quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Liberalismo versus Democracia Social


, por Alfredo Bosi*

Se há um objetivo que o teórico marxista italiano, Domenico Losurdo persegue de modo coerente ao longo desta Contra-história do liberalismo é o de preferir o exame das políticas liberais "em sua concretização" ao engessamento em definições genéricas pelas quais o termo "liberalismo" se toma como uniforme e abstrata doutrina. A sua regra de ouro é historicizar sempre, isto é, analisar os papéis efetivos que os diversos grupos políticos exerceram em nome de idéias e ideais liberais.

O método é fecundo, daí a riqueza dos resultados. Limito-me a pontuar alguns momentos fortes em que vemos, em ato, propostas e decisões tomadas por políticos assumidamente liberais.

John Calhoun, vice-presidente dos Estados Unidos entre 1829 e 1832, líder do Partido Democrático, escreveu textos apaixonados em defesa da liberdade individual e das minorias, contra os abusos do Estado e a favor das garantias constitucionais. Sua fonte teórica é o pai do liberalismo político inglês, John Locke. Ao mesmo tempo e com igual convicção, Calhoun defende a escravidão dos negros como um "bem positivo", recusando-se a considerá-la como "mal necessário", fórmula concessiva de seus companheiros de partido e fé liberal.

Os abolicionistas, os philanthropists religiosos, eram, para Calhoun, "cegos fanáticos" que se propunham a destruir "a escravidão, uma forma de propriedade garantida pela Constituição".

Losurdo poderia, a partir desse primeiro exemplo, ter ido um pouco além e verificar que estudiosos e expositores de Adam Smith nos estados do Sul não viam nenhuma contradição entre proclamar os dogmas da Economia Política clássica e defender a peculiar institution, como chamavam o cativeiro negro.

O que inquieta nosso autor é constatar o prestígio neoliberal dos textos de Calhoun reeditados em 1992 em uma coleção norte-americana que se intitula "Clássicos da Liberdade".

A relação entre doutrina liberal e escravidão, que, teoricamente, pareceria uma disjuntiva radical, revela-se na "verità effettuale della cosa" (não por acaso, expressão de Maquiavel) uma conjunção reiterável nos mais diversos contextos. Começando por John Locke: solicitado pelos proprietários da Carolina a colaborar na redação das Constituições daquela colônia, o filósofo subscreveu um artigo (de n.110) pelo qual "todo homem livre da Carolina deve ter absoluto poder e autoridade sobre seus escravos negros, seja qual for sua opinião e religião".

Locke, entusiasta da Revolução Gloriosa e acionista da Royal African Company, escrevia no século XVII. John Stuart Mill, em pleno século XIX, retomaria galhardamente os ideais de liberdade individual na mais pura tradição britânica, mas não deixaria de afirmar que "o despotismo é uma forma legítima de governo quando se lida com bárbaros, desde que a finalidade seja o seu progresso e os meios sejam justificados pela sua real obtenção". Mais adiante, exige "obediência absoluta dos bárbaros", cuja escravização seria "uma fase necessária, válida para as raças não civilizadas".

São exemplos de atitudes que não se esgotam, porém, na hipótese, só em parte verdadeira, de que foi a situação colonial a responsável pela combinação de liberalismo com a escravidão. Calhoun era vice-presidente de uma nação que já desfrutava, havia mais de meio século, de altiva independência política. Losurdo lembra incisivamente:

Em 32 – dos primeiros 36 anos dos Estados Unidos – os que ocupam o cargo de Presidente são proprietários de escravos provenientes da Virgínia. George Washington, grande protagonista militar e político da revolta anti-inglesa, John Madison e Thomas Jefferson (autores respectivamente da Declaração da Independência e da Constituição Federal em 1787), foram proprietários de escravos.

Quanto à hegemonia da liberal Inglaterra no que se refere ao tráfico ao longo do século XVIII, sabe-se que a Royal African Company arrancou da decadente Espanha o monopólio do comércio de carne humana.

No caso da Holanda, pátria da tolerância religiosa nos séculos XVII e XVIII, a conivência assumida com o tráfico é de molde a abalar os corações eurocêntricos mais convictos.

O primeiro país a entrar no caminho do liberalismo é o país que revela um apego particularmente ferrenho ao instituto da escravidão. Em 1791, os Estados Gerais declaram formalmente que o comércio dos negros era essencial para o desenvolvimento da prosperidade e do comércio nas colônias. E deve-se lembrar que a Holanda abolirá a escravidão nas suas colônias só em 1863, quando a Confederação secessionista e escravista do Sul dos Estados Unidos caminha para a derrota.

Losurdo tenta, a certa altura, percorrer outro caminho para enfrentar a relação que se estabeleceu no Ocidente entre ideologia liberal-capitalista e trabalho compulsório. Lembrando que o número de escravos trazidos da África aumentou de modo extraordinário na primeira metade do século XIX, precisamente quando o liberalismo se convertia em ideal hegemônico além e aquém do Atlântico, o autor vai rastrear uma das razões então alegadas para justificar o cativeiro dos negros: a inferioridade racial.

Os liberais, para manter a cara limpa em face da violência que os seus interesses os levavam a perpetrar, lançam mão do preconceito que a ciência do século já estava transformando em dogma. A discriminação permaneceria ainda mais viva depois da abolição, e aqui a observação de Tocqueville é de citação obrigatória: "Em quase todos os estados [dos Estados Unidos], nos quais a escravidão foi abolida, são concedidos aos negros direitos eleitorais, mas, se eles se apresentam para votar, correm risco de vida. Oprimido, pode até lamentar-se e dirigir-se à magistratura, mas encontra só brancos entre os seus juízes".

O que se conhece da discriminação racial ao longo dos séculos XIX e XX (linchamentos, apartheid...) só viria confirmar a reprodução dos limites internos da burguesia liberal que, chegando ao poder, sabe quem e como excluir.

No capítulo central da obra, Losurdo volta-se para a história exemplar do liberalismo francês entre as revoluções de 1789 e 1848. A admiração anglófila dos philosophes é conhecida. A Inglaterra é o modelo perfeito das liberdades para Voltaire e Diderot, como o fora para Montesquieu. O alvo, atingido na ilha, é o absolutismo combinado com os abusos da nobreza e do clero. Mas, passado o Terror, todo o esforço das novas gerações liberais será, desde o Diretório, "terminar a revolução".

A escravidão nas Antilhas é abolida pela Convenção, mas será restaurada por Napoleão em 1802, em nome dos sagrados direitos de propriedade dos colonos. Direitos que serão mantidos pela política de centro-direita da Restauração (1814-1830) e continuariam intactos sob a monarquia liberal de Luís Felipe (1830-1848). Direitos, enfim, plenamente confirmados pelos decretos da abolição que obrigavam o novo Estado republicano francês a indenizar os proprietários dos 250.000 escravos libertados.

As observações do autor rimam com o excelente (embora não citado) Le moment Guizot de Pierre Rosanvallon, que reconstituiu a história dos mecanismos antidemocráticos acionados pelos grandes mentores do liberalismo francês, Guizot, Thiers, Benjamin Constant. Entre esses mecanismos, o mais eficiente foi o voto censitário que entronizou a figura do cidadão-proprietário em todas as nações do Ocidente que emergiam da crise do Antigo Regime.

É curioso verificar que a questão do trabalho compulsório é aleatoriamente levantada por alguns liberais, que hoje situaríamos na conjunção de centro e esquerda, como Raynal, Condorcet e Brissot. Os três confiam na "revolução americana", modelo que substituiria, nos seus escritos, a anglofilia dos enciclopedistas.

Onde o liberalismo excludente encontra a mais firme resistência é no pensamento abolicionista radical. A voz enérgica do abbé Grégoire se faz ouvir na Convenção exigindo a supressão imediata e total do trabalho escravo nas colônias e enaltecendo a figura de Toussant Louverture e a revolução do Haiti. "Uma república negra no meio do Atlântico" – diz Grégoire – "é um farol elevado para o qual dirigem o olhar os opressores enrubescendo e os oprimidos suspirando. Olhando-a, a esperança sorri para os 5 milhões de escravos espalhados nas Antilhas e no continente americano". (De passagem, falta traduzir para o português a obra pioneira desse bispo republicano que tão bravamente denunciou a escravidão e o preconceito de cor: De la noblesse de la peau, ou du préjugé des blancs contre la couleur des Africains et celle de leurs descendants noirs e sang-mêlés.)

Quem retomaria a bandeira de Grégoire seria outro republicano radical, este agnóstico, Victor Schoelcher, que conduziu a luta final pela abolição em plena revolução de 1848.

Nessa altura de sua exposição, Losurdo pode traçar a linha principal de clivagem. De um lado, o liberalismo clássico, proprietista e excludente e, quando lhe é proveitoso, racista e escravista. De outro, o radicalismo democrático, que tem como horizonte precisamente superar as barreiras de classe e de raça que os liberais conservadores ergueram para defender os seus privilégios.

O autor detém-se longamente nas oscilações do mais fino e arguto dentre os liberais franceses, Alexis de Tocqueville. Não cabe nesta resenha enumerá-las. Verá o leitor que, após 48, Tocqueville retrai-se em face dos movimentos democráticos da Itália de Mazzini e da Hungria de Kossuth, perdendo o equilíbrio que marcara A democracia na América e chegando a augurar um projeto militar que reverta o processo revolucionário desencadeado em quase toda a Europa. Quanto à recente conquista da Argélia, Tocqueville não usa de meios-termos: é preciso domar completamente as populações árabes e forçá-las a viver sob a civilização branca, francesa. Involução ou coerência do capitalismo liberal europeu que está reiniciando, nesse momento, o ciclo da conquista colonial prestes a atingir todo o continente africano? A discutir.

Na esfera do radicalismo, Losurdo situa certas declarações de Simón Bolívar (hoje tão oportunas), que, louvando a revolução do Haiti, sonha para a América andina uma democracia de brancos e índios, negros e mestiços. Resta perguntar: o que fizeram os políticos liberais que assumiram o poder na maioria das novas nações americanas? O que sabemos ao certo é que houve uma reprodução local da conivência de liberalismo burguês e escravidão (caso do Brasil, das Antilhas e do sul dos Estados Unidos); e uma fusão do mesmo liberalismo formal com a semi-servidão do indígena na Colômbia, no Equador, no Peru e na Bolívia. Caso Losurdo houvesse tratado mais detidamente das formações sociais latino-americanas, muito lhe teria aproveitado a leitura dos Sete ensaios de interpretação da realidade peruana (1928), em que Mariátegui desvendou a estreita relação entre a política liberal-oligárquica, que regia o Peru após a Independência, e a brutal exploração do índio nos latifúndios da região serrana.

Os argumentos dos liberais conservadores brasileiros não eram nada originais: misturavam críticas anódinas à instituição com firmes recusas de enfrentar o problema de fundo, alegando sempre os interesses de nossa economia de exportação sustentada pelo braço negro. No plano político-jurídico, a Constituição de 1824, incorporando dispositivos da Carta da Restauração e o duro proprietismo do Código Napoleônico, omitia pudicamente o termo "escravidão", exatamente como fizeram os autores da Constituição norte-americana e as cartas liberais das monarquias européias. Cá e lá..., o cimento ideológico aplicado pelos donos do poder valeu-se largamente do rótulo prestigioso do liberalismo.

O cerne da questão desnuda-se e ganha atualidade quando o autor passa da relação senhor-escravo, ainda vigente nos meados do século XIX, para o par moderno patrão-operário. Vem então à luz a oposição estrutural entre capital e trabalho e, em termos ideológicos, entre o liberalismo e os vários socialismos que se foram gestando na prática das lutas operárias e na cabeça de pensadores revolucionários ou reformistas.

Em toda parte aonde chega a Revolução Industrial, a regra é a super-exploração do trabalhador e a degradação de sua qualidade de vida, como agudamente a descreveu Engels na Manchester de 1844.

A tensão que se estabelece entre legisladores liberais e os sindicatos é recorrente e não podemos dizer que tenha desaparecido. O neoliberalismo é o grande adversário das garantias trabalhistas que pretende, à Thatcher e à Reagan, suprimir ou precarizar. Um dos apóstolos do fundamentalismo liberal-capitalista, Hayek, considera "dever moral do Estado" (sic!) impedir que os sindicatos interfiram no jogo livre do mercado.

É no mínimo estranho que ainda se diga, de boa ou de má-fé, que o liberalismo foi ou é sinônimo de democracia econômica e social. Ou então que só no Brasil a burguesia imperial e seus porta-vozes no Parlamento encenaram uma comédia ideológica ao protelarem a abolição do cativeiro. Se farsa houve, ela foi representada em diversos contextos e em todo o Ocidente desde que se criou o termo liberalismo. O ensaio de Losurdo contribui para desfazer qualquer equívoco eurocêntrico ao demonstrar que o poder liberal, onde quer que estivesse instalado, não se propôs jamais compartilhar com "os de baixo" as suas sólidas vantagens. Não se tratava de comédia, mas do drama composto, em nível mundial, pela estrutura contraditória do capitalismo em expansão.

A oposição entre liberalismo e efetiva democracia social oferece exemplos em toda parte, desde os mais grosseiros e violentos até os mais refinados. Um dos mais eminentes economistas liberais italianos, Einaudi, chamava, em 1909, o imposto progressivo de "banditismo organizado para roubar o dinheiro dos outros mediante o Estado".

Losurdo poderia fechar o seu belo ensaio citando uma tese de Karl Polanyi reexposta brilhantemente em As metamorfoses da questão social de Robert Gastel: o mercado auto-regulado, forma pura do desenvolvimento da lógica econômica entregue a si mesma, é, estritamente falando, inaplicável, porque não comporta nenhum dos elementos necessários para fundar uma ordem social. Mas poderia destruir a ordem social que lhe preexiste.

* Alfredo Bosi é Professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo e autor, entre outras obras, de História concisa da literatura brasileira, O ser e o tempo da poesia, Dialética da colonização, Machado de Assis: o enigma do olhar, Literatura e resistência de Brás Cubas em três versões. É editor da revista ESTUDOS AVANÇADOS e membro da Academia Brasileira de Letras. abosi@usp.br


quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Olhares interpretativos sobre o filme Adeus Lênin

A ideologia liberal representa uma das possíveis interpretações sobre o socialismo realmente existente e o seu histórico desmoronamento retratado no filme Adeus Lenin. Para o ideário liberal econômico, a queda do muro de Berlim e a unificação da Alemanha confirmam a tese de que fora da economia de mercado não há salvação.

A igualdade imaginada pelos socialistas trouxe em seu bojo a aniquilação das liberdades políticas, em especial da liberdade expressão e organização e, no limite, da individualidade, na medida em que o coletivo aprisiona a subjetividade dos indivíduos à razão do partido e do Estado. No socialismo realmente existente a igualdade se mostrou falaciosa, pois gerou uma minoria privilegiada vinculada ao partido e ao Estado. A liberdade foi identificada com o liberalismo, transformada num valor intrinsecamente capitalista e burguês. O resultado foi um socialismo de caserna, cuja face não poderia ser outra senão a da ditadura travestida em democracia popular e/ou ditadura do proletariado.

Ainda sob o olhar liberal, é preciso considerar que o autoritarismo não advém apenas do pólo estatal. A sociedade também pode ser autoritária. Tocqueville e Stuart Mill ressaltam o aspecto da “tirania da maioria”. Neste sentido, o filme contribui para refletirmos sobre o fato de determinadas opiniões, sentimentos, idéias e práticas se imporem como modelo para todos os indivíduos. A liberdade individual é tolhida pela sociedade, a qual aparece como detentora da verdade. Isso vale tanto para o tipo de socialismo representado em Adeus Lenin, quanto para a sociedade liberal capitalista – com a diferença de que, no primeiro caso, o Estado ditatorial se impõe à sociedade, diminuindo os espaços para a crítica; mas esta, termina por legitimá-lo ao incorporar a ideologia e valores no cotidiano dos indivíduos. O sistema não se mantém apenas pela opressão, também precisa da persuasão.

Outra interpretação possível diz respeito ao pensamento conservador. É interessante como as idéias revolucionárias se transmutam, por contingências do poder e da razão do Estado, em sua própria negação. Na medida em que os governos revolucionários se afirmam enquanto nova elite dirigente, a vanguarda iluminada que representa a massa do proletariado, todos os meios se justificam pelo fim, apresentado como a construção do socialismo.

Para se consolidar, o novo poder precisa se aferrar ao discurso anterior, enquanto retórica e, simultaneamente, desenvolver um novo discurso justificador de práticas não necessariamente condizentes com os ideais e princípios revolucionários originais. Essa dupla operação objetiva dissimular a distância entre a realidade e a representação desta.

Nesta interpretação, a tradição tem duplo movimento: 1) os novos dirigentes não podem simplesmente abdicar do discurso original e neste sentido são obrigados a se referirem aos princípios, líderes e fundamentos do socialismo – trata-se de uma estratégia de legitimação, mas também uma operação ideológica necessária à crença de que são portadores de uma razão histórica e demiurgos do paraíso na terra; 2) a tradição é também reafirmada na perspectiva crítica, ou seja, na medida em que setores, ainda que minoritários, percebem o abismo entre a prática política instituída – e o discurso que lhe acompanha – da teoria que fundamentou os princípios originais; então, os dissidentes da ordem voltam-se ao passado anterior à própria instituição do socialismo, aos autores que lhes deram sustentação inicial, tomando-os como a tradição negada pela nova classe.

Um terceiro olhar sobre o filme Adeus Lenin se ampara no âmbito do próprio marxismo. A dissidência expressa essa possibilidade. É claro que internamente às sociedades autodenominadas socialistas as chances do dissidente ter alguma influência são praticamente nulas. O mais provável é o seu isolamento e aniquilamento físico. Talvez isto seja um fator para refletirmos sobre a fragilidade da crítica interna influir no desenrolar dos acontecimentos. O que se vê a partir do filme é a vitória dos valores e idéias do ocidente, isto é, da economia de mercado capitalista. Mesmo assim, vale a pena resgatar a crítica já presente em autores como Rosa Luxemburgo e outros marxistas considerados heterodoxos enquanto elemento. São autores que nos permitem pensar o socialismo realmente existente e o seu desenlace numa perspectiva para além do liberalismo e dos valores capitalistas. O próprio Lenin, em obras como “O Estado e a Revolução”, merece ser revisitado.

O último olhar interpretativo que proponho se refere aos autores anarquistas. Embora o anarquismo, a exemplo do marxismo, não possa ser tomado enquanto ideologia homogênea, há aspectos comuns que se revelaram proféticos em relação aos descaminhos revolucionários. É no anarquismo que encontramos a crítica contundente ao partido revolucionário e ao Estado, ainda que socialista. O partido instituiu a sua ditadura em nome da classe operária, se amalgamou com o Estado e este envolveu a sociedade. Assim, tornou impossível a existência fora do Partido e do Estado. A liberdade ficou refém da caricatura igualitária instituída pela ditadura do proletariado. A relação necessariamente tensa entre Autoridade e Liberdade foi superada pela predominância da primeira em sua vertente autoritária.

É importante o resgate da memória histórica enquanto fator capaz de desvendar as manipulações dos fatos históricos, devido aos interesses políticos das elites dirigentes. Se o personagem principal do filme manipula os fatos e a verdade, em nome do amor à sua mãe, é sintomático que: 1) ele passa a acreditar na própria mentira que forja; 2) o que ele faz nada mais é do que ressuscitar num ambiente micro a grande “mentira” que envolveu a sociedade no período anterior.

