Editorial do jornal Brasil de Fato, edição 282, de 22 de julho de 2008.
Quando da aprovação da nossa Constituição (1988), uma importante conquista foi a inclusão de artigo que garante (e estimula) a criação de Conselhos, permitindo assim mecanismos de controle social do Estado, em todas as suas esferas (municipal, estadual e federal). Nisto está embutido o entendimento de que a Democracia Representativa clássica proposta por Montesquieu, não é suficiente para garantir o funcionamento de um Estado democrático – entendida aqui a democracia como um regime capaz de atender aos interesses da maioria: os trabalhadores e o povo (os explorados). Ou seja, garantia-se, assim, um caminho de construção e consolidação de um outro tipo de democracia – a Democracia Participativa, que incorpora instrumentos de Democracia Direta, como os plebiscitos, referendos, etc.
Durante mais de década, vários governos (especialmente municipais) de partidos progressistas e de esquerda, fazendo valer esse direito, lançaram-se a experiências nesse rumo. Experiências de distintas formatações transformaram os Conselhos em importantes órgãos deliberativos e/ou gestores de políticas públicas, com destaque para os Conselhos do Orçamento Participativo. Muita experiência foi acumulada nos municípios, e curtas iniciativas foram esboçadas também no nível de governos estaduais.
No caso do PT, mais que marca desta ou daquela administração, a questão da participação popular (destaque para os orçamentos participativos) estava incorporada enquanto "Modo Petista de Governar".
Sem dúvida, esses conselhos, ao ampliar a participação no controle do Estado, construindo instâncias populares de poder, ao mesmo tempo em que partilham as decisões (e por isto mesmo), as fortalece e lhes confere transparência. Ao fazê-lo, fortalece também o poder do Estado democrático (ou democratizado) , tornando-se ainda importantes bases de governabilidade para administrações cujos programas estejam construídos visando os direitos da maioria.
Garantir uma ordem republicana, uma República (= coisa pública, portanto não privatizável) numa "sociedade de massas", com quase 200 milhões de habitantes e no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, exige mecanismos amplos, sólidos e com capilaridade junto à classe trabalhadora e ao povo, de defesa democrática do Estado, e do seu fortalecimento.
Estado mínimo
e real politik
No entanto, a breve hegemonia desse modo petista de governar, enfrentou dois movimentos simultâneos:
Externamente ao PT (pelo menos no início), o avanço do neoliberalismo e o desmonte e privatização do Estado; internamente ao partido, o ascenso e consolidação do auto-denominado "Campo Majoritário" (que hoje atende pelo nome fantasia de "Construindo um novo Brasil"), com sua política interna ultra-centralizador a, métodos da mais empedernida fisiologia dos velhos coronéis, e uma estratégia de poder que tem como centro a conquista de governos e construção de suas governabilidades em alianças que incluem, desde o senhor Paulo Maluf (PP, ex-PDS, ex-Arena) até o senador José Sarney (PMDB, ex-DEM, ex-PDS, ex-Arena), para não falarmos do senhor Roberto Jefferson (PTB, ex-PDS, ex-MDB). Ou seja, uma real politik suicida, se temos em conta, não os objetivos e interesses de uma tendência ou de meia dúzia de carreiristas, mas aquilo que consta no Manifesto do Partido que aqueles representam e/ou em nome do qual governam.
Aliás, se observamos a lista dos petistas envolvidos em escândalos, veremos que (justificadamente ou não) são membros do "Campo Majoritário" e que, muitos desses nomes correspondem a destacadas figuras que promoveram o desmonte interno das instâncias democráticas do seu partido. Em política, não há coincidências – apenas in/conseqüências.
O caso do senhor
Daniel Dantas
Diferentemente das outras vezes, o escândalo encabeçado pelo senhor Daniel Dantas (cria do DEM), é exemplar para o que aqui discutimos. Desta vez, o homem de ouro é o douto ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, o Grão-Mestre da Privataria. Isto, todos sabem, por mais que a grande mídia comercial, descontrolada, tente esconder, trazendo para o proscênio figuras de petistas absolutamente sem qualquer importância para esta República. Certamente, com este recurso diversionista, pretendem apenas ganhar tempo para que nos bastidores tudo se acerte: para que a pizza seja recheada e posta no forno.
É comovente a inocência da grande mídia comercial, sua incapacidade de relacionar as privatizações e o Estado mínimo (que defende há décadas) enquanto condição sine qua non para operações dessa envergadura, envolvendo os maiores e mais importantes partidos do país, e os três Poderes. Mas não chegamos a nos espantar: tribos remotas da Oceania não relacionavam o ato sexual à procriação.
No entanto, o PT tem a obrigação de entender que, independentemente de qualquer um dos seus que possa estar de fato envolvido neste escândalo, um novo Brasil depende da retomada de suas premissas originais de controle social do Estado, além da também retomada de um funcionamento interno democrático.
Não acreditamos que isto possa acontecer apenas a partir da luta interna, ou de uma conversão dos ímpios. Isto não existe. Enquanto não houver um grande ascenso das lutas organizadas dos trabalhadores e do povo (o que não é espontâneo), e sua tradução para além das reivindicações específicas, tudo tenderá a ficar como está.
