 , por Fernando Ramón Bossi
1) A ALBA é um projecto histórico 2) A ALBA é uma criação heróica 3) A ALBA sustenta-se nas potencialidades da América Latina e do Caribe 4) A ALBA apoia-se em valores anticapitalistas 5) A ALBA é uma construção popular 6) A ALBA é um capítulo do processo revolucionário mundial 7) A ALBA es uma forma de integração que não parte do mercantil 8) A ALBA é uma ferramenta política 9) A ALBA é o programa da revolução latino-americana caribenha 10) A ALBA é um salto estratégico para uma nova etapa Quero agradecer aos organizadores deste acontecimento o convite e partilhar convosco algumas reflexões sobre a ALBA.
Devo dizer que é uma verdadeira honra participar nesta tribuna com dirigentes da dimensão de Jorge Ceballos, coordenador nacional do Movimento Bairros de Pé e membro do Secretariado Político do Congresso Bolivariano dos Povos, e também com o amigo Aníbal Mellano, genuíno representante das pequenas e médias empresas argentinas, homem comprometido com a causa dos povos.
Sucede normalmente, nas conferências em que o tema central é a ALBA, Alternativa Bolivariana para a América, não se falar do ALBA, mas falar-se sobre a ALCA. Disserta-se sobre a ALCA, coloca-se todos os males que contém esta proposta imperialista e conclui-se que a ALBA é o seu contrário. No máximo citam-se alguns exemplos: Petrosur, Telesur, ou o Banco do Sul. Poucas vezes se tenta explicar a proposta bolivariana de integração mas, é necessário dize-lo, não é só uma resposta à ALCA, não é só isso, pois transcende-a em todos os aspectos.
É por isso que, com a intenção de não repetir a tradicional conferência sobre a ALBA, onde não se fala da ALBA, mas da ALCA, que assumi a tarefa de esboçar 10 pontos de aproximação à proposta ALBA e ao papel dos povos na sua construção.
1) A ALBA É UM PROJECTO HISTÓRICO
Apesar de nascer como uma proposta alternativa à ALCA, a ALBA responde a uma velha e permanente confrontação entre os povos latino-americanos caribenhos e o imperialismo. Monroeísmo contra o Bolivarismo talvez seja a melhor maneira de colocar os projectos em luta. O primeiro, é o que se resume ao "América para os americanos", na realidade "América para os norte-americanos". Este, é o projecto imperialista, de dominação, saque e rapina. O segundo é a proposta de unidade dos povos latino-americanos caribenhos, a ideia do Libertador Simón Bolívar de criar uma Confederação de Repúblicas. Em síntese: uma proposta imperialista enfrentada por uma proposta de libertação. Hoje, ALCA contra ALBA.
Devemos compreender que a ALBA reconhece os seus antecedentes na melhor tradição das lutas pela independência e pela unidade.
Aí aparece-nos, então, a figura do Precursor, Francisco Miranda, com um Plano de Governo para esta região, a que ele chamava Colômbia. E encontramo-nos, sem dúvida, com a obra e o pensamento do Libertador Simón Bolívar. É necessário ler, estudar, reflectir sobre a "Carta de Jamaica", o seu discurso no congresso de Angostura, a carta a Martin de Pueyrredón, a Convocatória para o Congresso Anfictiónico do Panamá, os acordos Mosquera-Monteagudo, Mosquera-O'Higgins, Santamaria-Alaman, a correspondência com José de San Martin e tantos outros documentos que anunciam o caminho da ALBA.
E tampouco podemos esquecer-nos de Sucre, das proclamações de Hidalgo e Morelos, do general San Martin, de Artigas e da sua reforma agrária, da "Lei Gaúcha" de Guemes, do Plano de Operações de Mariano Moreno, dos escritos económicos de Belgrano, da obra do hondurenho Cecílio del Valle e da luta pela Confederação de Francisco Morazán. Em todo esse período de não mais de 20 anos, gerou-se, através do pensamento e da acção, doutrina revolucionária, programas, projectos, empreendimentos e leis conducentes à integração e à independência com justiça social. Creio que é um dos períodos mais brilhantes da nossa história.
Mas também, nessa mesma direcção, depois da derrota do projecto bolivariano, as forças populares recompuseram-se e voltaram à histórica luta. Levantam bandeiras de unidade Eloy Alfaro no Equador, Martí em Cuba, Ezequiel Zamora na Venezuela, Felipe Varela na Argentina, Ramón Emeterio Betances em Porto Rico... e tantos outros.
Também o grande patriota e revolucionário nicaraguense "O General de Homens Livres", Augusto César Sandino, escreverá o seu projecto de unidade latino-americana: "Plano para a realização do sonho supremo de Bolívar". Isto, para mencionar, apenas, alguns marcos da nossa história.
