quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Espaço da vida de realização humana plena?

Texto atualizado em 25 de Setembro de 2007 -

por Rosângela Ribeiro Gil *

Debate Sindical entrevistou mais um autor da Coleção Trabalho e Emancipação, da Editora Expressão Popular. Geraldo Augusto Pinto é professor do Centro de Educação e Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (CEL/Unioeste). Graduado em Sociologia e Ciência Política (2000), mestre (2003) e doutor (2007) em Sociologia, todos pela Unicamp, Augusto Pinto pesquisa, desde 2001, a gestão do trabalho na indústria automotiva. Foi a partir de sua pesquisa sobre o Mundo do Trabalho que nasceu o livro “A organização do trabalho no Século 20”, lançado recentemente pela Expressão Popular.

Debate Sindical – O senhor lançou, recentemente, o livro "A organização do trabalho no Século 20" pela Editora Expressão Popular. É uma organização ultrapassada?

Geraldo Augusto Pinto – É uma pergunta sintomática a sua. Indagar-se sobre o que é ou não ultrapassado, é quase uma obsessão das pessoas na atualidade. Mas não poderia ser diferente, mesmo, pois os discursos e as práticas imperantes no capitalismo primam pela efemeridade em todos os espaços da vida. O fato é que as contradições entre o antiquado que se veste de novo e vice-versa impedem a condensação de conceitos e nos joga numa interminável busca por respostas, muitas vezes infausta. Vivemos numa sociedade que se furta a enfrentar o “óbvio” e se satisfaz com metáforas que dão a sensação de mudança e mesmo de evolução, quando, no fundo, permanecemos os mesmos. Prova dessa paralisia é a necessidade de estar consumindo e descartando tudo freneticamente, desde bens até conceitos, uma repetição cujo ciclo só é possível, no curto prazo, pela transfiguração do velho no novo e vice-versa, indefinidamente. Bem, a organização do trabalho, tanto técnica quanto socialmente falando, dentro dessa lógica, desse tipo de sociedade, deve permanecer nessa condição de torpor pelo eterno “novo”, mesmo porque o trabalho é um espaço da vida onde a realização humana deveria ser plena e, como no capitalismo não é o que ocorre, tanto os empregados quanto os desempregados, os patrões e os sindicalistas, os gurus da administração e os pesquisadores das universidades, terminam forçando-se a suportar uma idéia de mudança.

Debate Sindical – Fordismo, taylorismo e toyotismo são formas de organização do trabalho. Elas ainda existem no Século 21?

Geraldo Augusto Pinto – Sim, estas três formas existem porque subsistem umas nas outras. Em termos gerais, a automação e as linhas seriadas de (Henry) Ford, do início do século XX, só foram realizáveis pelo automatismo imposto ao trabalho por (Frederick Winslow) Taylor, ainda nos fins do século XIX, mediante uma compilação de experiências de racionalização de ofícios industriais já em curso, uma velha disputa entre o conhecimento tácito dos trabalhadores e o controle gerencial nas empresas, em vias de monopolização. Taiichi Ohno, criador do sistema Toyota, depois da metade do século XX, não apenas manteve o cronômetro – embora não só nos postos individuais de trabalho, mas entre as empresas clientes e fornecedoras, através do just in time – como buscou introjetar nos trabalhadores um compromisso pessoal com as gerências, que só se tornou possível pelo estabelecimento de metas que estimulam o individualismo e o assédio moral nos ambientes de trabalho. Apesar de que, paradoxalmente, as gerências preguem o espírito de equipe e o diálogo nesse tipo de gestão, chamada “flexível”. Seja como for, para sermos breves, independentemente dos métodos de gestão e da maquinaria usada, captar a “iniciativa” (uma palavra de Taylor) dos assalariados, sempre foi e ainda é um objetivo no capitalismo, onde quer que ele esteja presente. Isso é o principal a ser visto, ao menos em minha opinião.

Debate Sindical – Em rápidas palavras, como o senhor define fordismo, taylorismo e toyotismo?

Geraldo Augusto Pinto – Eu diria que o taylorismo foi o resultado de um embate entre a classe trabalhadora e os gestores do capital dentro dos ambientes de trabalho nas empresas, após as revoluções industriais dos séculos XVII, XVIII e, em especial, durante a monopolização do capital no século XIX. Um processo longo e através do qual as gerências buscaram arrancar, de forma explícita, o conhecimento tácito dos trabalhadores sobre os ofícios que desempenhavam, para, depois de decompô-los e sintetizá-los em operações-padrão, impô-los dentro de normas que permitissem um controle mais acurado da extração da mais-valia nas jornadas, além de abrir a possibilidade de contar com uma ampla massa de trabalhadores sem qualificações especiais.

O fordismo abusou destes mesmos princípios, embora a cooptação dos trabalhadores que promoveu tenha sido ainda mais forte que as bonificações por produtividade oferecidas por Taylor, uma vez que os aumentos salariais que advieram em alguns elos da indústria de massa fordista sugeriram uma suposta aproximação dos assalariados com o resultado do seu trabalho no mercado, dada a possibilidade de ampliação dos níveis de consumo.