E não se trata apenas de ver a manipulação como uma via de mão única. Não, os indivíduos não são simplesmente passivos, eles interagem. O desafio é compreender como eles passam a acreditar e incorporar tais valores. Se a repressão do Estado é um dos fatores principais explicativos deste fenômeno, não é o único. Neste sentido, a educação tem um papel fundamental, tanto no que diz respeito à conservação da ordem social e política, quanto no desvendamento das mentiras engendradas por seus defensores. O resgate da história tem, enfim, a função pedagógica de nos fazer pensar sobre os mecanismos de manipulação e legitimação do poder e, principalmente, de propiciar que a verdade histórica venha à superfície.


Não tive a pretensão de esgotar o tema. Apenas objetivei delinear possíveis olhares interpretativos que permitam pensar Adeus Lenin para além da obra cinematográfica, inserindo-a no debate político-teórico e ideológico que envolve a socialismo real e a construção de uma perspectiva pós-capitalista. É uma oportunidade para refletirmos não apenas sobre o passado histórico, mas também sobre os dilemas que dizem respeito ao presente e ao futuro. A utopia destruída pelos fatos históricos é negada e atualizada simbolicamente no filme. Permanece a necessidade de sonhar que um outro mundo é possível.
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* Publicado em http://antoniozai.blog.uol.com.br, nos dias 07 e 08 de fevereiro de 2007.
** Adeus Lênin! (Good Bye, Lenin!). Daniel Brühl (Alexander Kerner), Katrin Sab (Christine Kerner) e Maria Simon (Ariane Kerner). Direção: Wolfganger Becker. Estúdio: arte / Westdreutscher Rundfunk / X-Filme Creative Pool. Alemanha, 2003. Duração, 118 minutos. Site oficial: www.good-bye-lenin.de

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O GENOCÍDIO DE RUANDA NA HISTÓRIA E NO CINEMA




Larissa Durlo Grisa
Luciano Quednau Thomé
Luiz Dario Teixeira Ribeiro

PALAVRAS-CHAVE: História da África, História de Ruanda, Genocídio de Ruanda, Hotel
Rwanda, Colonialismo.

KEYWORDS: History of Africa, History of Ruanda, Genocide of Ruanda, Hotel Rwanda,
Colonialism

RESUMO: Este artigo trata de um dos mais sangrentos conflitos periféricos, ocorrido no final do século XX: o Genocídio de Ruanda. Ao analisar a obra cinematográfica: “Hotel Rwanda”, refletimos sobre questões mais amplas que estão relacionadas com o preconceito em relação aos negros e ao continente africano. Tendo em vista o descaso em relação à História da África e a forma estereotipada na qual o cinema e os meios de comunicação divulgaram e divulgam as imagens em relação ao continente, apresentamos o genocídio de 1994 não apenas como um “conflito tribal”, mas como uma parte resultante de um longo processo histórico que aponta, em última instância, o papel nefasto da intervenção européia colonial e neocolonial.

ABSTRACT: This article handles one of the bloodier peripheral conflicts occurred in the end of 20th century: the Genocide of Ruanda. Analyzing a cinematographic workmanship “Rwanda Hotel”, we reflect on questions ampler than they are related with the preconception in relation to the black people and the African continent. In view of the indifference in relation to the History of Africa and the stereotypes form in which the cinema and the medias had divulged and divulge the images in relation to the continent, we present the 1994 genocide not only as a “tribal conflict” but as a resultant part of a long historical process that points, in last instance, the ominous role of the colonial and neocolonial European intervention.

INTRODUÇÃO:

A História da África, por muito tempo, foi negligenciada nos países ocidentais. Tal fato não é resultado de uma mera casualidade, e sim, de uma cosmovisão calcada em preconceitos estipulados pelo homem branco em relação aos negros e à sua terra. Tais preconceitos correspondem a uma visão eurocêntrica que, por dificuldade de explicar e reconhecer sua alteridade, produz visões simplificadoras e redutoras para justificar a suposta inferioridade dos negros enquanto seres humanos. Tais concepções embasam uma visão de que os povos africanos eram incapazes de fazer e de contar suas histórias, pois viveriam em uma imobilidade quase absoluta, sem importância nenhuma para a história da humanidade. Nesse sentido, a história africana, vista pelo ocidente, “teria começado somente no momento em que os europeus passaram a manter relações com as populações do continente” (OLIVA, 2004, p.20).

Não foram poucos aqueles que manifestaram com todas as letras esse tipo de idéia, que, atualmente, é mais tácita que explícita. Ao fazer um levantamento sobre a historiografia africana, Anderson Oliva (2004), afirma que as origens das percepções negativas em relação ao continente africano existem desde Heródoto, na Antiguidade, apontando sua afirmação e reprodução no imaginário cristão europeu medieval. Contudo, é importante apontar que a estas percepções, somaram-se, durante o século XIX, período de afirmação do paradigma científico moderno, “as crenças científicas, oriundas do darwinismo social e do determinismo racial que alocaram os africanos nos últimos degraus da evolução das ‘raças’ humanas” (OLIVA, 2004, p.17). Essa falácia – assim como tantos outros preconceitos sobre a África, de uma forma ou de outra – é ideológica, ou seja, serve a interesses dominantes. A ideologia em questão não é outra senão a colonial, tão cara à aplicação do imperialismo europeu no século XIX.

Tal visão, que se delineara com o surgimento da História como disciplina científica, ainda hoje se reproduz. É só pensarmos no caso brasileiro, onde, apesar de termos uma grande parte da população de origem africana, ainda estamos imersos em uma grande ignorância sobre a História da África. Tal fato não abrange somente os conteúdos que são ensinados na escola básica, como também no ensino universitário dos cursos de História, que ainda não têm o ensino da história da África como uma disciplina obrigatória. Segundo Anderson Oliva, se perguntarmos “o que sabemos sobre a África?”, o ponto comum seria, entre aqueles que se atrevem a responder, lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos, tiradas das reproduções das notícias que circulam pela mídia e que “revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. As imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos, incorporam a tradição racista e preconceituosa” de estudos sobre a África (OLIVA, 2003).

O caso do Genocídio de Ruanda é um clássico exemplo da utilização do termo tribo para se referir às rivalidades étnicas e políticas do país. Entre aqueles que criticam o tom preconceituoso do termo, como alguns historiadores e cientistas sociais, prefere-se o conceito “etnia”, notadamente quando se trata de explicar os conflitos que envolvem povos africanos. Mesmo assim, o problema básico persiste: os dois termos continuam insinuando que tais povos são desprovidos de história e, portanto, redundam em explicações ahistóricas onde prevalece o atavismo de seus problemas – ou ainda, o não menos errôneo essencialismo de suas virtudes.

É na tentativa de se contrapor a esta visão eurocêntrica lançada sobre o continente africano e proporcionar um pequeno descortínio sobre a sua história que este artigo visa contribuir ao enfocar o caso específico do Genocídio de Ruanda ocorrido em 1994. Primeiramente, analisaremos a história da composição social deste país, para tentar compreender o processo histórico anterior que culminou no conflito envolvendo as etnias tutsis e hutus, considerado como uma das maiores catástrofes da segunda metade do século XX. Veremos depois como o tratamento relegado à África nos meios de comunicação se reflete nas representações do genocídio nos jornais e, particularmente, no cinema, onde analisaremos o caso do filme “Hotel Rwanda”.

BREVE HISTÓRIA DE RUANDA

A história de Ruanda pode ser remontada através do estudo das obras dos autores que se dedicaram à compreensão da história da chamada “África Negra” ou subsaariana. A história deste país, contrapondo-se à concepção eurocêntrica de uma certa imobilidade e “exotismo” da história africana, revela que podemos analisá-la através de categorias históricas e sociológicas que cabem à análise de qualquer outro lugar do mundo.

A origem do sistema hierárquico de etnias-classe nos territórios de Ruanda deu-se quando um povoado que ali existia, formado por uma mistura heterogênea de famílias e clãs banto, que demonstravam escassa organização política, foi “invadido” por um grupo relativamente homogêneo de pastores vindos do norte, chamados “tutsi hamitas”, que introduziram na região a criação de animais, culturas agrícolas desconhecidas e uma hierarquia social baseada em castas. A partir do século X, ter-se-iam estabelecido várias dinastias tutsis, que depois se integraram para formar o estado de Ruanda, aproximadamente, pelo século XV. Os povos vencidos teriam sido “assimilados graças a um sistema que os convertia em vassalos, assim, os bantos (Hutus), receberam o direito de utilizar o gado em troca de sua lealdade e da prestação de serviços” ( BETHWELL OGOT, 1980-88, p. 528).

Ao apresentar as relações sociais do pequeno reino, Coquery-Vidrovitch (1976), problematiza a utilização do conceito de feudalismo, por ter sido utilizado, muitas vezes, para qualificar relações sociais mais ou menos deformadas pela ótica ocidental dos primeiros observadores. A autora afirma que suas estruturas políticas se baseavam por uma “autoridade relativamente firme de um rei assistido por governadores de províncias, nomeados por ele”, encarregados de arrecadar tributos. Assim, define as relações sociais por “relações de dependência pessoal que uniam os clientes com seu patrão”, onde uma “população campesina se encontrava a serviço dos chefes políticos ou do clã” que tinha o controle sobre o gado (COQUERY-VIDROVITCH, 1976, p.38 e 39).

A origem dessa formação social também é remontada pelas tradições orais, sendo uma rica fonte para o estudo das ideologias desta sociedade, pois a mitologia cumpre um papel social ao explicar não somente a origem da sociedade, como valida a organização social, a repartição dos poderes e o controle dos bens. Os mitos de Ruanda, dessa forma, justificariam o escalonamento desigual das três camadas da população – tutsi, hutu, twa – e a institucionalização da monarquia tutsi, ao afirmar a origem celeste destes e o seu caráter de portadores de uma civilização superior. Nesse sentido, tal explicação baseada em tempos primordiais, carregada de dupla intenção, divina e humana, conserva-se porque cumpre uma função social e se modifica conforme o centro de interesse.