Ou seja, não voltaremos a ser uma República de Bananas, mas passaremos a ser a República do Etanol.
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Análise CEPAT
Uma leitura das 'Notícias do Dia' do IHU de 03 a 22 de julho de 2008 .
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 03 a 22 de julho de 2008. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Sumário:
- A ‘revolução silenciosa’ e o caso Dantas
- Dantas, produto da ‘Era FHC’
- Dantas e o governo Lula
- Lula e o banqueiro
- A participação de Greenhalgh
- Eike Batista. Geração do novo capitalismo brasileiro
- Casos Dantas e Eike: “A solução virá com mais política”
- STF. A ‘caixa preta’ sofre abalos
- A conjuntura da semana em frases
Eis a análise.
A ‘revolução silenciosa’ e o caso Dantas
Daniel Dantas é produto de uma profunda ‘revolução silenciosa’ que se processou no capitalismo brasileiro a partir dos anos 90: a brutal transferência de ativos do Estado para o mercado. Os anos dourados do neoliberalismo brasileiro produziu uma nova burguesia nacional associada ao capital transnacional. Ao contrário da ‘velha burguesia nacional’ que disputava ideologicamente um projeto de nação, essa nova burguesia, da qual Dantas é um dos personagens – Eike Batista é outro –, não tem partido ou ideologia e o seu único compromisso é com o “business”. “O que me dá satisfação não é o dinheiro em si, é o negócio”, afirmou Dantas.
Os anos 80 foram considerados a década perdida na economia mundial, particularmente na América Latina. No Brasil a economia ficou estagnada, aumentou a recessão e o desemprego. Uma das propostas para se combater a crise econômica e retomar o crescimento foi apresentado num paper redigido por John Williamson (1) em 1989. Neste documento, o economista listava algumas recomendações dirigidas aos países dispostos a reformar suas economias para voltarem a crescer. Entre os principais pontos recomendados, destaca-se a adoção de uma rigorosa disciplina fiscal, a abertura comercial, a busca por investimentos estrangeiros e as privatizações. O conjunto dessas políticas conhecidas como o ‘Consenso de Washington’ defendia na essência a retirada do Estado das atividades produtivas e a total liberdade ao mercado.
Cinco anos depois do lançamento do ‘Consenso de Washington’, em 1994, Fernando Henrique Cardoso assume a presidência do Brasil e adota com vigor a agenda do ‘Consenso’ e inicia uma ‘revolução silenciosa’ no capitalismo brasileiro. ‘Revolução’ essa assumida em uma entrevista concedida à revista Lua Nova em 1997 pelo próprio FHC. Na entrevista – reproduzida em artigo de Inácio Neutzling –, o ex-presidente comenta que com a opção de se integrar o país competitivamente no mercado internacional "o Brasil encontrou uma janela de oportunidades".
Diz ele: "Se eu tive alguma virtude na minha ação depois que me tornei ministro da Fazenda, e mesmo como ministro do Exterior, foi que eu vi isso. ‘Disse: olha aqui, mudou o mundo. Então, ou nós entramos nessa brecha ou nós vamos ficar mal’. Mas nós topamos e estamos enfrentando com sucesso esse desafio. Então, existe uma política nisso. E mais do que isso, é basicamente através do BNDES que nós estamos organizando o capitalismo brasileiro. As pessoas não sabem disso, não percebem isso. Mas nós estamos reorganizando o capitalismo brasileiro".
No mesmo ano [1997], o economista José Luiz Fiori comenta em artigo: "O que se está vendo é uma imensa recomposição patrimo¬nial da riqueza brasileira, basicamente movida por uma transferência gi¬gantesca de riqueza ou privatização de riqueza”.
A revolução silenciosa implementada por FHC implica em que, segundo Fiori, "o Estado deixa de ser locomotiva do crescimento, mas segue cumprindo o papel decisivo de vitalizador de um empresariado que não si muove”. Diz ele, “antes esse empresariado viveu dos subsídios e dos créditos, hoje está vivendo, e viverá nos próximos dez anos, das privatizações. Esse processo tem uma outra face, a face política. Não mais do que uns 20 grandes grupos se beneficiarão disso e sairão mais concentrados, mais fortes, mais poderosos, mais integrados no sentido do capital financeiro, entre capital internacional e nacional”.
Ainda segundo Fiori, a Revolução Silenciosa consiste em que o empresariado passa de uma teta para outra. Diz o economista: "O problema é que a primeira teta era desenvolvimentista e a segunda é patrimonialista. A primeira tinha o impulso de crescimento e nessa segunda não há nenhuma evidência disso. A grande obra de FHC, em síntese, será fazer com que voltemos da era do Estado desenvolvimentista para a era do Estado patrimonialista, pré-Vargas", afirma o economista.
O sociólogo Francisco Oliveira – entrevista reproduzida pelo Cepat Informa n. 73/ jun. 2001 – foi outro que chamou a atenção para a natureza da mudança em curso: “Capitais estrangeiros, privatizações e fusões criaram uma nova burguesia no país. E desestabilizaram as forças políticas”. Afirma o sociólogo: “Nesses seis anos sob FHC, houve uma transferência do patrimônio e da propriedade no Brasil para a qual o regime político não tem resistência. Cerca de 30% do PIB brasileiro mudou de mãos. É um terremoto. Com as privatizações, o governo perdeu boa parte da capacidade que tinha de distribuir favores no Estado entre seus aliados. Ao mesmo tempo, as agências reguladoras são pouco mais que um simulacro. Elas têm muito pouca capacidade para impor critérios e regras públicas a um sistema de competição pesado que se dá agora em escala internacional”.
A propósito da ramificação de Daniel Dantas com o círculo do poder que continuou mesmo no governo Lula, o sociólogo Francisco de Oliveira alerta que estamos diante de uma nova classe social. De acordo com Francisco de Oliveira com a entrada do Brasil no processo de globalização assistiu-se a emergência de uma nova classe social. De um lado, os tucanos que promoveram as privatizações e ganharam prestígio e poder nas empresas privatizadas e passaram a ocupar altos postos nessas empresas. Do outro lado, os ex-sindicalistas ligados a Lula que passaram a ter funções importantes nos fundos de pensão, que são grandes investidores nessas empresas.
A reorganização do capitalismo brasileiro realizada no governo FHC significou uma ruptura com o modelo de desenvolvimento que se desenhou no país a partir dos anos 30 – a Era Vargas – no qual o Estado jogou um papel decisivo. A agenda fundada no período FHC se orienta pelo trinômio: abertura econômica, privatização e desregulamentação do Estado. Assistiu-se a uma metamorfose de um Estado empresário para um Estado regulador. Em poucos anos promoveram-se alterações constitucionais significativas, a mais importante foi a reformulação do capitulo constitucional sobre a economia. O Estado deixa de ser o principal indutor da economia e delega esse papel para o mercado.
Foi no cenário dos anos 90 – desregulação do Estado, quebra de monopólios, venda das empresas estatais – que surge a figura de Daniel Dantas e outros empresários como Eike Batista e Benjamin Steinbruch. O banqueiro vangloria-se que o seu mérito foi o de ter percebido a natureza de mudança de patamar do capitalismo brasileiro e de ter se preparado para ela. Dantas soube interpretar a natureza dessa mudança e se lançou com avidez na montagem de um fundo de investimento para avançar sobre nacos do patrimônio do Estado. A sua empreitada que agora vêm a público se fez através de poderosas articulações políticas que envolvem o capital financeiro internacional, empresários estrangeiros, fundos de pensão, banqueiros, políticos, sindicalistas, jornalistas, doleiros e governantes.
O caso Dantas, nas palavras do jornalista Bob Fernandes, significa “um profundo mergulho nos intestinos do Brasil”. Poder-se-ia acrescentar: um mergulho no que aconteceu com o Estado brasileiro nos últimos vinte anos. Ou ainda, como já alertava Gushiken, o imbróglio em torno do banqueiro envolve “a maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro”.
Em pouco mais de uma década e meia, o banqueiro ergueu um império que, só no ramo das telecomunicações, chega a R$ 17 bilhões. Para tal obra, usou como argamassa capital de parceiros, além de uma vasta rede de conexões políticas tecida ao longo de três governos (Collor, FHC, Lula) a despeito de cores partidárias. Nas palavras da Polícia Federal, Dantas “corrompe, faz espionagem, manipula a mídia e se prevalece de bom relacionamento com autoridades”.
Dantas, produto da ‘Era FHC’
Considerado economista prodígio, Dantas formou-se em engenharia na Universidade Federal da Bahia e fez mestrado e doutorado em economia na Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio do Janeiro. Segundo a revista Piauí que traçou um detalhado perfil de Daniel Dantas, a sua dedicação à vida acadêmica era tamanha que, em 1980, ele adiou o casamento para participar de um congresso de economia promovido pela FGV. Os convites já estavam impressos e tiveram de ser refeitos. “Eu ia casar de qualquer maneira, era só questão de adiar a cerimônia por uma semana”, justifica.
Durante o tal congresso, Dantas foi encarregado de ciceronear Franco Modigliani, prêmio Nobel de Economia. Os dois se aproximaram e o italiano o indicaria para um pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Moyses Glat, professor de Dantas na FGV, lembra da proximidade de seu aluno com outro professor, Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda do governo Geisel.
A proximidade com Simonsen lhe rendeu ‘portas abertas’ para o mundo financeiro. Indicado pelo ex-ministro, Dantas começou a trabalhar na banca financeira. Trabalhou para o Bradesco e posteriormente contribuiu na formação do Banco Icatu. É nesse período que começa, por um lado, a sua fama de mago das finanças em função da ousadia e agressividade com que agia no mercado financeiro; por outro lado, se difundem os boatos que operava no mercado financeiro com informações privilegiadas como foi o caso do Plano Collor.
Já nesse período Daniel Dantas articulava-se fortemente com o mundo da política. Foi "adotado" pelo PFL do então poderoso Antonio Carlos Magalhães (ACM), amigo do pai do banqueiro (empresário do ramo têxtil da Bahia) e chegou a ser cogitado para o Ministério da Fazenda na gestão de Fernando Collor.
A grande tacada de Dantas veio com a abertura da economia nacional e a onda de privatizações no bojo da ‘revolução silenciosa’ de que falávamos anteriormente. O seu grande instrumento, origem e fio da meada das incursões e articulações na economia e na política, foi a criação do Opportunity Fund.
Na criação do Fundo, Dantas associou-se a Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES entre setembro de 1993 e janeiro de 1995 do governo FHC. Arida foi ainda por um breve período presidente do Banco Central. Foi na época em que esteve no BNDES que Arida ajudou a montar o programa de desestatização, ao lado de sua ex-mulher, Elena Landau – diretora de privatização do BNDES (quando era casada com Arida). Landau também deixou o BNDES e foi trabalhar como consultora do Opportunity.
Outro personagem do Opportunity Fund e que passou pelo BNDES, pelo conselho da BNDESPar (braço de participações do BNDES) foi Luiz Leonardo Cantidiano, que esteve no banco estatal entre 1996 e 1998. Em outubro de 1996, Cantidiano foi advogado do Opportunity Fund, fundo recém-criado nas Ilhas Cayman. Cantidiano representava o fundo junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mais tarde, em 2002, Leonardo Cantidiano virou presidente da CVM, órgão responsável por fiscalizar o mercado de capitais.
O grupo Opportunity e seu Opportunity Fund montaram um time de estrelas para participar da privatização do Sistema Telebrás. Assim, o Opportunity Fund foi o principal veículo com que o Opportunity investiu e controlou as empresas adquiridas pelos consórcios liderados e que arremataram várias empresas no leilão da Telebrás. Some-se a isso o fato de que Dantas conseguiu com suas articulações políticas a delegação para administrar os bilionários recursos dos fundos de pensão nas privatizações [cerca de US$ 1 bilhão, à época]. Delegação que, de forma semelhante, também tinha do Citibank, para administrar outro US$ 1 bilhão em investimentos do banco norte-americano. Para muitos, a especialidade de Dantas sempre foi a de mesmo sendo sócio minoritário dos empreendimentos assumir a sua condução.
A relação de Dantas com os fundos de pensão é um capítulo à parte e até hoje não muito esclarecido. Quem conta a historia é o jornalista Ricardo Noblat: “Lembram de Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do Brasil no governo FHC e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB? Ele saiu do banco depois de ter admitido em conversa grampeada pela Polícia Federal que agira no ‘limite da irresponsabilidade’ durante o processo de privatização do sistema de telefonia do país. O que o governo menos desejava na época era a revelação de qualquer indício ou prova capaz de sugerir que Ricardo Sérgio fosse ligado ao presidente”.
“Pois bem – continua Noblat – em meados de 2002, um alto executivo do Opportunity reuniu-se no Rio com um assessor de FHC. E lhe disse que tinha a gravação de uma conversa entre o presidente e Ricardo Sérgio. Dali a alguns dias, FHC recebeu Dantas para um encontro a sós no Palácio do Alvorada. E atendeu ao seu pedido de não trocar o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A CVM é responsável por regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país. Para tal fim, exerce, entre outras, as seguintes funções: assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteger os titulares de valores mobiliários; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação no mercado; e garantir a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de valores mobiliários.Os negócios de Dantas passam pela CVM”.
Há ainda o episódio do jantar de Dantas com FHC em junho de 2002 no qual pediu o afastamento de Sergio Rosa do fundo de pensão Previ. No dia seguinte, haveria a troca do comando da Previ, como desejava o banqueiro. Sérgio Rosa tinha se tornado um obstáculo para Dantas na instrumentalização dos fundos de pensão no jogo das privatizações.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nega a existência desse jantar. A propósito, o jornalista Mauro Santayana comenta: “O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esperou o banqueiro Daniel Dantas ser preso, para dizer que não o convidou para jantar no Palácio da Alvorada pouco antes da demissão de diretores da Previ. É curioso que o fato tenha sido fartamente noticiado na época (em 2002) e depois, sem que o ex-presidente o houvesse desmentido antes”.
Segundo o jornalista Mino Carta,“é do conhecimento até do mundo mineral que o fio da meada está no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, na infame marmelada das privatizações, quando o Opportunity se tornou o banco do tucanato, depois de ter prestado inestimáveis serviços ao PFL”. Cria de ACM, Dantas se projetou na era FHC. Na análise do jornalista, o longo período de mazelas e falcatruas, resultou entre outros na “celebradíssima BrOi, a fusão apresentada como indispensável aos interesses do Brasil”.
Dantas e o governo Lula
As coisas para Dantas começaram a piorar com a chegada de Lula no poder. Segundo Noblat, “faltaram a Dantas paciência e talento para fazer a transição política do governo FHC para o de Lula. E a poucos meses da eleição presidencial de 2006 ele cometeu seu mais grave erro: divulgou um falso dossiê sobre contas secretas que Lula e auxiliares teriam no exterior. Imaginou esculachar o governo com a vã esperança de recuperar o status que teve no governo passado”.