Ao procurar mais recentemente, aparecem Perón e Getúlio Vargas com o ABC; Salvador Allende e a Universidade Latino-americana; a voz de Fidel dizendo-nos que "só haverá salvação na unidade"; Francisco Caamaño desde a República Dominicana; Velasco Alvarado desde o Peru mariateguista e tupamarista; Torres e Marcelo Quiroga Santa Cruz desde a Bolívia; Omar Torrijos desde o Panamá; Carlos Fonseca desde a Nicarágua; João Goulart desde o Brasil; Gaitán desde a Colômbia; Che Guevara desde toda a Nossa América... Enfim... vozes guias que marcam um rumo para a unidade e para a segunda e definitiva independência.
É por isso que o ALBA tem antecedentes gloriosos, vem das profundezas da América insurrecta, tem raízes, fundas raízes que a convertem num projecto histórico de construção da Pátria Grande.
2) A ALBA É UMA CRIAÇÃO HERÓICA
Como bem assinalava o amauta [1] peruano José Carlos Mariátegui, a revolução nesta parte do mundo será "criação heróica, nunca cópia ou decalque". "Ou inventamos ou erramos", dizia-nos Simón Rodriguez. Vale a pena dizer que a tarefa de construir a ALBA será sem manuais ou "fórmulas mágicas".
De nada servem os exemplos da União Europeia nem, muito menos, a forma como os Estados Unidos alcançaram a sua unidade, à custa de rapina, genocídio indígena e invasões. A União Europeia também não, porque essa união estabelece-se de maneira defensiva, sob parâmetros do capitalismo e só para acumular força na sua concorrência com os Estados Unidos e o Japão. A União Europeia é uma estratégia de uma série de países no quadro da luta inter-capitalista e interimperialista. Nenhum destes são modelos de integração que possam servir aos latino-americanos caribenhos.
É por isso que os americanos do Sul terão que inventar, mergulhar na nossa história, escutar as "vozes do passado que nos iluminam o futuro", no dizer de Eduardo Galeano; implantar um modelo endógeno regional que conduza à unidade, que seja produto da nossa própria obra, para cobrir as nossas necessidades e representar os nossos interesses.
3) A ALBA SUSTENTA-SE NAS POTENCIALIDADES DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE
América Latina e Caribe é uma das regiões mais ricas em recursos naturais do planeta. Aproveitar as nossas potencialidades é a chave para o desenvolvimento e bem-estar dos nossos povos.
Onde estão as nossas potencialidades e de que modo as aproveitamos hoje? Onde quer que procuremos, encontramos riquezas imensas no nosso continente. Mas também encontraremos que essas mesmas riquezas não são estruturadas pelos nossos povos. É por isso que em imensas planícies não melhoráveis para a agricultura e pasto, com uma potencialidade infinita para produzir alimentos, encontramos homens que passam fome.
Por outro lado, a nossa região é rica em energia e minerais: Petróleo, gás, carvão e energia eléctrica graças a enormes recursos hídricos. Tampouco nos falta o ferro, cobre, estanho, zinco, alumínio, ouro, prata cimento, cal. No entanto, a ausência de indústrias e o processo de desindustrialização, desencadeado pela implementação das políticas neoliberais, é outro dado da realidade.
Temos a maior reserva de água potável do planeta, um recurso que hoje é estratégico e sê-lo-á muito mais nos próximos anos. Mas apesar de toda essa imensa riqueza, mais de 30% das 500 mil crianças que nos morrem por ano, por razões que seriam facilmente evitáveis, morrem de diarreia infantil, por causa da falta de água potável.
Somos uma das regiões mais ricas em biodiversidade. Por outro lado também somos a região onde mais espécies se vão extinguindo pela acção irracional das empresas transnacionais.
Temos uma cultura de milhões de anos que foi sistematicamente negada pela cultura elitista e estrangeirada. O contributo das culturas dos povos originários, a sua relação com a natureza e a sua cosmovisão têm que ser incorporadas urgentemente pelas nossas sociedades, na luta pela melhoria da convivência humana e a vida em harmonia com o ambiente. A diversidade e a originalidade são os pilares fundamentais de uma frondosa cultura latino-americana caribenha que até hoje foi sequestrada e negada pelos próprios latino-americanos caribenhos.
Também contamos, dentro das enormes potencialidades, com uma história digna, de um povo que nunca se resignou à submissão e à vassalagem. Enquanto os europeus se jactam de ter parido um Alexandre Magno, um César, um Napoleão, nós, os latino-americanos caribenhos, podemos dizer com orgulho que esta foi terra de Libertadores, nunca de conquistadores.