O toyotismo, por sua vez, açambarcou todas essas etapas e ousou ainda mais, pois, além de jogar com o ideal de um trabalho polivalente e qualificado, sugeriu uma suposta participação dos assalariados nos resultados (tanto positivos, quanto negativos) das empresas no mercado. Com isso, além de buscar cooptar os assalariados como potenciais consumidores dos próprios produtos, o toyotismo tem buscado seduzi-los com a idéia de que são potenciais sócios nos negócios – uma verdadeira quimera, pois o avanço do toyotismo coincide justamente com a globalização e a oligopolização do capital. Enfim, enquanto sistemas de organização do trabalho, cada um tem as suas especificidades técnicas. Mas, o que importa ao diferenciá-los, em minha opinião, são as suas artimanhas na busca de conquistar a “iniciativa” da classe trabalhadora com os objetivos da acumulação capitalista.

Debate Sindical – Como essas formas influenciaram e influenciam a organização sindical dos trabalhadores?

Geraldo Augusto Pinto – Eu penso que o taylorismo teve como principal alvo as corporações de ofício ou o que ainda restava delas no século XIX, na forma de associações ou sindicatos. Sua introdução nas empresas permitiu a contratação de trabalhadores cujos perfis de qualificação deveriam poder ser prescritos pelas gerências, o que abalou significativamente a organização política desses trabalhadores. O fordismo avançou na mesma via e potencializou todos os efeitos perversos do taylorismo. Não foi pensando em ampliar o consumo dos seus automóveis que Ford ofereceu aumentos salariais aos operários: a idéia era conquistar os sindicatos combativos. Com o avanço da industrialização de massa e sua transnacionalização no pós-1945, houve uma ampliação do tamanho das organizações sindicais e seu poder de mobilização junto às empresas e ao Estado. Mas, com a emergência da gestão flexível após as crises da década de 1970, surgiram, ou ressurgiram, elementos como o trabalho terceirizado, o trabalho em domicílio, as contratações temporárias ou em tempo parcial, as jornadas diárias e semanais mutáveis, e tudo isso em meio a um enorme desemprego estrutural, pois os sistemas de gestão flexíveis resultam em fortes enxugamentos das empresas, em qualquer conjuntura. Se o desemprego afeta diretamente as bases de filiação sindical, o mesmo promove a terceirização e as contratações precárias, ao deslocar a representação dos trabalhadores entre distintas entidades, fragmentando mobilizações conjuntas. Isso sem contar os efeitos deletérios na consciência de classe que os programas de envolvimento gerenciais e o assédio moral nos locais de trabalho produzem sobre os trabalhadores, fatos que certamente se refletem na organização sindical.

Debate Sindical – Alguns falam que o trabalho perdeu a centralidade neste século, o senhor concorda com isso?

Geraldo Augusto Pinto – O que ocorreu, em minha opinião, foram impactos que alteraram alguns aspectos das relações entre o trabalho assalariado e o capital. A longevidade de certas qualificações técnicas, por exemplo, foi reduzida e com ela o próprio tempo de permanência nos empregos, que também foram reduzidos em número e fragmentados nos seus conteúdos, seja pelos enxugamentos de quadros, seja pelas terceirizações. Dos trabalhadores tem sido exigida uma atitude de assiduidade, alto desempenho e comprometimento com os ideais das empresas talvez nunca antes vista, e isso mina a consciência de classe, abala o senso de defesa. Se sempre houve riscos pela escolha de uma carreira profissional, agora estes riscos são muito maiores. E então, como eu sugeri no início da conversa, a saída tem sido a aceitação de metáforas anestésicas: frente ao desemprego, difundem-se soluções individuais como as idéias de “empreender”, de “aprender a aprender”, de “liderar a própria vida”, de “não criar limbo”, às quais muitos se apegam por ilusão ou desespero. Houve uma espécie de aceleramento das contradições do modo de produção capitalista e isso está expresso em todos os setores, não só nas relações de trabalho. Dizer que o trabalho perdeu a centralidade seria tão absurdo quanto dizer que os seres vivos não dependem mais de trocas com o meio ambiente. O que está ocorrendo é uma degradação de ambos, e nisso os sindicatos e governos têm de estar alertas, quando propõem, para a solução do desemprego, uma aceleração do crescimento da economia, nos mesmos moldes.


* Rosângela Ribeiro Gil é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos (UniSantos). Durante 20 anos trabalhou como assessora de imprensa em vários sindicatos da região (Urbanitários, Estivadores, Petroleiros, Metalúrgicos e Trabalhadores da Construção Civil). É integrante do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), entidade que desenvolve trabalhos em comunicação sindical, social e comunitária, com sede no Rio de Janeiro.
rosangelaribgil@uol.com.br

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