Ainda na campanha eleitoral de 2002, Dantas procurou se aproximar de Lula. Segundo comenta-se,Lula teria sido alertado pelo então coordenador de campanha e futuro ministro Luiz Gushiken de que o empresário fazia jogo pesado no mundo comercial e que tinha interesse em manter a influência sobre os fundos de pensão de estatais federais para vitaminar negócios privados. A disputa do ex-sindicalista Gushiken com Dantas foi motivada pelo controle dos fundos de pensão, sócios das empresas de telefonia controladas pelo banqueiro. Dantas é acusado de contratar, em 2000, a empresa americana Kroll para vasculhar os sócios da Telecom Itália na BrT.
Durante a espionagem, foram pegos e-mails do próprio Gushiken. O ex-ministro nunca perdoou o banqueiro e fez de tudo para distanciá-lo dos fundos de pensão assim que o PT ganhou a eleição. Coordenador da campanha eleitoral de Lula, ele vetou o recebimento de qualquer doação feita por Dantas ou por suas empresas. "Enquanto eu for vivo, esse senhor não contribui para a nossa campanha", dizia.
Segundo a imprensa, já em 2004, ao saber que o ex-sindicalista e tesoureiro petista Delúbio Soares fazia um trabalho de aproximação com o banqueiro, Gushiken passou-lhe um pito. Foi profético: "Saia de perto dessa pessoa. Isso vai dar encrenca”. Mas, Delúbio já andava de braço dados com Marcos Valério. Um ano depois estourou o mensalão. De acordo com a CPI dos Correios, o dinheiro das empresas Dantas teria abastecido o mensalão, com o esquema que ficou conhecido como "valerioduto". Os valores entravam para as empresas de Marcos Valério e de lá saíam para partidos aliados.
Apesar das resistências de Gushiken, Dantas teria conseguido rachar o núcleo duro do governo Lula. José Dirceu teria jogado a favor de Dantas e se aliado a Henrique Pizzolato – ex-dirigente sindical e por algum tempo membro do fundo de pensão do Banco do Brasil – Previ. Pizzolato ocupou a diretoria de marketing do Banco do Brasil e de antigo aliado de Gushiken passou a confrontá-lo. Por causa dessa opção, Gushiken acusou Pizzolato de traição. Uma história que ainda não está de todo elucidada.
Na disputa, Gushiken teria levado a melhor e coordenado um forte golpe contra Dantas, o da Previ que proibiu as mais de cem empresas nas quais têm participação de fazer negócios com o Opportunity. Em 2003, os fundos conseguiram destituir o banco da condição de gestor na Brasil Telecom. Um ano depois, o banqueiro fugiu do País para não ser preso pela Polícia Federal na Operação Chacal – que apurava a contratação da Kroll pelo banqueiro para espionar a Telecom Itália e autoridades brasileiras.
Na tentativa de furar o bloqueio e se aproximar do governo Lula, Dantas contratou dois advogados. Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo de José Dirceu a quem teria pago R$ 8,5 milhões e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, a quem teria pago R$ 1 milhão em honorários. Roberto Teixeira faz pouco foi denunciado pela ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu, de envolvimento e lobby na polêmica transação que envolveu a compra da VarigLog (transporte de cargas) e a venda da falida Varig à Gol.
A última contratação “petista” de Dantas foi o advogado Luis Eduardo Greenhalg, mas aí já por outros motivos – desatar o nó da fusão da Brasil Telecom com a Oi e rastrear processos de investigação na Polícia Federal.
O modus operandi do banqueiro Dantas sempre foi o de se aproximar de pessoas que pudessem exercer o que se denomina na política de “tráfico de influência”. No governo FHC transitou com grande desenvoltura, porém encontrou dificuldades no governo Lula, daí o seu esforço em se aproximar de pessoas que pudessem influenciar os seus interesses no governo.
Segundo o jornalista Ancelmo Gois na época no tucanato, Dantas raramente precisava de intermediários. Já no governo Lula contratou alguns abre-portas, e listou alguns nomes: Luiz Eduardo Greenhalgh; Roberto Teixeira (compadre de Lula); Mangabeira Unger (ministro e que chegou a trabalhou para a antiga administração da Brasil Telecom); Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay), advogado, amigo de José Dirceu.
Lula e o banqueiro
O banqueiro sempre preocupou o governo Lula. Segundo o jornalista Gerson Camarotti “para se livrar dos tentáculos do banqueiro do grupo Opportunity, no seu governo, o presidente avalizou pessoalmente um entendimento para que Dantas pudesse vender suas ações da Brasil Telecom (BrT) e sair do ramo da telefonia, o que possibilitou o acordo da venda da empresa para a Oi (exTelemar)”.
Segundo o jornalista, “petistas com acesso ao Palácio do Planalto revelaram que a rápida aproximação de Dantas com o governo em todos os escalões sempre foi motivo de preocupação de Lula”. Lula não escondia o desconforto com o banqueiro, a quem teria chamado, em mais de uma ocasião, de “gênio do mal”. Em conversas reservadas, Lula teria explicitado a sua desaprovação à forma como Dantas se infiltrou em vários setores petistas desde que foi eleito presidente em 2002.
