|
Escrito por Fábio Luís |
03-Ago-2007 |
Quando minha amiga perguntou:
- Você é a favor da ditadura?
Dei-me conta em um instante do vão que existe entre a atividade do intelectual e a prática militante.
Como historiador, sei que o termo “ditadura” tem uma origem positiva na república romana: associada a tempos de exceção, principalmente guerras, a instituição da ditadura conferia poderes excepcionais por um tempo limitado - geralmente a 6 meses. Era um dispositivo engenhoso, que visava garantir a centralização do mando necessária às circunstâncias, evitando o risco da monarquia. Em uma palavra, uma astuta invenção da república romana destinada a preservar a sua própria existência.
Sei também que, a partir de Sila, a instituição foi se deturpando até adquirir caráter vitalício, aproximando-se do que os gregos chamavam de “tirania”.
Ambos os usos foram recuperados pela Revolução Francesa, o que permitiu o seu emprego seja no campo revolucionário como pelos reacionários. A escolha do título de “cônsul” por Napoleão depois do golpe de 18 Brumário mostra que o termo seguira o desprestígio de Robespierre à guilhotina.
E, no entanto, personagens como Garibaldi e Blanqui na Europa, Bolívar e Francia entre nós, reivindicaram a ditadura com um sentido positivo nas décadas seguintes: basicamente, para diferenciar tanto do parlamentarismo inglês como das monarquias continentais, uma forma alternativa de governo.
E, no entant, foi Marx, a partir dos artigos reunidos em “Luta de classes na França”, quem deu um novo sentido ao termo: ao explicitar a natureza de classe dos conflitos sociais, esvaziou o caráter da ditadura associada a uma personalidade. E postulou a “ditadura do proletariado” como característica de uma transição do capitalismo a uma sociedade sem classes. Esta fórmula foi recuperada e aplicada por Lênin.
É no entre-guerras europeu que o termo volta a adquirir conotação negativa, associada principalmente ao facismo. Sua aplicação na América Latina será herdeira deste momento histórico, que informa até hoje o uso corrente do termo entre nós.
E, portanto, o entendimento que eu devo supor em minha interlocutora, a quem, no entanto, devo ser conciso. Afinal, trata-se de uma conversa e não de uma aula.
Mas o militante, assim como a criança, não anseia na sua pergunta a uma explicação erudita. Quer captar o sentido da resposta e não a sua anatomia. Porém, nem um nem outro aceitam evasiva como resposta.
- Sou a favor da ditadura da maioria. Ou seja: do interesse dos pobres sobre os ricos, que, como não aceitam perder os privilégios por bem, tem que ser pelo mal. Toda revolução produz e é produzida por um alto grau de desorganização social e gera uma resposta violenta. Ambos os fatores exigem centralização no comando para sustentar o novo regime – fazer guerra aos de dentro e aos de fora. A violência é a parteira da história: mas sem dor do parto não há vida nova.
Moral da história: um socialista não é a favor de hierarquia. Portanto, é por princípio contrário ao mando de poucos sobre muitos. No entanto, o marxista reconhece na dialética o movimento da história: só a ditadura dos trabalhadores pode conter o final não apenas da ditadura, mas de toda forma de opressão.
Disso é preciso ter clareza entre amigos, militantes e filhos.
Fábio Luís é historiador e jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário