Enquanto Lula promove o álcool combustível nos países nórdicos, rede de TV sueca faz denúncias sobre a situação dos canavieiros no Brasil; Pastoral dos Migrantes informa que morreu em 11 de setembro mais um trababalhador por exaustão
12/09/2007
Agência Brasil de FatoMariana Martins
De Recife (PE)
Infeliz coincidência. Enquanto o presidente Lula visitava os países nórdicos para divulgar o álcool como a salvação para eliminar a polução dos combustíveis fósseis, a Pastoral dos Migrantes noticiava, no dia 11 de setembro, a morte da quinta vítima por exaustão nos canaviais brasileiros só este ano. Desde 2004, já são 21 vítimas.
Mesmo sem estar no Brasil, o presidente Lula não escapou de ser confrontado com as contradições da produção do álcool combustível. Poucos dias antes da viagem, a equipe da rede estatal sueca, Sveriges Television (STV), a maior rede televisão deste país, esteve no Brasil e fez entrevistas com trabalhadores rurais, cortadores de cana-de-açúcar – produto base do etanol – e pesquisadores em São Paulo e Pernambuco.
A reportagem foi exibida em rede nacional e levou para conhecimento dos suecos o real custo social a que vem se desenvolvendo a indústria dos chamados biocombustíveis no Brasil. A Suécia, um dos países visitados ao lado da Dinamarca, Finlândia e Noruega , é um dos maiores pesquisadores dos agrocombustíveis e está entre os maiores importadores do álcool brasileiro A rede de televisão entrevistou o presidente brasileiro e o questionou sobre a situação precária dos canavieiros. Lula respondeu que o Brasil vai criar uma espécie de "Certificado Social", para tentar evitar este tipo de trabalho que, muitas vezes, é análogo ao escravo.
Modelo de produção
No entanto, de acordo com Marluce Melo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Certificado Social não terá efeito prático, vai ser mais um instrumento para iludir o trabalhador e para passar uma boa imagem do Brasil lá fora. "Não tem como ter certificação social se é inerente ao modelo de produção de etanol a superexploração do trabalho, a degradação ambiental e a concentração de terra e renda".
Marluce Melo acrescenta ainda que o etanol é combustível limpo apenas do cano de escape dos carros para fora, pois o chamado "biocombustível" é produzido a um altíssimo custo social. "Além da situação degradante e muitas vezes análoga ao escravo a qual estão submetidos os trabalhadores rurais, principalmente os do corte da cana, a expansão da cana-de-açúcar para produção do etanol está tomando o lugar da agricultura camponesa, aumentando o preço dos alimentos, e deixando cada vez mais inviável a reforma agrária. Sem falar nos custos ambientais, cada litro de etanol produzido nas usinas gera 12 litros de vinhoto, substância tóxica que destrói a biodiversidade. Como estes dejetos são despejados nos rios, boa parte dos rios que cortam as Usinas está contaminada".
Para o jornalista sueco Filip Andersson, que já esteve no Brasil, a repercussão da reportagem da Sveriges Television foi muito boa apesar de não garantir uma reação mais severa das autoridades da Suécia em relação às negociações com o etanol do Brasil. "Acredito que agora os suecos sabem a custo de que o etanol é produzido. As pessoas estão mais críticas, os jornalistas também. Tanto é que foi feita a pergunta ao presidente para saber como isso seria resolvido".
Resposta dos movimentos sociais
Ainda por ocasião desta visita do presidente Lula, João Pedro Stédile, do MST, e Dom Tomás Balduíno, da CPT, produziram um artigo que trata das silenciadas conseqüências da expansão da cana-de-açúcar e da produção do etanol. O texto atenta para vários efeitos que já podem ser vistos, como: a degradação do meio ambiente. Segundo os autores, a expansão vai "ampliar a área de fronteira agrícola para a Amazônia e o cerrado (savana) — duas das regiões mais ricas em biodiversidade e berço dos principais rios do país, além de impedir que a sonhada reforma agrária seja realizada no Brasil".
Outro fator agravado pela industria da cana é a precarização do trabalho nos canaviais, pois ainda segundo Stédile e Dom Tomás, "A meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15 toneladas de cana por dia, o que tem causado problemas de saúde e no Estado de São Paulo (maior produtor do país), foram contabilizadas entre 2005 e 2006, 17 mortes por exaustão, dado o excesso de fadiga. O Ministério do Trabalho estima que 1.383 cortadores de cana morreram entre 2002 e 2006, no mesmo estado, por diversos problemas de saúde, ligados ao trabalho".
O aumento no preço dos alimentos, como, por exemplo, já vem acontecendo com o leite - visto que a área de gado agora é destinada à plantação de cana - é também levantado como conseqüência. O artigo diz que "o Programa de Biodiesel do governo estimula os pequenos agricultores a substituírem a produção de alimentos por plantações agroenergéticas, com o objetivo de divulgar o selo de ‘responsabilidade social’ e promover maior aceitação no mercado internacional. Com isso corre-se o risco de os alimentos escassearem e de sofrerem consideráveis altas em seus preços".
Além disso, a produção do etanol – bastante rentável economicamente por conta do baixo custo, já que o trabalhador brasileiro não tem seus direitos trabalhistas garantidos – vem se "internacionalizando", o que pode gerar ainda mais concentração de terra. Segundo Stédile e Dom Tomás, "diversos grupos estrangeiros estão comprando grandes usinas de cana-de-açúcar e extensas áreas de terras para a produção do etanol. Comunidades camponesas e indígenas sofrem os impactos destes projetos que aumentam a já histórica concentração de terras nas mãos dos usineiros".
Diante desta realidade os movimentos sociais e de luta pela terra e pelos demais direitos humanos e sociais do Brasil tentam mostrar de diversas formas a outra face da indústria dos agrobiocombustíveis. Para os movimentos, o governo, com esta política de etanol, encontra-se cada vez mais distante da erradicação da fome, da formalização dos empregos e da realização da reforma agrária, todas estas, promessa de campanha não cumpridas desde o primeiro mandato.
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