quarta-feira, 8 de abril de 2009

SPACES OF CAPITAL: TOWARDS A CRITICAL GEOGRAPHY (Espaços do Capital: por uma Geografia Crítica)


David Harvey
New York: Routledge, 2001. 429p

Wendel Henrique1

O livro do geógrafo David Harvey, Spaces of Capital: Towards a Critical Geography , ainda sem tradução para o português, faz uma discussão sobre teorias, categorias e conceitos fundamentais para uma análise crítica, marxista, do espaço geográfico no momento histórico atual, marcado pelo modo de produção capitalista. Este livro, que traz ligações com sua obra anterior Spaces of Hope (Espaços da Esperança) publicada em 2000, apresenta em seus capítulos textos que foram apresentados em conferências proferidas pelo autor, bem como artigos publicados em revistas científicas.

Spaces of Capital é dividido em duas partes, a primeira relacionada aos conhecimentos geográficos e ao poder político e a segunda, à produção capitalista do espaço. Além disso, o livro se inicia com uma entrevista concedida por Harvey intitulada Reinventing geography: an interview with the editors of New Left Review (Reinventando a Geografia: uma entrevista com os editores da New Left Review).

Logo no início da primeira parte do livro, o autor lança uma pergunta: Os geógrafos podem contribuir na formação de políticas públicas a partir da análise geográfica do momento histórico atual?

Buscando responder ao seu próprio questionamento, Harvey escreve que na ação política os fatos da geografia, muitas vezes apresentados como fatos da natureza, podem ser usados para justificar a dominação neocolonial e o expansionismo. Criam-se Direitos Geográficos Naturais, os quais são baseados na etnia, na cultura, no sexo ou na superioridade nacional, que justificam teoricamente, por exemplo, o controle americano do Canal do Panamá. O pensamento geográfico na era burguesa mantém um forte conteúdo ideológico e, como ciência, no seu trato dos fenômenos naturais e sociais, está sujeito à manipulação, gerenciamento e exploração. Como arte, o pensamento geográfico freqüentemente projeta e articula esperanças e medos individuais ou coletivos, assim como representa condições materiais e relações sociais com uma veracidade histórica.

O mundo precisa e deve ser mostrado, analisado e entendido como construção concreta e não como uma imagem idealizada, um mundo fictício. A geografia precisa dar contar de inserir no seu entendimento do mundo as manifestações materiais das esperanças e dos medos da humanidade, e dos conflitantes processos de reprodução social. Para isso, é necessária uma grande preocupação com as questões metodológicas da Geografia, em especial da Geografia Crítica. Para esta finalidade, se encontra no livro um manifesto por uma abordagem materialista histórica na geografia, baseado em 5 pressupostos:

1) A construção de uma geografia popular, sem preconceitos, mas que explique as contradições e conflitos sociais reais;
2) A criação de uma geografia das e para as pessoas, aplicada e sem estar presa aos 80 interesses dos poderosos;
3) A aceitação de um par metodológico baseado no comprometimento da integridade científica e da não-neutralidade;
4) A integração das ‘sensibilidades’ geográficas às teorias sociais geradas a partir das tradições materialistas históricas;
5) A definição de um projeto político para analisar a transição do capitalismo para o socialismo em termos histórico-geográficos.

Já em outro capítulo, David Harvey, abordando o tema da Identidade, escreve que nosso senso ‘de quem nós somos’, ‘de pertencimento a um lugar’ e ‘quais são nossas obrigações’, ou seja, nossa identidade, é profundamente afetado pelo nosso senso de localização no espaço e no tempo. Em outras palavras, nós geralmente localizamos nossa identidade em tempos de espaço (meu lugar é aqui) e tempo (esta é minha biografia, minha história). Crises de identidade (Onde é meu lugar neste mundo? Qual futuro eu posso ter?) aparecem em fase de forte compressão do tempo-espaço. Além disto, estão envolvidas questões de rápidas produções e modelamentos de signos, técnicas, mudanças nas artes e nas atividades culturais.

Nas crises de identidade, grupos com um padrão identitário semelhante tendem a se sentirem ameaçados por outros grupos, bem como pelo medo da violência e da perda de padrões de consumo, criando-se assim espaços protegidos, através de práticas territoriais excludentes, tentando manter uma segurança.

Harvey também apresenta um estudo empírico sobre a cidade de Baltimore e as reformulações de seu espaço urbano. Nas cidades, a circulação do capital tem a capacidade de destruir as paisagens anteriores e reconstruir novas paisagens a partir da lógica e dos valores capitalistas, que se constituíram a partir da tendência do capitalismo em estabelecer um conjunto de valores em escala global.

Com a globalização da economia, as cidades, para Harvey, passam a ser encaradas como empresas incorporando processos e diversificações (divisões do trabalho, de funções de estilo de vida e valores), onde a produção dos ambientes construídos, do espaço, passa a ser relacionada com temporalidades divergentes.

Aliás, o processo de globalização também irá redefinir muitos aspectos da cartografia, importante instrumental para os geógrafos, pois toda uma nova mensuração do par espaço-tempo se estabelece. Criam-se novas formas de educação cartográfica e de identificação cartográfica.

Outra das grandes linhas do pensamento de David Harvey, no livro Spaces of Capital, está relacionada às relações entre o homem e a natureza, num mundo capitalista, onde ocorre uma superexploração da natureza, enquanto reduzida a recurso econômioco. Suas idéias a respeito desta temática, também são influenciadas pelas obras de Raymond Williams, um pensador socialista britânico. Para Willians, citado por Harvey, vivemos um mundo inteiro de novas relações entre o homem e a natureza e separar a história natural da história social torna-se extremamente problemática. Os processos de dominação da natureza, do território e da sociedade (colonialismo, ditaduras e capitalismo), num entendimento geográfico, sob o capitalismo sempre se deram passo a passo com a exploração das pessoas.

Insere-se também neste período um fetiche pelas imagens pré-fabricadas, vendidas em pacotes de formas estéticas, às custas de posições étnicas, justiça social, igualdade e questões locais e internacionais de exploração tanto da natureza quanto do homem. O fetichismo da mercadoria acaba por criar identidades baseadas na máxima: “eu sou o que eu posso comprar ou eu sou o que
eu possuo”.

Criam-se nichos de mercado, onde sua exploração se baseia na mobilização dos desejos humanos e na sua pseudo-exclusividade, isto é, negando seu acesso a todas as pessoas.

Na segunda parte do livro, David Harvey apresenta teorias e categorias fundamentais do marxismo que são importantes para uma geografia voltada, como o próprio Harvey coloca na primeira parte do livro, para os interesses sociais. O autor aborda uma geografia da acumulação capitalista e uma geografia dos poderes de classes, com destaque para as questões do Imperialismo, da Teoria Marxista do Estado, dos Fixos Espaciais e da Geopolítica do Capitalismo.

No último capítulo da segunda parte, intitulado The Art of Rent: globalization and the commodification of culture (A Arte da Renda: globalização e mercantilização da cultura), Harvey trata da idéia da 'Renda de Monopólio' (Monopoly Rent). Este termo busca os nexos entre a globalização capitalista, o desenvolvimento político-econômico local e a evolução dos significados culturais e valores estéticos. A renda de monopólio se configura porque os atores sociais podem realizar um fluxo de rendas sobre um tempo longo em virtude do seu controle exclusivo sobre um item, direta ou indiretamente negociável, que é em algum aspecto único e não reproduzível.

Estabelece-se o controle de alguns recursos com qualidades especiais, que pode ser uma mercadoria ou uma localização, as quais, em relação a certo tipo de atividade, permitem a obtenção da renda de monopólio a partir dos desejos de outros atores sociais em usar esta mercadoria, recurso ou localização exclusiva.

Contraditoriamente, para Harvey, quanto mais acessível ao mercado algum produto se torna, menos raro, exclusivo ou especial ele se torna. Em certo pontos, a publicidade e a venda maciça de um produto ou de uma idéia por si mesma leva a destituição desta aura de exclusividade que cerca tal mercadoria. O problema do capital é achar meios de cooptar, subjugar, mercantilizar e monetarizar tais diferenças para torná-las propícias para a apropriação da renda de monopólio.

Cria-se um problema aos movimentos que buscam a valorização de aspectos diferenciais, tanto da cultura quanto da natureza, pois uma vez definida a particularidade ou a raridade de um aspecto cultural ou de uma estética natural, estão dados os meios para que se dê a apropriação deste aspecto único, desta particularidade pelo capital.

Na comercialização da estética, os objetos e as idéias tornam-se atividades financeiras, industriais e de consumo, penetrando até mesmo naquilo que é classificado como cultura, ocorrendo na órbita da acumulação, dentro de uma racionalidade capitalista. A cultura vista como uma mercadoria é algo inegável em nossos dias.

Assim, tudo se torna uma atividade empresarial e uma atividade capitalista. Mesmo tentando impregnar os objetos com um valor exclusivo, a tendência do modo de produção capitalista é mesmo estabelecer um conjunto de valo res válidos para todo o globo.

Estudos Geográficos, Rio Claro, 1(2): 79-81 , Dezembro - 2003 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm

1 Aluno do Programa de Pós-Graduação (Doutorado) em Geografia do IGCE – UNESP/Campus de Rio Claro. Bolsista CAPES. E-mail: wendelh@rc.unesp.br Estudos Geográficos, Rio Claro, 1(2): 79-81, Dezembro - 2003 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm

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O nome do blog foi inspirado no filme Zurdo de Carlos Salcés, uma película mexicana extraordinária.


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