de policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) contra o povo
"Não somos 200 mil bandidos, somos trabalhadores!"
No dia 24 de outubro cerca de 500 moradores do Complexo do Alemão (Rio de Janeiro) se reuniram em uma coletiva à imprensa na sede da ONG SOS Comunidade, com a presença de representantes de diversas entidades, para denunciar as atrocidades cometidas por integrantes do BOPE da Polícia Militar (PM) contra a população da comunidade. Enquanto a atividade ocorria, um telefonema a uma das pessoas presentes anunciava que, naquele instante, uma senhora acabava de ser assassinada por uma "bala perdida (!)".
Segundo uma das lideranças locais, os moradores estavam ali reunidos para manifestar sua indignação diante da violência do BOPE contra trabalhadores, mulheres, crianças e idosos. Lembrou que nestes dias a violência física tem sido a mais visível. Entretanto, ressaltou que existe a violência que não é tão visível, que é praticada todos os dias contra o povo, quando lhe são negadas condições dignas de vida: saúde, educação, habitação, trabalho, enfim, a garantia de seus direitos.
Mesmo com ameaças e intimidações e com medo de represálias e da violência policial, os moradores decidiram se organizar e denunciar as atrocidades: os relatos de diversos moradores revelam o terrorismo de Estado contra o povo implementado pelo BOPE.
No dia 11 de outubro policiais do BOPE invadiram a comunidade e desde então são inúmeras as denúncias de humilhações, roubos, extorsão de comerciantes, invasões de casas, espancamentos e até mesmo ameaças de morte.
DE ACORDO COM ALGUNS RELATOS:
Sem água, luz e telefone
Desde que o BOPE invadiu o Complexo do Alemão, parte da comunidade ficou sem água por ordem dos policiais de interromper o fornecimento. Além disso, os policiais estouraram, com tiros, inúmeros transformadores, deixando grande parte da comunidade sem luz e sem telefone.
Espancamentos
Os espancamentos de moradores foram freqüentes, os policiais não perguntavam o nome, não pediam documento, simplesmente colocavam no Caveirão (blindado da polícia militar que tem aterrorizado as comunidades da cidade) e espancavam. Num dos casos, vários moradores presenciaram um trabalhador sendo coagido a entrar no Caveirão. O rapaz foi barbaramente espancado pelos policiais, que, não satisfeitos, quando jogaram o rapaz para fora do blindado, cortaram-no no ombro com uma faca.
Outra moradora presenciou o momento em que policiais pararam três jovens moradores que estavam andando na rua, os encostaram na parede, começaram a dar chutes e enquanto os espancavam, gritavam: "de onde vocês estão vindo? Da faculdade? Faculdade do crime, não é?”.
Um senhor de idade, tentando evitar a agressão dos policiais a um parente seu, pediu para que não batessem, argumentou que ele era trabalhador, e acabou sendo espancado também.
Invasão e destruição de casas e do comércio
Os policiais invadiram várias casas e lojas comerciais para servirem como “alojamento”. Uma das casas chegou a ser isolada com uma fita para que ninguém entrasse. A família ficou na rua.
Diversas pessoas, aterrorizadas, fecharam suas residências e foram para a casa de parentes se refugiarem. Segundo relatos, muitas destas casas foram arrombadas e saqueadas pelos policiais.
Um casal de comerciantes idosos teve seu local de trabalho invadido e foram obrigados a ficar nos fundos da loja. Enquanto isso, os policiais se apropriaram de alimentos do estabelecimento, pegaram o dinheiro que estava no caixa e quebraram vários objetos da loja. Outro comerciante teve sua barraca destruída e queimada.
Obrigado a beber detergente
Diante do protesto verbal de um rapaz às agressões dos policiais, estes o obrigaram a beber detergente dizendo que ele estava "com a boca muito suja". O locutor da rádio comunitária local, Jorge Ribeiro, denunciou na coletiva: "Na sexta, vi policiais obrigarem um jovem a beber detergente por ter se queixado da atuação deles ao obrigar todos que passavam a entrar num mercado e ficar lá dentro por tempo indeterminado. Não sei se ele engoliu o detergente, mas teve que colocar o líquido na boca".
Celular "trocado"
Outro rapaz, no dia anterior à coletiva, foi obrigado a "trocar" seu celular. Segundo ele, um policial chegou e disse: "me dá o celular ou entra na porrada". O rapaz entregou seu celular, "em troca", o policial lhe deu o dele!
"Toque de recolher"
Nesses dias havia um clima de terror imposto pela ação dos policiais. A maioria das casas ficou com marcas de tiro. As ruas estavam desertas e a população com medo, não saía de casa. Os trabalhadores tiveram dificuldade de se deslocar para trabalhar porque os transportes (moto-táxis e kombis) não puderam circular. Muitas crianças deixaram de ir para a escola e muitas mães não foram trabalhar. O comércio fechou suas portas, que ficaram parecendo peneiras de tanto tiro. Antes da invasão era normal ver na comunidade pessoas conversando nas portas de suas casas e crianças brincando nas ruas. É visível a destruição no local e o medo dos moradores.
Moto-taxistas extorquidos
Os moto-taxistas também manifestaram sua indignação. Relataram que seu trabalho é uma alternativa ao desemprego, e ao “lado errado” (tráfico). Muitos deles acordam às quatro da manhã para trabalhar e, no fim do dia, levar dinheiro e comida para casa. No entanto, muitas vezes seu dinheiro é extorquido e freqüentemente são humilhados por policiais.
O RESULTADO DO TERRORISMO DE ESTADO
Um clima de intimidação e um terror generalizado, indiscriminado contra toda a população do Complexo do Alemão: trabalhadores, idosos, crianças, mulheres; inclusive para impedir que fossem denunciados os desmandos e a violência policial.
BARBÁRIE
Agressões como esta, ocorrida no Complexo do Alemão - comunidade situada a poucos quilômetros do centro da cidade do Rio de Janeiro - têm se tornado freqüentes nos bairros populares e são uma das expressões da barbárie a que vem sendo submetido o povo brasileiro, os trabalhadores, vitimados pela política que concentra riqueza nas mãos de poucos magnatas e aumenta a miséria, trabalho precário, desemprego, etc, para a maioria da população. Pesquisa da CEPAL estima que da população brasileira, em 2005, 38,7% eram pobres e 13,9% eram indigentes, o que somado corresponde a que o mais legítimo produto do capitalismo, a miséria, se expresse no país em 52,6% da população.
O desemprego, os baixíssimos salários, enfim, a superexploração e a falta de alternativas forçam os trabalhadores a morar nestas comunidades, onde principalmente uma parte da juventude é empurrada para “alternativa” do tráfico.
RESISTÊNCIA
As ameaças, intimidações e medo de represálias não têm impedido que os moradores se organizem contra a intensa violência a que têm sido submetidos e a denunciá-la. A reunião para uma coletiva à imprensa no Complexo do Alemão foi uma iniciativa neste sentido que se soma a outras, como a manifestação no Complexo da Maré, no dia 12 de outubro, em protesto contra a violência policial que vitimou cinco crianças em um mês, e a campanha contra o caveirão, o blindado da polícia militar que tem aterrorizado as comunidades da cidade.
"Não somos 200 mil bandidos, somos trabalhadores!"
“Não somos 200 mil bandidos. Respeito já!”
“Caveirão Não! Queremos mais Saúde e Educação”
“Cultura, Arte e Educação. Morte e Caveirão Não!”
“Desistir jamais. Lutar é preciso!”
“Exigimos Justiça!”[faixas e cartazes das manifestações no Complexo do Alemão, 24 de outubro, e no Complexo da Maré, 12 de outubro]
Reunião de moradores do Complexo do Alemão em 24/10/06 Reunião de moradores do Complexo do Alemão em 24/10/06 - destaque para a faixa Manifestação contra a violência policial no Complexo da Maré em 12/10/06Os fatos expostos acima evidenciam as ações de terror de Estado praticadas contra a população através de policiais da PM, em particular do BOPE [nota] que, além da intervenção concreta, tem seu comandante declarando que a coletiva no Complexo do Alemão havia sido “uma manobra do tráfico para colocar a população contra os policiais” (Folha de S. Paulo, 25-10-2006). As mortes de crianças e adultos das comunidades, causadas pela PM, são qualificadas, “naturalizadas” como “bala perdida”. Como disse uma moradora: “Bala perdida não existe, ela sempre encontra um corpo”.
É preciso dar um basta ao terrorismo de Estado, à prática de isolamento, segregação, ao olhar fascista contra a população das comunidades cariocas, duplamente atingidas pela violência das políticas econômico-sociais do governo que, de um lado deterioram suas condições de vida, ampliam a miséria, a violência, a barbárie e, de outro, ainda lhes infligem a violência policial direta!
Links
Ouça relatos da reunião/coletiva à imprensa no Complexo do Alemão no dia 24 de outubro de 2006 (Mídia Independente).
Campanha Contra o uso do "Caveirão" em Comunidades Pobres do Rio de Janeiro (Justiça Global).
Corra, o caveirão vem aí (Cidadania na Internet).
Este texto encontra-se em www.cecac.org.br28/outubro/2006
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