Camarotti comenta que com o interesse do governo em criar uma supertele nacional, temia que os imbróglios envolvendo o empresário pudessem atrapalhar a negociação e sendo assim teria dado sinal verde para Greenhalgh atuar numa solução negociada, representando Dantas. O jornalista revela que segundo interlocutores, Lula nunca escondeu o que teria considerado o gesto mais ousado do banqueiro: a aproximação da BrT, sob a gestão do Opportunity, com a Gamecorp, empresa de jogos eletrônicos que tem como sócio Fábio Luís Lula da Silva, filho do presidente.
Outro fato que incomodou o Planalto foi a ramificação direta do grupo de Dantas com o chamado mensalão. A CPI dos Correios identificou que, para tentar manter o controle acionário da BrT, Dantas usou três empresas de telefonia de seu grupo para fazer pagamentos de R$ 152,4 milhões para as empresas de propaganda do publicitário Marcos Valério.
Uma coisa fica clara no caso Dantas: o banqueiro conseguiu envolver muitos políticos, tucanos, pefelistas e petistas em ordem de grandeza em seu cipoal, o que explica até o momento nenhum pedido de CPI no Congresso sobre o caso, ou seja, não interessa aos partidos mexer em algo que se tornou explosivo e poderia desenterrar muita coisa que muitos preferem que fique distante do conhecimento público.
O cipoal de Dantas envolve ainda a mídia. No relatório da Polícia Federal há um capítulo relativo à "Manipulação da Mídia" onde os policiais concluem que "em certas oportunidades é travada uma verdadeira batalha psicológica por meio dos órgãos de imprensa, os quais deveriam apresentar uma opinião isenta, mas, na verdade, encontram-se totalmente corrompidos, utilizados como instrumentos servindo aos interesses dos criminosos". Numa troca de e-mails entre funcionários do banco, também capturado pelos investigadores da polícia, há inclusive pedido de "orçamento das notícias abaixo" para três órgãos de mídia, o que confirmaria, segundo os investigadores, que "os meios de comunicação tem servido aos interesses daqueles que os controlam e financiam, o que fere a ética e a moral do bom jornalismo".
A participação de Greenhalgh
Apontado pela Operação Satiagraha como suposto braço político do banqueiro Daniel Dantas no Congresso e no Palácio do Planalto, o ex-deputado federal e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, teve uma trajetória ligada à luta dos direitos humanos no Brasil e aos movimentos populares. Teve sua linha de atuação voltada a questões agrárias, na defesa das minorias, sobretudo sem-terra, operários e índios. Greenhalgh participou da fundação do PT e do MST. Acompanhou, como advogado do PT, as investigações sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002. Recentemente trabalhou na defesa do padre Júlio Lancelotti.
A aproximação de Greenhalgh com Dantas começou durante a sua campanha para a presidência da Câmara, em 2005. Greenhalgh se aproximou do publicitário Guilherme Sodré – citado nas gravações da Operação Satiagraha como lobista do grupo Opportunity em Brasília.
Por solicitação de Sodré, Greenhalgh teria oferecido ao banqueiro Dantas um plano para melhorar a sua relação com o PT e o governo Lula, ou seja, se dispôs a tentar acordos com integrantes do partido que moviam ações contra Dantas, num passivo judicial que vem desde a época das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Entretanto, o trabalho principal de Greenhalgh teria sido o de atuar nos bastidores do governo para selar o acordo entre o banqueiro Dantas, o Citibank, os fundos de pensão e – já no final – da Brasil Telecom com a Oi que terminou com a criação de uma supertele sob controle dos empresários Sérgio Andrade (Andrade Gutierrez) e Carlos Jereissati (La Fonte) tudo regado a muito dinheiro do BNDES que está bancando a operação.
Segundo o jornalista Raymundo Costa, Greenhalgh lamenta ter envolvido Gilberto Carvalho, um amigo de mais de 30 anos, ao procurá-lo atrás de informações de uma suposta operação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra um dos homens de Dantas. O advogado lamenta o constrangimento que causou a Carvalho e ao governo Lula, mas diz não ter cometido ilegalidades enquanto trabalhou para o banqueiro.
Raymundo Costa relata a contratação dos serviços de Greenhalgh: “Sempre em movimento, dando voltas em torno da mesa, Dantas disse que estava havia cinco anos no negócio, e já ocupava o centro da maior disputa societária do capitalismo brasileiro, o que ocupava 88% de seu tempo. Ele queria sair do negócio, vender as ações da Telemar, Telemig e da Brasil Telecom, mas não era levado a sério. Greenhalgh ainda ponderou que ele dispunha de uma boa equipe de direito, mas Dantas insistiu e, segundo um dos participantes da reunião – que incluiu outros diretores do Opportunity – disse que precisava de um advogado que tivesse ‘compreensão política’ de todo o processo. A afirmação não causou estranheza entre os presentes, que o consideram ‘gênio das finança, mas desastre da política’”.
