Nossa história começa em 2000, ano em que ingressei no curso de História da PUCRS. Neste ano houve eleições para o Diretório Central dos Estudantes. Eu e quatro amigos forjamos a VEC, Vanguarda Estudantil Conscientizadora. Fazíamos pequenos panfletos com perguntas como:
- Onde vai parar o dinheiro da sua contribuição estudantil?
- Quem são os membros do DCE da PUC?
- Quais atividades e defesas dos interessas dos estudantes o DCE promove?
e por ai vai...
Deu alguma repercussão, tanto que em 2004 o DCE lança a chapa fantasma para legitimação das "eleições borgistas" chamada VEC, sendo que nenhum membro da extinta VEC soubesse de alguma coisa.
Bom, neste ano prometi para mim que não me envolveria com essa bandalheira, que apenas faria alguma articulação por fora e daria orientações para segurança de meus amigos envolvidos. Pois bem, quando vi estava enredado até os pentelhos do cú que nasceriam 4 anos depois no meio de uma historia de máfia contada por Kafka.
Algo sobre 2004, o ano que não terminou (na PUC é claro)
Aquele foi um belo momento de minha vida, quando conheci pessoas boas e pessoas ruins, enfim conheci pessoas. Foi um tempo de experiências autenticas, significativas para a construção de um coletivo latente de arteiros engajados e seres políticos com sonhos de um mundo novo.
Tudo começou com uma pequena mobilização, no inicio do ano, para barrar o aumento, alias diminuir o preço, do que era chamado hipocritamente de Restaurante Universitário, conhecido como Lê RU ou de fato Restaurante Executivo. Nossa consignia:
Com esse preço abusivo,
restaurante executivo,
eu não posso é pagar!
Durante uma semana passamos almoçando em ritmo de piquenique uma média de doze pessoas, fazendo arte, um pouco de bagunça mas principalmente conhecendo os meandros da Universidade. Pasmem! No ultimo dia quando entregaríamos um abaixo assinado com 2000 assinaturas a Pro - Reitoria de Assuntos Comunitários, o DCE, na pratica DCR (Diretório Central da Reitoria) se dirigiu ao RU e fez uma campanha de almoço alternativo dando sanduíches péssimos para as pessoas. Nos, coletivamente fazíamos carreteiro de puta pobre e dávamos para quem quisesse não entrar no RU.
O resultado prático disso: o dono do restaurante ganhou mais um espaço na universidade onde criou um novo RU, passando a se chamar o velho espaço alguma coisa com saúde, e cobrando "módicos" quatro reais por uma ração e meia tigela de água tenebrosa. Ou seja, nossa luta aumentou os lucros e capital de um filisteu. No entanto, formamos um coletivo inter/trans/meta-disciplinar que teve uma linda mas perigosa história. Pouparei os nomes desses guerreiros porque alguns ainda hoje carregam as maculas do que lhes foi feito espiritualmente.
Recebemos então um pequeno aviso: "o DCE esta com medo da Chapa de vocês para as eleições". Pasmem!, não sabíamos de zorra nenhuma de eleições. Tivemos uma pequena conversa e deliberamos coletivamente que não iramos legitimar este falso pleito. Para nossa surpresa tiveram duas chapas inscritas de oposição: a Plural (PT, PMDB e independentes) e a do MRS (PSTU), alem de uma dissidência oportunista do DCE e duas chapas fantasmas.
Observamos o processo de longe. No entanto, nos últimos dias de eleição ninguém mais suportava olhar e ficar calado com tanta proxenetagem do DCE. Busquei nosso velho megafone! Não precisávamos, Tiagão e eu estávamos calejados na arte do improviso jogral. Engolimos megafones quando bebês, tal como Obelix caiu no caldeirão da poção mágica do Druida. Fomos pro pega pra capar.
Nossa intenção não era ganhar o DCE, não era meter a mão no um milhão e oitocentos mil reais que estimávamos essa corja arrecadar por ano. Nossa intenção era demonstrar uma nova cultura participativa e fomentar a criação de um conselho de representantes discentes por unidade de sala de aula: O Conselho Estudantil Universitário.
Decorrente desse processo, após as eleições e grandes paralisações da Avenida Ipiranga, com forte repressão institucional, mijava sempre acompanhado de um segurança do campus, e da BM que brutalmente nos removeu da avenida, apoiada pela mídia laranja que nos execrava, acampamos em frente ao DCE.