A realeza tinha uma concepção de caráter divino, onde o rei (nwami) transcendia todas as castas, e sua administração, assentada na divisão hierárquica entre as castas e no monopólio dos principais bens de produção, gado e também a terra, era realizada distritalmente por dois chefes independentes: “o chefe do solo, responsável pelo censo agrícola e juiz nas questões de bens de raiz, e o chefe do gado, com competência nos impostos sobre as manadas” (KI-ZERBO, 1999, vol. I, p.398). Haveria também uma terceira autoridade, o chefe do exército local, assim como múltiplas residências reais, cada uma delas gerida por uma esposa e concubina do rei que dependiam diretamente da autoridade real.

Estando os tutsis no topo da sociedade, repugnavam os trabalhos agrícolas, “consagravam seus amplos lazeres à eloqüência, à poesia, aos jogos subtis do espírito, bebendo hidromel” (KI-ZERBO,1999, vol. I, p.399), os hutus formavam o essencial da população, eram “camponeses que sofriam com freqüência as arbitrariedades dos aristocratas e eram englobados num sistema de clientela em relação aos tutsis”, que lhe traziam a proteção. Os twas constituíam uma “ínfima etnia residual que se distingue pela sua muito pequena estatura e pela sua especialização na caça e na cerâmica” (KI-ZERBO, 1999, vol. I, p.399).

Em princípio, havia uma permeabilidade entre os grupos, através do matrimônio ou por alternância de funções. Bethwell Allan Ogot, (1980-88), a esse respeito, assinala que as tradições da região interlacustre africana indicam que mais que uma divisão étnica, a divisão entre os pastores e agricultores era relacionada à ocupação, assim, se um pastor “perdesse seu gado e não pudesse reavê-lo, convertia-se em agricultor, enquanto o agricultor que adquirisse gado tornava-se pastor, ao que tudo indica, essas mudanças aconteciam freqüentemente, tanto no plano individual, quanto no nível de grupos” (BETHWELL OGOT, 1980-88, p. 528).

A origem do Estado centralizado não fora obra apenas dos pastores vindos do norte, a sua formação incorporou ritos e instituições políticas dos agricultores, assim como algumas importantes funções rituais parecem ter sido confiadas aos agricultores que, assim, “adquiriram participação e interesse no sistema” (BETHWELL OGOT, 1980-88, p.530). Coquery-Vidrovitch (1976) afirma que houve protestos em forma de cultos religiosos, por parte dos hutus, contra a ordem estabelecida e as sujeições impostas pelos tutsi, em finais do século XVIII, através de um culto de iniciação do herói legendário Ryangombe, que seria uma forma de expressar uma sociedade imaginária, com virtude terapêutica e escatológica de redenção. Outro movimento nesse sentido ter-se-ia difundido em meados do século XIX, através do culto do personagem feminino de Nyabingu, entre as regiões que ofereciam resistência à penetração tutsis, que somente chega a dominá-las às vésperas da colonização.

A expansão colonial capitalista dividiu o continente africano entre as potências européias no final do século XIX (Conferência de Berlim em 1885), tal fato determinou grandes mudanças em todo o continente africano e, também, na região de Ruanda. Primeiramente, Ruanda ficou sob a tutela do Governo Alemão até o final da primeira guerra mundial, sendo unificada ao reino do Burundi pelo nome Ruanda-Urundi. Em 1918, após a primeira guerra mundial, a Bélgica, que já possuía o rico território do Congo, “recebeu como fidei comissio o Mandato da Sociedade das Nações para as colônias alemãs” (RIBEIRO, 1998, p.63) de Ruanda-Urundi. Com isso, tendo em vista que esses territórios faziam fronteira com o Congo, criava-se um grande bloco colonial.

Para essa região, foram implementadas as mesmas práticas coloniais desenvolvidas no Congo e que caracterizavam a colonização belga, tais como a falta de preocupação em criar elites locais, não se preocupando em desenvolver a assimilação dos colonizados, ou parte deles, à metrópole. Também aqui “as potencialidades agrícolas, de matérias primas vegetais e minerais foram explorados por monopólios metropolitanos”, e uma das principais características da colonização belga, o paternalismo de influência racista e autoritário, também se instalara, submetendo as “populações a um atraso e à inferioridade cuidadosamente mantidos” (RIBEIRO, 1998, p.63).

Contudo, houve especificidades nessa dominação, os reinos permaneceram com a sua estrutura dividida nos dois grupos étno-sociais de características “feudais”, a administração se deu de forma indireta (indirect rule), através da existência de dois nwami (reis), assistidos por seus chefes e subchefes, e tendo ao seu lado um residente-conselheiro. Sobre essa especificidade da dominação, Coquery-Vidrovitch (1976) afirma ser provável que, neste domínio, a “categoria privilegiada soubera momentaneamente tomar partido da intervenção européia para reforçar as desigualdades institucionais, mediante a confiscação legalizada do poder e a codificação da divisão do trabalho” (COQUERY-VIDROVITCH, 1976, p.39). Nesse sentido, compreende-se a afirmação de que o colonialismo cristalizou as estruturas já existentes.

Mais precisamente, a cristalização das etnias refere-se ao fato de que a antiga permeabilidade que ocorria entre pastores e agricultores, tutsis e hutus, foi rompida tendo em vista a adoção de critérios racistas que foram, sobretudo, impostos pelos europeus. Estes, para a extração de pedras preciosas, metais e marfim, selecionaram uma mão de obra escrava e a classificaram por estatura e cor da pele, segundo critérios raciocêntricos, independente das concepções autóctones. A Bélgica enviou vários grupos missioneiros católicos para Ruanda, visando a “disciplinar os ruandeses” através da prática religiosa prevendo, inclusive, uma distribuição geográfica do trabalho servil nas plantações de café. Nesse sentido, compreende-se o surgimento de uma elite tutsi, agora em novos moldes, que se empenhou em construir uma nova história, em nome do protetorado belga, fundamentada na segregação racial, agora baseada no critério do nascimento.

Michael Crowder (1999), ao falar sobre a dominação belga, aponta para outras diferenças que surgiram nessa região em relação ao Congo, tais como o fato da autoridade dos chefes nunca ter sido diretamente ameaçada pela administração. Contudo, em Ruanda, a trindade de chefes nas províncias (gado, terra e militares) foi substituída pelo controle de um único chefe, resultando que a coroa tornou-se muito mais importante que no Urundi. Tais especificidades, segundo o autor, estariam ligadas ao fato de que a Bélgica tinha a tutela desses territórios, sobre a supervisão da Liga das Nações, órgão internacional ao qual o governo deveria responder pela conduta administrativa de sua tutela, influenciando o poder aí exercido. Assim, “os Belgas eram mais protetores das estruturas tradicionais em Ruanda-Urundi do que no Congo” (MICHAEL CROWDER, 1999, p.84).

A colonização não foi pacífica e não ocorreu sem conflitos, a “força pública foi organizada em 1886 e compreendeu contingentes móveis à disposição permanente das autoridades civis, que tiveram que reprimir numerosas sublevações”, durante a segunda guerra mundial, a força reprimiu uma greve que causou sessenta mortos e uma revolta que provocou cem mortos. Também há notícias de uma sublevação em 1957, no distrito de Lomani, contra Kassongo Niembé. Tal “força pública exerceu uma influência muito grande pela sua importante rede de escolas técnicas e profissionais e pelas suas obras sociais” (KI-ZERBO, 1999, vol. II, p.14).

A ONU, a partir da década de 1950, pensando na posterior retirada das autoridades européias, ou seja, na descolonização política dos territórios, solicitou à Bélgica, através de um plano de democratização, o aumento da participação política dos hutus. Na década de 1950, a Bélgica, influenciada pelos acontecimentos do Congo, começara a pensar na possibilidade de emancipação a longo prazo e, juntamente com a ONU, começam a preparar a descolonização dessa região. Elikia M’Bokolo (1999), afirma que os belgas efetivaram uma política de pré-guerra, com o objetivo declarado, quando se propuseram a “racionalizar e modernizar as estruturas políticas pelo reagrupamento dos cacicados, transformando líderes tradicionais em empregados civis, e pela democratização dos conselhos de reis em Ruanda e Burundi” (ELIKIA M’BOKOLO, 1999, p.209). Tais medidas anteriores à efetiva independência política do país tiveram como conseqüência o acirramento das tensões étnicas entre tutsis e hutus.

A elite hutu educada tirou vantagem dessas modificações políticas, organizou periódicos e manifestos hostis ao monopólio político, econômico e social dos tutsis. Nesse contexto, foram criados os partidos políticos hutus: APROSOMA (Associação para a Promoção Social das Massas) e PARMEHUTU (Partido do Movimento de Emancipação Hutu). Os tutsis concentraram-se nos partidos RADER (Ajuntamento Democrático Ruandês) e UNAR (União Nacional Ruandesa). O período de 1959 a 1962 foi marcado por sérios conflitos, pois a grande maioria da população, os hutus (80%), entraram em oposição violenta com os tutsis, a aristocracia dominante, sistematicamente colocada pelos belgas nas responsabilidades de altos postos religiosos e administrativos. Um exemplo desses conflitos se dá em 1959, quando o nwami Kigeri V ascende ao poder. Não sendo bem visto pelos hutus, começaram muitas desordens e uma chacina de tutsis, onde a intervenção das tropas belgas não apaziguou a violência das reivindicações, que deixou o “saldo de quase 300 mortos, 700 feridos e mais de 1200 presos” (ELIKIA M’BOKOLO, 1999, p.212).

Em 1960, a ONU recomendou que fossem feitas eleições para o governo local como prelúdio à independência. O resultado de tais eleições foi um triunfo para os hutus que, contrariando a tradição colonial, contaram com o apoio dos belgas. Em 20 de janeiro de 1961, o governo belga decidiu adiar indefinidamente as eleições marcadas para o dia 28, fato respondido pelo povo através do “Golpe de Estado Gitarama”, efetuado no mesmo 28 de janeiro. “Os representantes públicos eleitos, acompanhados por 25000 pessoas”, proclamaram a deposição de nwami Kigeri V - que já havia deixado Ruanda em maio de 1960 -, a fundação da República, “a eleição imediata de um governo e de um chefe de estado, e a adoção de uma constituição” (ELIKIA M’BOKOLO, 1999, p.213).

As eleições foram realizadas com a supervisão da ONU, em setembro de 1961, e legitimaram o golpe, onde o dirigente do partido PARMEHUTU, Kayibanda, tornou-se chefe do governo. Com a independência, Ruanda separou-se do Burundi. O governo belga concedeu a autonomia em dezembro de 1961, satisfeito em não ter que combater as tensões étnicas. Uma comissão das Nações Unidas preparou o caminho para a independência, ocorrida em 1962, mas não teve sucesso em manter a união de Ruanda e Burundi, que era desejada por ela, mas rejeitada pelos dois países.

Entre 1961 e 1973, seguiram ocorrendo conflitos, onde o PAEMEHUTU assassinou aproximadamente 20 mil tutsis e provocou a fuga de 300 mil para os países vizinhos (Uganda, Burundi, Tanzânia). Nesse contexto, os tutsis também tiveram suas terras confiscadas e foram excluídos de todos órgãos administrativos.

Em 1973, o major general Juvénal Habyarimana, que era ministro da defesa e participante de outro setor do PARMEHUTU, dá um golpe de estado e destitui o seu primo Grégoire Kayibanda, dissolve a Assembléia Nacional e abole todas as atividades políticas. Em 1978, foram realizadas eleições que confirmaram a presidência de Habyarimana e a constituição do partido único. Em 1883 e 1888, novamente Habyarimana é reeleito. Contudo, a partir de meados da década de 1980, seu governo começa a ser questionado, fato que está relacionado com a crise econômica, devido à queda do preço do café, que “representava 75% das exportações”. Em 1990, em resposta a pressões públicas por reformas políticas, Habyarimana anunciou a intenção de transformar Ruanda numa democracia multipartidária. Neste mesmo ano, cerca de 7 mil exilados tutsis invadem Ruanda organizados na Frente Patriótica Ruandesa (FPR), efetuando uma série de confrontos com as tropas do governo.

Em 1994, no dia 6 de abril, Habyarimana e o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira, também hutu, morreram em um atentado contra o avião em que estavam. Tal episódio deu início a um genocídio contra os tutsis e hutus moderados, cujas mortes são estipuladas entre 800 mil e 1 milhão de pessoas (90% tutsi) em um lapso de cem dias. Tal episódio causou um deslocamento populacional de milhares de pessoas para campos de refugiados e países vizinhos, principalmente, para a República Democrática do Congo (que na época chamava-se Zaire), assim como um triste número de mulheres violentadas.

Poucos dias após o início do genocídio, a ONU, com dez baixas, abandona Ruanda junto com 600 residentes, em sua maioria, franceses. Somente em julho, enquanto o exército Frente Patriótica Ruandesa toma a capital Kigali, a ONU reenvia tropas para garantir a instauração de um novo Governo, no qual o general Paul Kagame, dirigente da FPR, ocupa o cargo de vice-presidente, tendo o hutu Bizimungu como presidente.

De forma geral, a maioria dos atores citados fazem referência ao estado de indigência que os territórios de Ruanda e Burundi ficaram após a espoliação econômica colonial e os conflitos permanentes, para os quais tal colonização contribuiu em grande parte. Atualmente, Ruanda, tem poucos recursos: a agricultura gera 46% do PIB, cultivam-se milho, sorgo, batata e amendoim, além de café e chá para exportação. O país possui gado bovino, caprino e suíno e reservas de gás natural, de tungstênio e de estanho. Como outros países africanos, Ruanda, após a independência política, inseriu-se perifericamente no mercado mundial caracterizado pela “deterioração constante do valor de seus produtos primários em relação aos bens industrializados produzidos nos países centrais” (MUNIZ FERREIRA, p.4).

Os interesses econômicos desses países ocidentais, contudo, prevalecem ditando a vida política do continente africano mesmo após as independências. Os monopólios e espoliações das riquezas africanas são hoje praticados pelas grandes corporações ditas multinacionais, por cujos interesses zelam os Estados centrais, num processo conhecido como neocolonialismo. A luta pelo poder em Ruanda é também uma luta entre interesses neocolonialistas. De uma forma geral, o que mais interessa aos países centrais é a própria instabilidade política do continente, permanecendo válida a máxima colonial “dividir para dominar”. O governo de Ruanda, em 1997, entrou em guerra com outros países situados na fronteira leste, a República Democrática do Congo, Uganda e Burundi, disputando as reservas de coltão (columbiotântalo), localizadas nas reservas florestais. O coltão é matéria prima para chips e conexões eletrônicas de baterias, tendo extrema importância na produção das mais diversas tecnologias, sendo 60% destinado à fabricação de aparelhos de telefone celulares. Mesmo sem ter o minério em seu território, Ruanda é hoje um dos maiores exportadores mundiais da matéria-prima. O interesse estratégico das grandes nações capitalistas relacionado ao minério já estavam colocados quando do genocídio de 1994 e estão por traz de seu Estado atual. É bom lembrarmos disso, pois quando tocamos em nossos celulares estamos sujando as mãos com sangue africano.

A ÁFRICA NO CINEMA E NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A breve história de Ruanda, que acabamos de expor, ajuda-nos a repensar muitos preconceitos que assumimos sobre a África como um todo. Essa história particular é desconhecida nos círculos do conhecimento histórico, seja ele universitário ou escolar, o que se reflete nos mais diversos âmbitos da cultura, como nos meios de comunicação e no cinema. Essa desinformação generalizada em relação à história africana possibilita a permanência da visão de uma África desprovida de história. A ignorância é o germe do preconceito.

Como vimos, algumas noções seguem sendo as mesmas. A categorização dos povos africanos em “tribos” remonta ao período da colonização e ainda hoje pode ser lida nas páginas dos jornais, pois os conflitos africanos chegam às salas de redação do mundo todo com manchetes prontas, geralmente provenientes das agências de notícias norte-americanas ou européias. No caso específico do Genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994, analisamos algumas notícias publicadas pela Zero Hora, jornal de grande circulação no Rio Grande do Sul, na cobertura sobre o acontecimento. Deparando-nos com o título da reportagem: “Primeira-ministra morre em guerra tribal”, publicada no dia 8 de abril de 1994, constatamos como, no Brasil, ainda se reproduz uma concepção estereotipada do continente africano, onde a idéia de “tribo” faz uma alusão direta à imagem de um espaço marcado pela “barbárie”.


Não apenas de palavras vivem essas idéias, mas também de muitas imagens. O poder taxativo alcançado pela supostamente séria e isenta imprensa mundial, ao empregar, sistematicamente, a palavra “tribo” em manchetes garrafais, parece encontrar um correspondente visual nos menos sérios e nada inocentes desenhos animados e histórias em quadrinhos. Neles, os povos africanos são comumente retratados em coloridos vivos com excessos de primitivismo e animalismo, geralmente como canibais seminus, adornados com colares de dentes e ossos no cabelo. No caso das agaquês, podemos citar os casos de “Tintin no Congo” (as obras de Hergé, por sinal, são características da reprodução de estereótipos eurocêntricos sobre diversos outros povos), bem como dos “Sobrinhos do Capitão”, “O Fantasma” e, claro, “Tarzan”. Esse é um dos exemplos mais claros e evidentes da persistência, na nossa era, da construção de estereótipos preconceituosos e imagens negativas e de estranhamento do outro (aqui, a idéia de “tribo” e sua imagem caricatural seguem sendo praticamente as mesmas do século XIX). Essa invenção da alteridade, já bastante antiga na história cultural dos choques de civilizações do mundo inteiro, apenas disseminou-se mais intensamente com a evolução das diversas mídias. Se há alguns séculos, o desconhecimento sobre os povos dos cinco continentes estava na origem dos preconceitos, hoje são os preconceitos que integram a informação que se transmite sobre esses povos.

Em termos de construção de imagens do outro e de sofisticação ideológica, o cinema atingiu níveis incomparáveis. Isso se deve, principalmente, ao fato de que o cinema, ao contar estórias (e histórias) através de imagens, transmite ao espectador a sensação de estar testemunhando de fato aquilo que está sendo representado nas telas, efeito conhecido como “impressão do real”. O cinema, entretanto, não é uma entidade autônoma, é um produto humano e fruto da sociedade industrial capitalista, surgido e desenvolvido na época das empresas coloniais. Quem define seus usos são seres humanos (historicamente condicionados, é bom lembrar). A imagem da África, no cinema, esteve sempre associada com o exotismo, onde sua natureza selvagem ocupa um papel destacado. Os povos africanos são, geralmente, retratados quase que como extensão dessa natureza, onde prevalece mais uma vez uma visão do primitivismo e da “barbárie”.

O cinema africano que se desenvolveu de forma profundamente desigual no que se refere à sua posição na economia-mundo capitalista – ou seja, quanto à disponibilidade de recursos e inserção no mercado, para citar apenas dois exemplos práticos – teve como característica marcante a oposição aos estereótipos sobre o continente. O cinema, talvez antes mesmo de se dedicar à imagem do outro, serviu à construção de identidades. No cinema norte-americano, detentor de uma hegemonia incontestável, esse processo identitário é um imperativo. Talvez o caso mais exemplar de todos seja mesmo o do primeiro longa metragem da história, “O nascimento de uma nação”, em que a identidade branca e marcadamente racista do país é colocada de forma clara e sincera. Esse filme, que remonta às origens do cinema, tem mais de um século, o cinema africano não. Nas antigas colônias francesas, por exemplo, a produção audiovisual por parte dos africanos era proibida por lei. A África teve de se tornar independente antes de poder produzir cinema, e isso faz apenas um pouco mais que meio século. Embora não tenhamos quase (para não dizer absolutamente) nenhum contato com o cinema africano, é bom saber que o continente está empenhado em construir sua própria imagem e identidade também através do cinema.

O cinema também abre um leque de possibilidades para, através dele, se escrever história, como é o caso da ficção histórica. Não são raros os casos em que esse tipo de cinema concebe, além de narrativas e reconstituições históricas, explicações históricas. Dessa forma, a produção cinematográfica se confunde com a historiográfica, erigindo um espaço particular do saber histórico. Tal empresa é tão fabulosa quanto problemática, sendo, todavia, maior a quantidade de obras de validade duvidosa do que daquelas que obtiveram sucesso. Um dos maiores problemas que contribui para isso, é que não se produzem filmes históricos (não incluindo aqui os documentários) tendo como objetivo primordial levar ao público conhecimentos históricos. O cinema firmou-se como uma mídia voltada ao entretenimento e, em função disso, desenvolveram-se os padrões e códigos de sua linguagem. Como bem lembra Marc Ferro, um dos pioneiros no estudo da relação entre o cinema e a história, “Na ficção histórica, o princípio da organização é dramático e estético. A história, neste caso, tanto se apresenta pela beleza de seus planos, quanto pelas guinadas da narrativa e do suspense. Mas a história tal como ela foi vivida ou tal como ela se finaliza , não obedece a uma regra estética – tampouco às leis do melodrama ou da tragédia.” (MARC FERRO, 2004, p. 7)

Por fim, há o problema do público, que se habituou a esses padrões. O cinema geralmente envolve uma escolha por parte do espectador de assistir ou não a um determinado filme (o que não se dá no caso da veiculação televisiva do cinema, grande responsável por fazer o hábito). O consumo do cinema é, então, um imperativo à produção do mesmo, o que também cria uma certa diferenciação entre aqueles filmes voltados ao divertimento do grande público e aqueles que primam por uma certa preocupação intelectual estética ou até histórica.

“HOTEL RWANDA”: RETRATO DE UM GENOCÍDIO

Quando um dos fatos mais trágicos da história recente do continente africano – o genocídio de Ruanda – completou uma década, em 2004, foram produzidos, praticamente simultâneos, filmes de ficção contemplando o tema. Dentre eles, sobressaiu-se “Hotel Rwanda”, produzido pelo diretor Terry George sob os auspícios da MGM. Grosso modo, o filme segue linhas muito semelhantes às trilhadas por uma série de outras produções recentes que têm a África contemporânea como tema. Em verdade, é a representatividade de tal fato histórico no contexto africano que o alçou às telas, pois o continente é interpretado e reproduzido pelos meios de comunicação como algo homogêneo e, portanto, o que se quer dizer nesses filmes, refere-se a toda África. Ruanda aqui não tem a menor importância enquanto singularidade histórica.

Essas e outras produções são classificadas sob um certo rótulo de “cinema-denúncia”, pois seu propósito temático seria o de denunciar os problemas que assolam o continente negro. Em suas tramas prevalece o protagonismo de heróis brancos, como é o caso de “O Jardineiro Fiel”, que denuncia a perversidade das corporações farmacêuticas que fazem uso de cobaias humanas no Quênia; ou “Diamantes de Sangue”, que retrata os conflitos causados pela exploração de pedras preciosas; ou mesmo “Tiros em Ruanda”, protagonizado por um jovem professor inglês envolvido em uma missão católica, que abriga refugiados tutsis durante o conflito. A denúncia que se pretende, no caso dos filmes sobre o genocídio, tem como alvo principal a omissão dos países ocidentais através da não intervenção e da retirada total das tropas da ONU naquele momento. De qualquer forma, os africanos são retratados como seres passivos (mais um velho estereótipo), incapazes de reagir politicamente ou de resolver seus próprios problemas, dependentes da ajuda humanitária que provém mundo civilizado.

“Hotel Rwanda” conta a história de Paul Rusesabagina, um ruandês hutu que trabalha como gerente de um grande Hotel da capital ruandesa, Kigali, e, durante o genocídio que se instaura no país, faz uso de sua posição e de suas relações para salvar a vida de centenas de pessoas. A obra diferencia-se do esquema de outros filmes por ter como herói protagonista um africano e por apresentar, portanto, uma perspectiva interna àquela sociedade. O personagem de Paul tem papel ativo no processo, desempenhado com astúcia e coragem, como requer o virtuosismo heróico. É carregado de uma dignidade humana que possibilita ao espectador identificar-se, contrariando, relativamente, o princípio de alteridade do africano. Sua representação heróica traz, todavia, essa contradição, pois ele é diferente dos outros. Em todo caso, quem assiste ao filme, ao acompanhar o desenrolar da trama, desincorpora muitos preconceitos e estereótipos.

A introdução do filme “Hotel Ruanda” é sugestiva para o espectador, pois ali expressa sua proposta quanto a uma tentativa de explicação histórica. Na ausência de imagens, apenas escuridão, é reproduzida o que seria uma propaganda radiofônica dos extremistas hutus. A voz soturna nos pergunta se queremos saber a razão de seu ódio pelos tutsis, ao que logo completa: a resposta estaria na sua história. Embora a propaganda aluda a tal resposta enquanto justificativa histórica ao genocídio, uma proposição moral alheia ao conhecimento histórico, a afirmação em si tem todo sentido. Em todo caso, a sugestão aqui é a de que o filme irá solucionar o problema.

De fato, o filme responde, mas não historicamente. Há apenas uma referência à origem colonial do conflito entre hutus e tutsis, mas é por demais passageira. Dá-se através de um diálogo envolvendo o recém chegado repórter, que busca entender a distinção entre hutus e tutsis, e Paul, que menciona a racialização dos dois grupos promovida pelos belgas. Não mais que uma breve menção, esse é o lugar ocupado pela raiz histórica do genocídio de Ruanda no filme. Embora não seja suficiente para fazer compreender, o fato de tal menção estar colocada é positivo. Em outro dialogo, em uma cena que apresenta a beleza da cultura africana (apesar de ter certo traço homogeneizante e, portanto, estereotipado) na dança de um grupo de meninas, Paul e seu motorista se perguntam o porquê de todo o conflito e de toda a violência. A resposta, segundo os personagens, estaria no ódio e na loucura. Toda a obra concorda com os personagens em suas cenas e representações. Em verdade, tal diálogo serve para expressar em palavras uma idéia que se quer passar.

O filme foi considerado por muitos uma versão africana de “A Lista de Schindler”, de Steven Spilberg, por razões óbvias. A comparação, guardadas as devidas restrições históricas que envolvem o genocídio ruandês e o holocausto, é bastante pertinente em alguns sentidos. O primeiro deles é o de podermos pensar a História da África assim como pensamos a história dita universal, de nos questionarmos o porquê de a abordagem étnica (ou tribal) ser aplicada aos africanos e não aos europeus. Em segundo, porque as duas obras compartilham dos problemas que decorrem de uma representação histórica romanceada. Os dois filmes privilegiam o retrato maligno dos nazistas e rebeldes hutus extremistas, os Interahamwe. Assim como “A lista de Schindler” não apresenta o nazismo em suas configurações políticas sintonizadas com o capitalismo, simplificando-o a sua doutrina racista, “Hotel Rwanda” incorre mais ou menos no mesmo problema. O maniqueísmo cinematográfico cria uma oposição extrema entre as partes envolvidas no conflito, que em nada ajuda a entender, apenas nos leva a acreditar que o ódio ou a loucura, ou seja, que um sentimento humano ou um estado de alteração psíquica seja a causa de uma guerra, ignorando as razões políticas, econômicas e sociais envolvidas.

A grande positividade do filme “Hotel Rwanda”, entretanto, é apresentar alguns traços políticos do conflito. No primeiro plano aberto do filme, que se dá em algum lugar da capital Kigali, vemos uma mobilização popular com a presença da antiga bandeira ruandesa e das camisas com as cores nacionais que simbolizariam o “poder hutu”. Ali o motorista do hotel que está com Paul é reconhecido e hostilizado por ser tutsi. Há aqui uma referência a um viés político relacionado ao racismo hutu. O poder político em Ruanda foi monopolizado por tutsisem benefício dos colonizadores até a independência do país, após, a mesma torna-se um campo de disputas que acaba incorporando a dimensão racial originada no período colonial anterior. Esse “poder hutu”, marcadamente extremista nesse sentido, ganhou espaço político por conta da dimensão majoritária dos hutus na composição social do país e por conta de um sentimento histórico de revolta intensificado pela exploração colonial, exercida em grande parte por intermédio do poder tutsi local.

Também está representada a inserção do conflito no contexto internacional. Algumas referências no filme ajudam a traçar esse panorama: o envolvimento do ex-presidente norte-americano Bill Clinton nas conversações de paz da guerra da Bósnia e a proveniência dos charutos cubanos e dos facões chineses de 10 cents são praticamente mensagens subliminares. Mas existem outras mais claras, como é o caso da presença da direção do hotel em Bruxelas, que mostra claramente as relações do capital transnacional com os estados centrais. Quando Paul telefona para o presidente da rede de hotéis pedindo ajuda, ele propõe que esse use sua influência para chegar ao Estado francês, que financiaria o exército hutu. Aqui está contida mais uma grande denúncia indireta, ou seja, a presença dos interesses dos países ocidentais no conflito. Embora o filme não mencione quais seriam esses interesses, é importante notar que Paul tinha consciência do financiamento estrangeiro aos exércitos e milícias no genocídio. O filme, dessa forma, desfaz a idéia de um conflito tribal, não só através do retrato de uma Ruanda contemporânea, como através da presença dos interesses políticos e econômicos, internos e externos, ligados a esse conflito.

Também difere dos demais filmes sobre o genocídio de Ruanda no que se refere à representação da sua dimensão e violência. Outras produções se valem de uma linguagem próxima a dos filmes de guerra recentes, que tomam parte de um certo fetiche da violência que é cada vez mais explorado no cinema ocidental. Neles, vemos a exposição cruenta dos assassinatos a facadas e pilhas de corpos, tudo com muito sangue cenográfico. Acontece que, para refletirmos sobre o genocídio, não contribui muito ficarmos em estado de choque. Em “Hotel Rwanda”, o retrato do genocídio se dá por intermédio da visão do protagonista, de forma que a consciência do genocídio por parte desse é gradual e muito mais realisticamente representada. O método dos assassínios e a quantidade de mortes são sugeridos de forma mais indireta no filme, tornando sua trama muito mais complexa e rica. A brutalidade das execuções é apresentada a nós e ao protagonista pela primeira vez através de uma cena filmada à distância pelo cinegrafista. Mais tarde, a cena do microônibus atolando em corpos é mais que suficiente. Outra marca terrível do genocídio são os estupros que, ao invés de serem encenados, também são retratados de forma indireta, quando vemos mulheres nuas e seminuas engaioladas com evidentes sinais de dor e pânico. O final feliz para o protagonista e sua família, entretanto, vai na contra mão de representar a magnitude dos resultados do conflito, pois as estatísticas dificilmente corroboram tal desfecho. Ali parece ser colocada uma pedra sobre um conflito que, entretanto, legou um trauma profundo na sociedade ruandesa e se mantém em grande medida latente hoje.

Não nos interessa aqui fazer uma crítica cinematográfica do filme “Hotel Ruanda”, mas sim avaliar sua contribuição para a compreensão histórica do genocídio de Ruanda. Desse ponto de vista, acreditamos que o resultado final do filme acaba por ser negativo por dois motivos fundantes. O primeiro deles, é o de que o filme retrata o genocídio de 1994 enquanto fato isolado de um processo. Não podemos compreendê-lo, de forma alguma, se não entendermos que Ruanda tem uma longa história anterior. Assim, ele esquece que o genocídio faz parte de um processo histórico muito maior e, por isso, em quase nada nos faz compreender. Parece existir um grande tabu no cinema sobre o colonialismo. O segundo motivo decorre do primeiro, uma vez que a ausência de um processo histórico nos leva a considerar os conflitos e problemas da África como atávicos. A informação, no cinema, como em qualquer outra mídia, apresenta sempre um problema adicional: o da não-informação, do não dito ou não mostrado. Esse é o sentido ideológico do filme, embora sutil, e é assim que ele compartilha dos mesmos problemas que as demais produções sobre o continente.

É bom lembrar que o cinema responde a certos interesses. A distribuição da indústria cinematográfica no mundo corresponde ao capitalismo mundial, estando concentrada nos seus centros -os Estados Unidos e a Europa-, sendo o resto do mundo periferia, dentre as quais a África se destaca como a maior de todas elas. Por isso, quando esse cinema hegemônico se põe a retratar a periferia, no caso, a África, geralmente o faz sob a marca da alteridade, acompanhada de uma visão negativa e estereotipada. Mesmo quando ele se pretende crítico e denunciante, apresenta muitos limites para suas críticas e denúncias. Esse cinema, que parece ser movido por um sentimento de culpa com relação ao passado, não ousa, entretanto, tocar nas feridas do presente. Ele responde primeiramente a seus próprios interesses e, por fim, cala sobre tudo que não convém ser dito.


REFERÊNCIAS:

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KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, Vol. I e II. Publicações Europa – América. Portugal, 1999, 3ª edição.

M’BOKOLO, Elikia. Equatorial West África. In: General History of Africa -UNESCO. Vol. VIII: Africa since 1935. Berkeley: University of California Press, 1999. OGOT, Bethwell Allan. A região dos Grandes Lagos. In: NIANE, D.T (org) História Geral da África. Vol. IV: A África do século XII ao século XVI. São Paulo: Ática Unesco, 1980 – 88.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares: representações e imprecisões na literatura didática. Estudos afro-asiáticos , Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, 2003. Disponível em: . Acesso em: 31 Ago 2007.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da áfrica em perspectiva. In: Revista Múltipla, Brasília, 10 (16): 9-40, junho, 2004.

FERREIRA, Muniz Gonçalves. A África contemporânea: dilemas e possibilidades. Disponível em: Acesso em 31 de agosto de 2007.

RIBEIRO, Luiz Dario. Descolonização Africana. In: Ciências & Letras -Revista da Faculdade Porto Alegre, Porto Alegre, n. 21 e 22, p. 51-72, 1998.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Capitalismo ou Socialismo – Outra sociedade?

, por Runildo Pinto

Depois que o “Socialismo Real” na URSS, especificamente na Rússia de hoje, ruiu, ficou a impressão de que o socialismo morreu. Há aqueles que apresentam o argumento de que tanto o capitalismo como o socialismo não deram certo. Afirmam que precisamos de um modelo alternativo para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Toda sociedade, por mais controlada e monolítica que seja, não impede que o metabolismo social venha a prevalecer. Muitas vezes, sociedades de tradições patriarcais desenvolvem um outro modelo, oriundo de uma ebulição social, consolidando uma transformação legitimamente viável, ainda assim predominam, na nova sociedade, comportamentos e hábitos culturais e institucionalizados, vivenciados por toda a história de um determinado país. O aperfeiçoamento e a substituição destes hábitos da antiga sociedade dependem das mudanças nas relações desta população com os meios de produção e, quanto maior for a participação da sociedade em seus rumos, maior é o aumento da energia cinética social-humana e, por conseguinte, alcança uma elevação no grau de instrução desta população, tanto institucionais, como culturais com mecanismos criados pelas reais necessidades da dinâmica participativa.

Não há um modelo capitalista ou socialista pronto para cada sociedade ou país, como se fosse uma receita de bolo. Cada uma tem suas características próprias: geopolíticas, histórica, costumes, desenvolvimento dos meios de produção diferenciados etc. No caso do capitalismo, que ganhou proporções mundiais e uma capacidade de se recriar espantosa, este sistema pode ser substituído por outro. Há contradições que podem provocar, em determinadas condições, aqui, ali ou acolá, revoltas e convulsões sociais que alterem os rumos e o modelo vigente, dependendo das classes sociais envolvidas. Estas mudanças podem alterar radicalmente as estruturas políticas e econômicas, ecológicas etc. Quanto ao socialismo, segue a mesma dinâmica. Pode haver retrocessos ou avanços, ambos sofrem a influência da capacidade hegemônica mundial vigente, sendo uma conjuntura com potenciais latentes de antagonismos e congruências.

Cientificamente, o ser-humano desde que se conhece homo sapiens, evoluiu de acordo com os avanços e retrocessos dos meios de produção. A sociedade caminha ao livre-arbítrio das classes historicamente em disputa. Ingênua e sem base teórico-prática é a idéia de que existe uma sociedade alternativa à capitalista e à socialista. O que há são matizes características a cada país geopoliticamente inserido. A história da ciência apontou este caminho, pois a visão empírica da realidade tende a cunhar seu um ponto de vista individual, pessoal, embarcando numa aventura através do contexto social complexo baseado na experiência. O que é insuficiente para apontar outros rumos. Essa visão geralmente é extraída de influências religiosas ou crenças esotéricas, como: tarô, numerologia, quiromancia ou espiritismo e da astrologia e seus desdobramentos metafísicos e pós-modernos, como o holismo, o ecletismo e a entropia da sociedade (“vale tudo” que banaliza a vida).

Portanto, é um ponto de vista fatalista e ingênuo, dado por uma concepção empírica e niilista da história. O maniqueísmo filosófico que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo, fundamenta tais possibilidades sem a reflexão necessária e o rigor da dialética, por isso sem métodos, sem historicidade e sem sustentabilidade científica. Configura-se uma concepção mecânica do meio humano de vida no planeta. A reprodução da vida na terra é uma condição materialista de relações que existem tanto na natureza como na história e no pensamento, implica movimento e transformação. O movimento das coisas constitui o elemento primário e as contradições geradas que se produzem nas idéias são apenas o reflexo do movimento real.

Porto Alegre, 30/08/2007


Por que Zurdo?

O nome do blog foi inspirado no filme Zurdo de Carlos Salcés, uma película mexicana extraordinária.


Zurdo em espanhol que dizer: esquerda, mão esquerda.
E este blog significa uma postura alternativa as oficiais, as institucionais. Aqui postaremos diversos assuntos como política, cultura, história, filosofia, humor... relacionadas a realidades sem tergiversações como é costume na mídia tradicional.
Teremos uma postura radical diante dos fatos procurando estimular o pensamento crítico. Além da opinião, elabora-se a realidade desvendando os verdadeiros interesses que estão em disputa na sociedade.