Greenhalgh recebeu honorários de R$ 650 mil pelos serviços prestados ao banqueiro Dantas. Escutas telefônicas indicam ainda que os serviços de Greenhalgh para Dantas não se limitaram à coleta de informações sobre a investigação da PF. Num dos trechos, ele conversa com Carlos Rodenburg, sócio do Opportunity e ex-cunhado do banqueiro, "a fim de intermediar" com a governadora do Pará, Ana Júlia (PT), interesses de fazendas do grupo no Estado.
O caso é relevante, uma vez que a Operação Satiagraha investiga se o grupo empresarial de Daniel Dantas lavava dinheiro por meio do império do agronegócio montado no sul do Pará. O grupo informa possuir 600 mil hectares de terras e meio milhão de cabeças de gado. O avanço do banqueiro no setor é recente, tendo começado em 2005. José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra em Marabá (PA) destaca que “é uma coisa que nunca houve na região do sul do Pará. Uma concentração de terra em tão curto espaço de tempo. Trabalhadores rurais reclamam que ele pode estar comprando terras que seriam da União e em áreas próximas à [unidade de conversação] da Terra do Meio". Batista afirma que a região continua sendo palco de conflitos agrários, embora o número de invasões de terras tenha diminuído nos últimos anos.
Eike Batista. Geração do novo capitalismo brasileiro em tempos neoliberais
Assim como Daniel Dantas outro personagem resultante da reorganização do capitalismo brasileiro engendrada desde o período FHC é o empresário Eike Batista. Como destaca Werneck Vianna em entrevista especial ao IHU, “Eike Batista não é um homem das finanças, e sim um homem da produção. O Daniel Dantas, não. Ele é um homem do setor financeiro”. Embora um fosse ligado à banca financeira e outro ao capital produtivo, os métodos são semelhantes.
Eike Batista dono, entre outras, da mineradora MMX, apontado como terceiro homem mais rico do Brasil, compõe a geração do novo capitalismo brasileiro dos tempos neoliberais. Ele mesmo se define como um homem de US$ 16 bilhões e sua meta é atingir a fortuna de Bill Gates (US$ 62 bilhões). "No Brasil, vou competir com quem?", costuma dizer. Eike Batiste é filho do empresário Eliezer Batista, presidente da Vale do Rio Doce no governo Jango e tido por muitos como nacionalista, Eliezer foi ainda secretário de Assuntos Estratégicos do Governo Collor.
Nos mesmos dias em que Dantas era investigado, o empresário Eike Batista era alvo da Operação Toque de Midas da Polícia Federal. O caso ficou ofuscado pela repercussão da prisão de Dantas, mas envolve todos os ingredientes de alguém que se aproximou dos interstícios do Estado e do poder: tráfico de influência, corrupção, pagamento de propinas, sonegação, agressão ao meio ambiente, entre outras acusações. O empresário não foi preso porque a operação da Polícia Federal vazou.
Os empresários Eike Batista e Daniel Dantas adotam métodos semelhantes: ousados, ambiciosos e agressivos no mercado, cercam-se de assessores com ramificações no poder e partem para cima do poder público, do aparelho do Estado, para atingirem os seus objetivos. Ambos chegaram a travar no Senado disputa de lobbies.
Sobre Eike Batista pesa ainda acusações de reiterada prática anti-ambiental. Sua mineradora MMX, além de ser acusada de incentivar as derrubadas de matas, se tornou a principal cliente de carvoarias que respondem a processos por uso de trabalho escravo e em condições degradantes na região norte centro-oeste do país.
O caso abre um novo capítulo na série de acusações por crimes ambientais contra o grupo EBX de Eike Batista, cujos empreendimentos já são questionados na Justiça em seis estados: Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Os processos são diferentes, mas a queixa é sempre a mesma: segundo o Ministério Público, as empresas da holding têm atropelado órgãos de fiscalização e leis ambientais para erguer portos, siderúrgicas, mineradoras e termelétricas pelo país.
O empresário que é acusado de aliciar tribos indígenas, envolveu nos últimos dias até mesmo um coordenador de Pastoral em seus negócios. O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no estado do Amapá, o ex-padre italiano Alessandro Gallazzi, sofre uma ação de improbidade administrativa de Ministério Público do Estado. O ex-padre vendeu à empresa um estudo de impacto ambiental que seria utilizado pela mineradora MMX para obter a licença de operação da mina de ferro em Pedra Branca (AP).
Até um mês atrás, Gallazzi era representante da CPT no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), órgão que analisa pedidos de licença ambiental. Para o promotor Afonso Guimarães, da comarca de Serra do Navio, havia conflito de interesse e Gallazzi não poderia ter feito esse trabalho: “O dirigente da CPT quebrou a regra e foi imparcial. No meio da análise do licenciamento ambiental de uma mineradora, um membro do Coema, órgão que julga, atuar ao lado do interessado com um parecer? Houve quebra de confiança”.
Alessandro Gallazzi ficou surpreso com a decisão do Ministério Público e se defendeu com o argumento de que o trabalho que prestou foi entre particulares. Ele sustenta que não há qualquer conflito de interesses no episódio. Disse que fez apenas correções no estudo de impacto ambiental apresentado pela MMX.