Demos uma demonstração de trabalho coletivo, associado, de dádiva, de troca e de doação. Quarenta pessoas dormiram durante oito dias em frente aos facínoras, construindo coletivamente arte, cultura e educação popular. Tínhamos um prefeito do acampamento, responsável pela manutenção da integridade do espaço e dos camaradas, bem como responsáveis pela segurança e muitos artistas, arteiros e autistas. O que nós não tínhamos, e não queríamos ter, era um líder. Todos eram lideres, agentes políticos concretos, atuando coletivamente e sistematicamente em prol de um mundo novo: construímos um intelectual coletivo. Ter um líder era dar chances de desarticulação do movimento.
Peitamos a Universidade, o DCE, Mídia Laranja e todos os comparsas que fazem do mundo a terra dos males. Construímos sólidas amizades, namoros e casamentos, demonstrando que o mundo não é assim por natureza, mas que assim o é por safadeza de uma minoria cafetiniana. Chamamos o lugar de Esquina Democrática, onde há ainda uma bela arvore que dá frutos no inverno, onde pássaros migratórios podem se abastecer para a jornada que segue. Estávamos espiritualmente bem abastecidos? Acredito que sim. Materialmente? Um pouco. Politicamente? Armados até os dentes, e com amor pra dar e vender. Nossa consignia:
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Carlos Marighela
São Paulo, Presídio Especial, 1939
Este movimento ganhou o nome de AMEI, Atitude Movimento Estudantil Independente.
Do ultimo dia, fatídico, do acampamento
Neste dia começava meu estagio docente, minha primeira experiência assumindo uma linda tchurminha no Julinho. Não dormi na PUC e deixei meu celular na sala. Às seis horas da manha minha mãe me acorda pra eu ir a labuta e me avisa: "teu celular tocou a noite inteira. O pessoal do AMEI foi atacado pelo DCE e fomos informados que a coisa esta feia, te aviso mas tu vais dar a aula hoje". Respeitei a posição da matriarca e fui à aula. Minha cabeça estava no mundo da lua. Dei aula de feudalismo a partir da teoria do valor, a professora titular me deu parabéns, até hoje é minha amiga. Sai correndo e fui para PUC ver o que havia ocorrido. Destruição, barbárie selvageria algo que Pizarro se envergonharia de fazer. Ainda hoje quando relembro as feições dos rostos de meus amigos e a cena do acampamento barbaramente destruído, lagrimas me vem aos olhos.
Apenas vou listar algumas coisas porque relembrar do que me contaram, até hoje é motivo de tamanho sofrimento que minha cabeça não pode mais suportar:
1. sacos de fezes humanas jogados contra o acampamento
2. pedras e tijolos jogadas contra as pessoas
3. rojões projetados contra o acampamento
4. ovos duros
5. ameaças de morte e espancamento generalizadas
6. ameaça de estupro para todas as meninas
7. enfrentamento campal
8. segurança da PUC omissa e conivente impedindo a BM de entrar no campus, ato inconstitucional
esta lista pode ser acrescida por todos que presenciaram com mil detalhes...
Imediatamente registramos ocorrência e fomos para a Assembléia legislativa. O resultado disso pode ser encontrado no seguinte endereço:
http://www.al.rs.gov.br/download/SubDCE_PUCRS/Relatorio_Subcomissao_PUCRS.pdf
Para encerrar o Hino dos Combatentes Judeus do Ghetto de Warsovia
Nunca digas: esta senda é a final.
Céu cinzento ao céu azul quer ocultar
Nossa hora tão ansiada chegará.
Ressoará nosso marchar. Estamos aqui!
Desde as neves até o verde palmeiral.
Presentes com nosso sofrimento, nosso pesar.
E aonde seja que nosso sangue salpicou,
surgirão o heroísmo e o valor.
Com pesar mas otimista,
saudações para um mundo novo,
Airan Milititsky Aguiar
17 de dezembro de 2008
Nota do DCE da UFRGS:
ResponderExcluirContra o Fascismo na PUC
http://dariodasilva.wordpress.com/2008/12/20/contra-o-fascismo-na-puc/
Parabéns pelo blog!
Adicionei nos meus links:
http://dariodasilva.wordpress.com/indicamos/
Grande abraço.