Em síntese: terras férteis, rios importantes, biodiversidade, energia, minerais, uma cultura milenar e uma história heróica de luta são as riquezas principais que sustentam a construção da ALBA.
4) A ALBA APOIA-SE EM VALORES ANTICAPITALISTAS
A ALBA está assente em quatro elementos que são impensáveis dentro dos parâmetros do capitalismo:
a) A complementaridade b) A cooperação c) A solidariedade d) O respeito pela soberania dos países
Exemplifiquemos com base nos acordos já alcançados:
a) Complementaridade: Aqui encontram-se, entre outros, os acordos entre a Argentina e a Venezuela. A Argentina produz alimentos que hoje a Venezuela necessita e a Venezuela tem combustíveis que para a Argentina de hoje são indispensáveis. Complementaridade na base das nossas potencialidades.
b) Cooperação: Acordos petrolíferos entre o Brasil e Venezuela. O Brasil especializa-se na exploração petrolífera "mar adentro"; a Venezuela na produção em "terra firme". Aí estabelece-se um acordo de cooperação, cada um socializa os seus conhecimentos nas áreas em está mais especializado.
c) Solidariedade: Petrocaribe. Os países caribenhos têm muito pouca riqueza em hidrocarbonetos. A Venezuela, de modo solidário – sem oferecer nada – ajuda estes países a adquirir combustíveis a preços justos.
d) Respeito pela soberania: Todos os acordos, sem excepção, se fazem no respeito pela soberania e o direito à autodeterminação de cada nação subscritora.
5) A ALBA É UMA CONSTRUÇÃO POPULAR
A ALBA é inconcebível sem a participação dos povos, que é "vital como o oxigénio para os seres humanos", disse o comandante Chávez.
Já há muitos anos atrás, o general Perón se tinha manifestado sobre este tema, colocando a importância da participação popular na tarefa da integração. Dizia o três vezes presidente dos argentinos, no mesmo sentido em que o afirma Chávez, que a presença dos povos na luta pela unidade latino-americana caribenha é essencial, "porque os indivíduos morrem, os governos passam, mas os povos ficam".
E nessa tarefa titânica é que os povos definirão o seu futuro.
6) A ALBA É UM CAPÍTULO DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO MUNDIAL
A tarefa dos povos é titânica, colossal, como consequência dos desafios que o momento presente coloca. Vejamos por exemplo:
Sem a participação activa dos povos é impossível, para qualquer dos nossos países, alcançar a verdadeira independência. Porque não pode haver independência sem justiça social, "de que vale a independência, Simón, se os pobres continuam a mendigar, se os índios continuam a estender a mão para pedir esmola!", escrevia Manuela Saenz ao Libertador, quando este já marchava para a tumba, derrotado pelos interesses egoístas das oligarquias nativas e o colonialismo.
Mas essa independência com justiça social não se alcançará se os povos não avançarem para a unidade latino-americana caribenha, porque só nessa unidade é que se consolidará a verdadeira independência e justiça social.
E essa unidade da Nossa América também não será suficiente se não alcançarmos uma nova ordem mundial, não capitalista, que alcance a harmonia entre as nações, a convivência pacífica entre os seres humanos e uma nova relação com o ambiente e a natureza.
Equivale a dizer que a tarefa dos povos é de luta permanente até alcançar um mundo com justiça, liberdade e igualdade. A ALBA, então, será um sucesso, um escalão nesta cadeia de objectivos do processo revolucionário necessário para conservar a espécie humana e enterrar qualquer forma de exploração do homem pelo homem. 7) A ALBA É UMA FORMA DE INTEGRAÇÃO QUE NÃO PARTE DO MERCANTIL
O que temos de fazer em primeiro lugar, na nova proposta de integração, é romper com a lógica capitalista, a lógica do lucro e da ganância, a lógica da concorrência, a lógica crematística. A ALBA deve partir da integração em primeira instância, depois do político e do social. E isto implica uma mobilização popular.
Aí temos, a partir do social, tarefas que já se estão a cumprir e outras que deverão atacar-se com a mobilização das forças populares: campanhas de alfabetização, de vacinação, de cuidados médicos, a rede de universidades populares, de centros de artes e ofícios, a rede dos meios de comunicação alternativos, a central dos trabalhadores latino-americanos caribenhos, a central de camponeses da Nossa América, a rede de defesa dos nossos recursos naturais, enfim, uma quantidade de empreendimentos que deverão sair do meio do povo e dos governos progressistas do continente. Assim, a partir do político, devemos incentivar iniciativas como a formação da rede de Parlamentares para a Integração, constituída em S. Salvador, a iniciativa da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMNL) e o Congresso Bolivariano dos Povos; contribuir para formar uma poderosa rede de alcaides e intendentes latino-americanos caribenhos, que impulsionem mecanismos de integração a partir do poder local; o apoio e a solidariedade permanente com as forças políticas progressistas que aspiram a bons resultados nas eleições que se avizinham por todo o continente... Aí estão os compatriotas Evo Morales, Andrés Lopez Obrador e Daniel Ortega, futuros presidentes da Bolívia, México e Nicarágua, respectivamente.
