores)
  • Cidade e Campo - relações e contradições entre urbano e rural - Maria Encarnação Beltrão Sposito e Arthur Magon Whitacker (orgs)
  • Cidades Médias - produção do espaço urbano e regional - Eliseu Savério Sposito, M. Encarnação Beltrão Sposito, Oscar Sobarzo (orgs)
  • Cidades Médias: espaços em transição - Maria Encarnação Beltrão Spósito (org.)
  • Geografia Agrária - teoria e poder - Bernardo Mançano Fernandes, Marta Inez Medeiros Marques, Júlio César Suzuki (orgs.)
  • Geomorfologia - aplicações e metodologias - João Osvaldo Rodrigues Nunes e Paulo César Rocha
  • Indústria, ordenamento do território e transportes - a contribuição de André Fischer. Organizadores: Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Eliseu Savério Spósito
  • Questões territoriais na América Latina - Amalia Inés Geraiges de Lemos, Mónica Arroyo e María Laura Silveira