Vos abraço com todo o fervor revolucionário

Raoul José Pinto



ZZ - ESTUDAR SEMPRE

  • A Condição Pós-Moderna - DAVID HARVEY
  • A Condição Pós-Moderna - Jean-François Lyotard
  • A era do capital - HOBSBAWM, E. J
  • Antonio Gramsci – vida e obra de um comunista revolucionário
  • Apuntes Criticos A La Economia Politica - Ernesto Che Guevara
  • As armas de ontem, por Max Marambio,
  • BOLÍVIA jakaskiwa - Mariléia M. Leal Caruso e Raimundo C. Caruso
  • Cultura de Consumo e Pós-Modernismo - Mike Featherstone
  • Dissidentes ou mercenários? Objetivo: liquidar a Revolução Cubana - Hernando Calvo Ospina e Katlijn Declercq
  • Ensaios sobre consciência e emancipação - Mauro Iasi
  • Esquerdas e Esquerdismo - Da Primeira Internacional a Porto Alegre - Octavio Rodríguez Araujo
  • Fenomenologia do Espírito. Autor:. Georg Wilhelm Friedrich Hegel
  • Fidel Castro: biografia a duas vozes - Ignacio Ramonet
  • Haciendo posible lo imposible — La Izquierda en el umbral del siglo XXI - Marta Harnecker
  • Hegemonias e Emancipações no século XXI - Emir Sader Ana Esther Ceceña Jaime Caycedo Jaime Estay Berenice Ramírez Armando Bartra Raúl Ornelas José María Gómez Edgardo Lande
  • HISTÓRIA COMO HISTÓRIA DA LIBERDADE - Benedetto Croce
  • Individualismo e Cultura - Gilberto Velho
  • Lênin e a Revolução, por Jean Salem
  • O Anti-Édipo — Capitalismo e Esquizofrenia Gilles Deleuze Félix Guattari
  • O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum - Antoine Compagnon
  • O Marxismo de Che e o Socialismo no Século XXI - Carlos Tablada
  • O MST e a Constituição. Um sujeito histórico na luta pela reforma agrária no Brasil - Delze dos Santos Laureano
  • Os 10 Dias Que Abalaram o Mundo - JOHN REED
  • Para Ler O Pato Donald - Ariel Dorfman - Armand Mattelart.
  • Pós-Modernismo - A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio - Frederic Jameson
  • Questões territoriais na América Latina - Amalia Inés Geraiges de Lemos, Mónica Arroyo e María Laura Silveira
  • Simulacro e Poder - uma análise da mídia, de Marilena Chauí (Editora Perseu Abramo, 142 páginas)
  • Soberania e autodeterminação – a luta na ONU. Discursos históricos - Che, Allende, Arafat e Chávez
  • Um homem, um povo - Marta Harnecker

zz - Estudar Sempre/CLÁSSICOS DA HISTÓRIA, FILOSOFIA E ECONOMIA POLÍTICA

  • A Doença Infantil do Esquerdismo no Comunismo - Lênin
  • A História me absolverá - Fidel Castro Ruz
  • A ideologia alemã - Karl Marx e Friedrich Engels
  • A República 'Comunista' Cristã dos Guaranis (1610-1768) - Clóvis Lugon
  • A Revolução antes da Revolução. As guerras camponesas na Alemanha. Revolução e contra-revolução na Alemanha - Friedrich Engels
  • A Revolução antes da Revolução. As lutas de classes na França - de 1848 a 1850. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. A Guerra Civil na França - Karl Marx
  • A Revolução Burguesa no Brasil - Florestan Fernandes
  • A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky - Lênin
  • A sagrada família - Karl Marx e Friedrich Engels
  • Antígona, de Sófocles
  • As tarefas revolucionárias da juventude - Lenin, Fidel e Frei Betto
  • As três fontes - V. I. Lenin
  • CASA-GRANDE & senzala - Gilberto Freyre
  • Crítica Eurocomunismo - Ernest Mandel
  • Dialética do Concreto - KOSIK, Karel
  • Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico - Friedrich Engels
  • Do sonho às coisas - José Carlos Mariátegui
  • Ensaios Sobre a Revolução Chilena - Manuel Castells, Ruy Mauro Marini e/ou Carlos altamiro
  • Estratégia Operária e Neocapitalismo - André Gorz
  • Eurocomunismo e Estado - Santiago Carrillo
  • Fenomenologia da Percepção - MERLEAU-PONTY, Maurice
  • História do socialismo e das lutas sociais - Max Beer
  • Manifesto do Partido Comunista - Karl Marx e Friedrich Engels
  • MANUAL DE ESTRATÉGIA SUBVERSIVA - Vo Nguyen Giap
  • MANUAL DE MARXISMO-LENINISMO - OTTO KUUSINEN
  • Manuscritos econômico filosóficos - MARX, Karl
  • Mensagem do Comitê Central à Liga dosComunistas - Karl Marx e Friedrich Engels
  • Minima Moralia - Theodor Wiesengrund Adorno
  • O Ano I da Revolução Russa - Victor Serge
  • O Caminho do Poder - Karl Kautsky
  • O Marxismo e o Estado - Norberto Bobbio e outros
  • O Que Todo Revolucionário Deve Saber Sobre a Repressão - Victo Serge
  • Orestéia, de Ésquilo
  • Os irredutíveis - Daniel Bensaïd
  • Que Fazer? - Lênin
  • Raízes do Brasil - Sérgio Buarque de Holanda
  • Reforma ou Revolução - Rosa Luxemburgo
  • Revolução Mexicana - antecedentes, desenvolvimento, conseqüências - Rodolfo Bórquez Bustos, Rafael Alarcón Medina, Marco Antonio Basilio Loza
  • Revolução Russa - L. Trotsky
  • Sete ensaios de interpretação da realidade peruana - José Carlos Mariátegui/ Editora Expressão Popular
  • Sobre a Ditadura do Proletariado - Étienne Balibar
  • Sobre a evolução do conceito de campesinato - Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA

  • 1984 - George Orwell
  • A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
  • A Espera dos Bárbaros - J.M. Coetzee
  • A hora da estrela - Clarice Lispector
  • A Leste do Éden - John Steinbeck,
  • A Mãe, MÁXIMO GORKI
  • A Peste - Albert Camus
  • A Revolução do Bichos - George Orwell
  • Admirável Mundo Novo - ALDOUS HUXLEY
  • Ainda é Tempo de Viver - Roger Garaud
  • Aleph - Jorge Luis Borges
  • As cartas do Pe. Antônio Veira
  • As Minhas Universidades, MÁXIMO GORKI
  • Assim foi temperado o aço - Nikolai Ostrovski
  • Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez
  • Contos - Jack London
  • Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski
  • Desonra, de John Maxwell Coetzee
  • Desça Moisés ( WILLIAM FAULKNER)
  • Don Quixote de la Mancha - Miguel de Cervantes
  • Dona flor e seus dois maridos, de Jorge Amado
  • Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
  • Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago
  • Fausto - JOHANN WOLFGANG GOETHE
  • Ficções - Jorge Luis Borges
  • Guerra e Paz - LEON TOLSTOI
  • Incidente em Antares, de Érico Veríssimo
  • Memórias do Cárcere - Graciliano Ramos
  • O Alienista - Machado de Assis
  • O amor nos tempos do cólera - Gabriel García Márquez
  • O Contrato de Casamento, de Honoré de Balzac
  • O Estrangeiro - Albert Camus
  • O homem revoltado - Albert Camus
  • O jogo da Amarelinha – Júlio Cortazar
  • O livro de Areia – Jorge Luis Borges
  • O mercador de Veneza, de William Shakespeare
  • O mito de Sísifo, de Albert Camus
  • O Nome da Rosa - Umberto Eco
  • O Processo - Franz Kafka
  • O Príncipe de Nicolau Maquiavel
  • O Senhor das Moscas, WILLIAM GOLDING
  • O Som e a Fúria (WILLIAM FAULKNER)
  • O ULTIMO LEITOR - PIGLIA, RICARDO
  • Oliver Twist, de Charles Dickens
  • Os Invencidos, WILLIAM FAULKNER
  • Os Miseravéis - Victor Hugo
  • Os Prêmios – Júlio Cortazar
  • OS TRABALHADORES DO MAR - Vitor Hugo
  • Por Quem os Sinos Dobram - ERNEST HEMINGWAY
  • São Bernardo - Graciliano Ramos
  • Vidas secas - Graciliano Ramos
  • VINHAS DA IRA, (JOHN STEINBECK)

ZZ - Estudar Sempre/LITERATURA GUERRILHEIRA

  • A Guerra de Guerrilhas - Comandante Che Guevara
  • A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde - Omar Cabezas
  • Da guerrilha ao socialismo – a Revolução Cubana - Florestan Fernandes
  • EZLN – Passos de uma rebeldia - Emilio Gennari
  • Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971; Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá
  • O Diário do Che na Bolívia
  • PODER E CONTRAPODER NA AMÉRICA LATINA Autor: FLORESTAN FERNANDES
  • Rebelde – testemunho de um combatente - Fernando Vecino Alegret

ZZ- Estudar Sempre /GEOGRAFIA EM MOVIMENTO

  • Abordagens e concepções de território - Marcos Aurélio Saquet
  • Campesinato e territórios em disputa - Eliane Tomiasi Paulino, João Edmilson Fabrini (organizadores)
  • Cidade e Campo - relações e contradições entre urbano e rural - Maria Encarnação Beltrão Sposito e Arthur Magon Whitacker (orgs)
  • Cidades Médias - produção do espaço urbano e regional - Eliseu Savério Sposito, M. Encarnação Beltrão Sposito, Oscar Sobarzo (orgs)
  • Cidades Médias: espaços em transição - Maria Encarnação Beltrão Spósito (org.)
  • Geografia Agrária - teoria e poder - Bernardo Mançano Fernandes, Marta Inez Medeiros Marques, Júlio César Suzuki (orgs.)
  • Geomorfologia - aplicações e metodologias - João Osvaldo Rodrigues Nunes e Paulo César Rocha
  • Indústria, ordenamento do território e transportes - a contribuição de André Fischer. Organizadores: Olga Lúcia Castreghini de Freitas Firkowski e Eliseu Savério Spósito
  • Questões territoriais na América Latina - Amalia Inés Geraiges de Lemos, Mónica Arroyo e María Laura Silveira