Resumindo, é cada vez mais necessário que as forças políticas e sociais da América Latina Caribenha, as forças democráticas, patrióticas, anti-imperialistas, revolucionárias se constituam num poderoso movimento popular latino-americano e do Caribe e actuem coordenas, como um verdadeiro Estado Maior da revolução na Nossa América.
8) A ALBA É UMA FERRAMENTA POLÍTICA
A ALBA deve ser uma ferramenta política para a libertação. Agora, como toda a ferramenta, deverá ser eficiente e flexível face às circunstâncias. Porque digo isto? Porque creio que a ALBA deverá também actuar como barreira de contenção perante as novas tácticas que o imperialismo utilizará para nos dominar. Por exemplo: Face à derrota imperial de impor o ALCA com uma mãozada, aparecem os "alquinhas", os Tratados de Livre Comércio (TLC), como um caminho indirecto para chegar à ALCA.
O governo estadunidense pretende aproveitar a maior debilidade que temos, nós os latino-americanos caribenhos: a desunião. Então aplicam a fórmula, inteligentemente diria eu, de derrotar-nos um a um.
Mas a essa nova iniciativa colonialista, que é a proposta de vinte e picos alquinhas ou TLCs, que somados paririam a ALCA, nós, os povos da Nossa América, com os governos progressistas e as organizações populares, teremos que impor-lhes 100 "albitas", 1.000 "albitas", 10.000 "albitas". Cada um destes acordos que se realizem com o espírito da ALBA serão sólidos tijolos na construção da Confederação de Repúblicas Latino-americanas Caribenhas. Essa é a tarefa de hoje das forças populares pela integração.
9) A ALBA É O PROGRAMA DA REVOLUÇÃO LATINO-AMERICANA CARIBENHA
Os povos da Nossa América passaram a uma nova etapa. Devemos dar o salto da etapa de protesto (sem deixá-la de lado, naturalmente), para a etapa das propostas. A resistência é necessária, mas já chegou a hora de passar à ofensiva.
Por isso o Programa ALBA deve ser construído com os povos e deve ser divulgado entre os povos. Três etapas próprias de toda a luta revolucionária devem ser trabalhadas também na construção da ALBA:
a) Educar, convencer sobre a necessidade da ALBA. b) Propagandear e difundir entre as massas populares a "boa nova" da ALBA. c) Organizar e mobilizar em torno da construção concreta da integração dos povos.
Como muito bem dizia o chanceler venezuelano Alí Rodríguez, "é necessário que os povos sintam os benefícios da integração". Essa é a tarefa das forças populares, fazer chegar os benefícios através das campanhas e missões sociais.
Recomendo a leitura do folheto "Construindo o ALBA a partir dos povos" , um verdadeiro programa revolucionário de integração, que surgiu das propostas das organizações populares latino-americanas reunidas numa infinidade de acontecimentos e através de vários anos de luta e esforços. Esse material não é um material acabado, antes se enriquece diariamente através de novas experiências, contribuições, estudos e empreendimentos levando a cabo os diferentes artífices da integração.
10) A ALBA É UM SALTO ESTRATÉGICO PARA UMA NOVA ETAPA
A ALBA já está instalada, gostem ou não gostem os imperialistas e as oligarquias. De nós depende que avance mais ou menos aceleradamente. A ALBA conta com um dispositivo fundamental na hora do combate:
a) Conta com um líder decidido e que já deu mostras suficientes de convicção e coragem: o comandante Hugo Chávez. b) Conta com um Estado Maior de qualidade, que são os dirigentes das organizações populares da América Latina e Caribe. c) E conta com um exército de milhões de soldados: o povo latino-americano caribenho, disposto a construir, em paz, a Grande Pátria dos Libertadores.
É por isso que a alternativa hoje já não é "vencer ou morrer"; a alternativa hoje é muito mais exigente, ainda de maior responsabilidade. Como dizia o patriota venezuelano José Félix Ribas: "é necessário vencer".
Muito obrigado. [1] Sábio entre os antigos povos do Peru.
[*] Secretário da Organização do Congresso Bolivariano dos Povos. Intervenção no Fórum da III Cimeira dos Povos, Mar del Plata, 03/Novembro/2005.
O original encontra-se em www.alternativabolivariana.org/ Tradução de José Paulo Gascão.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |