Por Katarina Grubisic, desde Florianópolis-SC/Brasil
Venezzia
Em fins do século XVII a cidade de Veneza estaria mais da metade do ano em festa – o Carnaval – que iniciava 26 de dezembro prolongando-se até dia 30 de junho. Os venezianos de todas as condições então saíam. Possuiam a bauta (máscara de verniz branco, completada por um capuz de seda) que eventualmente preservava o incógnito dos patrícios, nas noites de festa. Todos se encontravam na Piazzeta ou no teatro: os senadores, padres e freiras, cortesãs, comerciantes e pescadores. O carnaval era um espetáculo extraordinário que o povo de Veneza oferecia a si mesmo: ele era ao mesmo tempo público e artista.
De acordo com Roland de Candé: “Veneza era único Estado Italiano a conservar na época uma organização política herdada da Idade Média, a República era uma falsa democracia, uma espécie de ditadura bonachã, onde os patrícios brincam de liberalismo e o povo tem o dever de ser feliz. (...) A nobreza e a burguesia pareciam tão pouco preocupadas com o declínio da República quanto o meio popular. (...) Em suma, numa República decadente como Veneza, a conjugação da água, das máscaras e do refinamento artístico leva a libertinagem. Chegar-se-ía, assim a conclusão de que a liberdade de costumes é fonte de enriquecimento artístico. Capital dos prazeres – Veneza continua sendo uma capital da arte...por conseqüência, talvez. Sua insólita beleza, sempre realçada pela glória de seus pintores, poetas e músicos.”
O mais célebre dos músicos – Antonio Vivaldi (o “Prete Rosso” – Padre Ruivo) que não celebra missa e suscita tantos comentários sobre sua arte, quantos sobre sua pessoa.
Sempre vestido de hábito eclesiástico, ele toca violino como um virtuose, dirige concertos angelicais na Pietá e faz ópera no teatro S.Angelo durante o carnaval.
Il Prete rosso
Antonio Lucio Vivaldi nasceu em Veneza no dia 4 de março em 1678, filho do músico violinista Giovani Battista Vivaldi e Camilla Colicchio. Nos arquivos do batismo consta que no dia do nascimento achavas-se em perigo de vida e por isso só foi batizado dois meses depois. Não se sabe se esse perigo foi devido a sua doença (asma) ou ao grande terremoto ocorrido em março de 1678.
Seu pai tocava na capela ducal de São Marcos que era o foco de tendência moderna na vida musical veneziana e ao mesmo tempo conservatório de riquíssima tradição. Assim é proporcionado ao jovem Antonio um ensinamento ao mesmo tempo humanista e moderno, num clima propício ao desenvolvimento artístico e moral. Giovani Battista também foi um dos fundadores do Sovegno dei Musicisti di Sa. Cecilia uma espécie de Sindicato dos Músicos.
O teatro também vai marcar as obras de Vivaldi. Seu pai consegue um emprego no Teatro Giovani Grisostomo e o músico de tenra idade acompanha o acompanha o pai nos ensaios de grandes óperas que exercem fascínio sobre sua imaginação.
Aos dez anos de idade Antonio Vivaldi é destinado pelo pai a preparar-se para o sacerdócio, sob os auspícios da Igreja S.Geminiano: curiosos educadores cuja liberdade de costumes era notória.
O hábito sacerdotal é então o melhor dos salvos condutos garantindo o respeito do poder civil. Em 23 de março de 1703 Vivaldi é ordenado padre.
É sabido que não exercerá por muito tempo o sacerdócio. A falsa situação desse padre-que-não-reza-missa propicia comentários maldosos, associando um perfume de pecado, em linha geral vantajoso à futura carreira do jovem músico. O próprio Vivaldi teria escrito no fim da sua vida que “faz 25 anos que não digo mais missa devido a uma doença de nascimento que me deixa oprimido”.
No mesmo ano da ordenação o padre de 25 anos já ensinava violino no asilo de meninas Ospedale della Pietá.
Ospedale della Pietá
Ospedale della Pietá era um asilo para recolher meninas órfãs abandonadas oferecendo-lhes uma educação completa, onde a música ocupava um lugar privilegiado. Estes estabelecimentos davam regularmente concertos públicos e pagos cujo sucesso parece ter sido considerável e o lucro interessante.
Vivaldi assume o compromisso de ensinar violino e “violle all’inglese” com “obrigação de instruir as moças na composição e execução dos concertos”.
“Ensinar música a um número considerável de moças indisciplinadas a executar obras muitas vezes difíceis era um ofício duro e particularmente pouco lucrativo. Mas um compositor não podia imaginar algo melhor do que dispor de modo permanente de um conjunto de músicos consumados, capazes de serem instruídos para tocar todos os instrumentos e podendo consagrar todo o tempo necessário a preparar execuções perfeitas.”
Nas antigas Igrejas escuras e poderosas existia um palco com um tipo de cerca de madeira que impedia a orquestra de ter contato com a platéia. Ao entrar ouvia-se o som que vinha desta “gaiola gigante” e tinha-se a impressão de que havia anjos tocando. Certa vez um membro das classes privilegiadas teve oportunidade de ver algumas meninas. Para sua surpresa as meninas “enjeitadas” às vezes possuíam defeitos físicos ou deformações. Quando tocavam, o som era a perfeição de seus talentos e da divina obra de Don Antonio.
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