Filme pode ser definido pela cena na qual discurso a favor da tolerância e contra imperialismo sai da boca de um nazista. Ou seja: quem não concorda com as políticas expansionistas dos EUA é seguidor de Hitler e pode ser exterminado com um cachorro!
André Lux*
A Soma de Todos os Medos é, de longe, um dos filmes mais repulsivos que tive o desprazer de assistir em minha vida. Difícil dizer o que é pior nessa fita que, além de panfletária e ofensiva, é incrivelmente enfadonha.
O lamentável Ben Afleck herda o papel que já foi de Alec Baldwin e Harrison Ford e encarna Jack Ryan, um burocrata da CIA que se encontra a toda hora envolvido em situações capazes de provocar o colapso do sistema capitalista (sinônimo da destruição do mundo, segundo os autores). Mas tal personagem é tão estúpido que fica impossível sequer cogitarmos levá-lo a sério, ainda mais depois de percebermos que todas as suas sacadas e conselhos geniais vêm sempre de suposições e adivinhações (algumas dignas de Nostradamus, de tão absurdas).
Esse personagem infame já foi visto no cinema antes em A Caçada ao Outubro Vermelho, Jogos Patrióticos e Perigo Real e Imediato, todos baseados em livros do senhor Tom Clancy, que certamente escreve sob contrato com a CIA (Central de Inteligência Americana). Só mesmo sendo muito ingênuo ou mal intencionado para querer nos fazer acreditar que os agentes dessa organização estadunidense estão espalhados pelo mundo inteiro para "garantir a paz e a liberdade" em nosso planeta Terra, como afirma o diretor da agência interpretado por Morgan Freeman ao discutir o futuro da Chechênia com o presidente da Rússia.
Qualquer pessoa mais bem informada ou com um mínimo de bom senso sabe que os EUA são o pais que mais lucra com a guerra e o menos interessado em ver democracias florescendo - ainda mais em países do dito "terceiro mundo". Democracias verdadeiras (não de brinquedo como temos aqui) não são tão fáceis de serem controladas e manipuladas em favor do capital estrangeiro. E não eram clones de Jack Ryan que vinham ao Brasil (e tantos outros países) ensinar técnicas de tortura aos nossos militares na época da ditadura ou que atuaram diretamente na derrubada de governos eleitos pelo povo em favor de fascistas e criminosos financiados pelos EUA? Pois é, essa história você não vai ver nos enlatados de Roliúdi...
O mais grotesco de tudo, todavia, é ser obrigado a ver um discurso claramente a favor da tolerância entre as nações e contra o imperialismo dos EUA saindo da boca do vilão do filme (interpretado por um Alan Bates incrivelmente afetado e embonecado), que, pasmem, não passa de um nazista das antigas que quer destruir ambos Rússia e EUA para que sua ideologia possa reinar absoluta no mundo! Ou seja: na visão dos autores qualquer um que não concorde com as políticas expansionistas de Washington é obviamente um seguidor de Adolf Hitler e, portanto, pode ser exterminado com um cachorro sem dono (o que literalmente acontece no final).
As bravatas ufanistas a favor da suposta "terra da liberdade" são tantas que chegam até a tocar o hino dos EUA quase inteiramente em uma cena! Mas, para quem já está imune a esse tipo de propaganda pró-imperialista, é impossível não rir ao ver os governos estadunidense e russo comunicando-se por meio de um tipo de e-mail em um momento crucial, quando era muito mais fácil simplesmente dar um telefonema (sem dizer que o presidente da Rússia usa um intérprete em uma cena, em seguida sai falando inglês fluente, mas no final volta a não entender o idioma) ou ao observarmos o patético Ryan perambulando pelas ruas da cidade em chamas devido à explosão da bomba atômica sem ser afetado pela radiação e ainda usando telefone celular!
Triste é ver um diretor como Phill Alden Robinson que já foi capaz de realizar obras sensíveis como O Campo dos Sonhos e subversivas como Quebra de Sigilo a serviço de uma mensagem tão asquerosa. Tecnicamente o filme é até correto, mas foi claramente feito de forma burocrática e sonolenta, onde nem mesmo a trilha musical do genial Jerry Goldsmith tem chance de brilhar, até porque o filme é dramaticamente nulo e chato ao extremo.
No final das contas, é fácil concluir que filmes como A Soma de Todos os Medos contribuem ainda mais para promover justamente aquilo que dizem ser mais assustador: a intolerância, o preconceito e o radicalismo - e tudo isso disfarçado por uma suposta luta pela liberdade e pela paz. De acordo com peças publicitárias do Pentágono mascaradas de cinema como essa, alguém atacar os EUA é sempre um "ato de terrorismo", enquanto eles mandarem bombas por aí devem ser encarados como meros "atos de paz".
Depois de tudo isso os estadunidenses ainda vêm tentar passar por pobres vítimas quando terroristas atacam seu pais - e não são eles mesmos, via os produtos da sua indústria cultural, que ensinam com riqueza de detalhes não só como montar uma bomba atômica, mas também como levá-la para dentro de seu território? Absurdo? Depois dos atentados ao World Trade Center não parece. Afinal, quem semeia vento colhe tempestade...
André Lux é jornalista e crítico de cinema (http://tudo-em-cima.blogspot.com)
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