Laerte Braga
O empresário alemão de origem turca Ahmet Öner, 34, diretor da empresa Arena Box Promotions, tramou a deserção dos lutadores Rigondeaux e Lara com um contrato de 500 mil euros por cinco anos, ao chegarem à Alemanha. Ele lhes adiantou um pouco para a viagem. Levou-os para Araruama, região dos lagos no Estado do Rio, deu-lhes farta quantidade de rum de boa qualidade e três garotas de programa contratadas numa agência no Rio.
Sem passaportes, Guillermo Rigondeaux, 26 anos, bicampeão mundial de amadores peso-galo, e Erislandy Lara, 24, campeão mundial meio-médio, foram detidos pela Polícia Federal, confessaram-se ludibriados, arrependidos e desejosos de voltar a Cuba. Ambos são casados e têm filhos em Havana.
O empresário que organizou a deserção declarou a jornais brasileiros que continuará a proceder dessa forma quando perceber que “faço um bom negócio”.
Um doidivano que ocupa uma cadeira no Senado brasileiro fez um desses discursos malucos de quem vê comunista debaixo da cama, década de 60, acusando a Polícia Federal de estar a serviço de Fidel Castro ao prender e encaminhar a deportação dos boxeadores cubanos.
Os dois pugilistas terão que cumprir a seguinte pena em Havana: treinar jovens boxeadores e limpar a academia de treinamento.
Na cabeça do empresário Ahmet Oner, alemão de origem turca (mistura complicada), Rigondeaux e Lara seriam duas “mercadorias” lucrativas no mundo do boxe ocidental. Os 500 mil euros por um contrato de cinco anos permitiriam um lucro pelo menos dez vezes maior que o investimento.
Os cubanos, certamente, como já aconteceu e acontece no mundo inteiro não só com boxeadores, passado o período de sucesso, vitórias e conquistas, é sempre efêmero, seriam jogados à própria sorte e como muitos cubanos que fogem de seu país terminariam seus dias depressivos pela nostalgia da terra natal e lavando pratos, ou mendigando pelas ruas de algumas cidades européias.
Se não viessem a ser presos por vagabundagem, algo bem comum em alguns países europeus, sobretudo Alemanha.
Nem Rigondeaux e nem Lara desfrutam de privilégios em país comunista como é o caso de Cuba. Funcionam no esquema marxista de “a cada um segundo as suas necessidades e de cada um segundo as suas possibilidades”. Tinham casa, carro, famílias, empregos, toda a assistência proporcionada indistintamente a todos os cidadãos cubanos em saúde, educação, lazer, enfim, uma sociedade constituída de valores que não o brilho do néon dos imensos letreiros da “coca cola”, da “mercedes”, ou da “volks”, repletos de mendigos dormindo em baixo.
O que o empresário alemão ofereceu aos cubanos é o que capitalismo tem a oferecer aos seres humanos: dinheiro, sexo e bebida. Na ilusão do sucesso (os quinze minutos de glória eterna frase de Andy Wahrol), permitindo-se lhe, a ele alemão, os grandes lucros, os grandes negócios, a exploração da “mercadoria” humana sem dó e sem piedade, na chamada lógica real do mundo irreal que destrói e tritura o ser humano e que todos somos induzidos a crer real e sem alternativa .
Um dos grandes nomes do pugilismo brasileiro, Luizão, num país como o nosso, onde o boxe ainda é incipiente, foi campeão brasileiro de pesos meio pesados na década de 50. Um empresário paulista de origem libanesa, arrumou uma luta com Dagomar Martinez aqui no Brasil para Luizão e o brasileiro virou campeão sul americano, promessa de campeão mundial.
E, espertamente, no contrato, havia uma revanche prevista para dentro de 90 dias, essa em Montevidéu (era praxe no boxe isso). Dagomar que “perdeu” a primeira num arranjo que proporcionou milhões de cruzeiros (era a nossa moeda) de lucro ao empresário, ganhou a segunda em sua terra.
Luizão terminou seus dias há poucos anos como mendigo, louco, nas ruas de São Paulo. Para ganhar uns trocados simulava estar lutando com adversários fantasmas e muitas vezes tinha crises de choro por conta das lembranças de um passado em que foi apenas mercadoria em mãos dos donos.
Foi um dos dois grandes dramas do boxe brasileiro. Outro foi Fernando Barreto, esse um grande pugilista, vítima de um soco na cabeça e que resultou num derrame cerebral. Barreto foi jogado às pressas, para dar lucro ao empresário, o mesmo, numa luta para a qual não estava preparado ainda. O empresário ganhou uma fortuna.
A propósito de Luizão, a guisa de curiosidade, no intervalo entre a primeira luta contra Martinez e a segunda, o empresário lotou o Maracanãzinho e trouxe Archie Moore, campeão mundial dos meio pesados e um dos maiores pugilistas de todos os tempos (virou ator de cinema depois) para enfrentar o brasileiro.
O ginásio lotado, Luizão partiu para cima e, lógico, empurrado pela torcida, achou que venceria. Não percebeu que era apenas uma jogada do empresário. Moore, que não fazia parte do esquema, no terceiro round, cruzou duas vezes, o bastante para Luizão ficar nocaute. Antes que o brasileiro caísse Moore forçou o clinche, segurou-o e aí Luizão entendeu que o negócio era boxear, pelear que não havia como vencer. Perdeu por pontos.
Na semana seguinte, no mesmo local, Moore nocateou o campeão português, Júlio Neves, no terceiro round. Neves havia espalhado cartazes pelo Rio inteiro convidando o público para o massacre de Archie Moore. Acabou proibido de voltar a Portugal, Salazar proibira o boxe.
Os cubanos evitaram dramas semelhantes e o senador doidivano que acha que a Polícia Federal está “a serviços de Fidel Castro”, devia tentar andar pelas ruas de qualquer cidade dos EUA sem passaporte, bêbado e cheio de garotas de programas ao lado. Ia ser bem pior que ser deportado para o Brasil.
A propósito, nunca é demais lembrar que quando João Paulo II desceu no Aeroporto de Havana, em sua visita a Cuba, foi recebido por Fidel Castro que disse o seguinte em seu discurso: “milhões de crianças dormirão nas ruas hoje em todo o mundo, ao relento, nenhuma delas é cubana, nenhuma delas em Cuba”.
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