O coordenador da CPT é conhecido por seu trabalho combativo e até como crítico severo da atuação das mineradoras no Amapá. O próprio promotor disse que se surpreendeu ao tomar conhecimento da parceria entre Gallazzi e a MMX. “Ele era dos mais duros críticos da MMX. Mas não podemos fechar os olhos para o que foi feito”, afirma o promotor Afonso Guimarães.
Causou ainda um certo constrangimento o elogio descarado do empresário Eike Batista ao governo Lula faz pouco tempo: “Para mim, Lula é o grande maestro dessas mudanças a que estamos assistindo na economia (...) sem ele, esquece”.
Casos Dantas e Eike: “A solução virá com mais política”
Os empresários Daniel Dantas e Eike Batista, jovens, ricos, associados ao capital transnacional e com forte influência junto ao poder se constituem em personagens do novo capitalismo brasileiro em tempos neoliberais. São frutos da reorganização do capitalismo brasileiro que se processou desde o início dos anos 90. Sobre esses personagens que sofreram ação investigativa nas últimas semanas, o sociólogo Werneck Vianna tem uma opinião bastante particular. Em entrevista especial ao IHU, afirmou que “há uma zona de sombra que ainda precisa ser esclarecida”.
Diz ele: “Meu problema em relação a tudo é essa sucessão de intervenções espetaculosas da Polícia Federal, a mobilização da mídia, do Ministério Público, do Judiciário e da opinião pública para esses fatos. As questões centrais não são essas. Com essa cortina espetacular, o mundo continua como dantes. Nada muda no que se refere à questão agrária, às políticas sociais”.
Para Werneck, “todos esses escândalos e espetáculos atraem a opinião pública como se dependesse da salvação de todos apurar os negócios do Eike Batista e do Daniel Dantas. Não depende, isso é mentira! Com isso, se mobiliza a classe média para um moralismo que não pára de se manifestar. A política cai fora do espaço de discussão”.
Alerta para o fato de que “a sociedade acha que se resolve esse problema colocando a elite branca na cadeia. Desse modo, o país viveria numa sociedade justa. Não vai, mentira!”, diz ele. “O tema do crescimento econômico, da reforma agrária, da democratização da propriedade. Para isso ninguém mobiliza ninguém”, afirma.
Para o sociólogo, “a solução virá com mais política”. “O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política recua. Não há política. Está faltando sociedade organizada, reflexiva. A política está reduzida ao noticiário policial”, explica ele.
STF. A ‘caixa preta’ sofre abalos
O caso Dantas desatou ainda uma crise no judiciário brasileiro que resultou em algo inédito no país: protestos de juízes e manifestações de norte a sul contra a postura do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes que por duas vezes em um curto espaço de tempo concedeu habeas corpus para o banqueiro Daniel Dantas.
A indignação que tomou conta de importantes setores da sociedade brasileira se deve a três fatos. O primeiro deles a que o grupo de Dantas propagava que em caso de julgamento não encontrariam dificuldades no Supremo Tribunal Federal (STF). O segundo, que houve manobra para que o julgamento do habeas corpus caísse nas mãos de Gilmar Mendes, considerado no universo jurídico por muitos como um juiz desqualificado e parcial.
Segundo o jornalista Mauro Santayana “quando o nome do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, foi encaminhado ao Senado, para ocupar uma das cadeiras do STF, muitos manifestaram estranheza. O libelo mais forte coube ao professor Dalmo Dallari. Em artigo publicado antes da votação, o mestre paulista advertiu que, aprovado o nome do advogado-geral da União, estariam "correndo sério risco a proteção aos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional’". Diz ainda o jornalista que a carreira de Mendes era relativamente curta: “A muitos incomodava o comprometimento com o governo Collor – a quem serviu, na Secretaria da Presidência, até o impeachment – e com o de Fernando Henrique”.
O jurista Dalmo Dallari em entrevista ao IHU, disse textualmente que “ele [Gilmar Mendes] não tinha condições para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal”. Há ainda um terceiro fato para a indignação com a postura do ministro do STF, o sentimento de que os ricos não vão para a cadeia. Tese corroborada por Dallari: “O comportamento do Ministro Gilmar cria uma imagem negativa não apenas para o STF, mas para todo o Judiciário e fica a impressão de que basta ser muito rico para ter a proteção dos juízes do judiciário. Então, a Justiça é punitiva quando o criminoso não é rico. Se for rico, ‘fica tranqüilo’ porque terá proteção judicial. É muito ruim que se crie esta mentalidade e que haja a possibilidade de se pensar assim”.
Do outro lado, o sentimento reforça-se ainda mais quando da afirmação do juiz federal Fausto Martin De Sanctis que pediu a prisão de Dantas. Disse ele: "A Justiça está começando a incomodar os criminosos de lavagem de dinheiro. No passado, não chegava perto de ninguém poderoso". Se por um lado é verdade, por outro ficou o sentimento do clima de impunidade porque a prisão do banqueiro não se efetivou.
Na opinião de Wálter Maierovitch, “Gilmar Mendes transformou o Supremo em UTI para colarinho branco”. Algo inédito, entretanto aconteceu na história do judiciário. Pela primeira vez, o impeachment de um ministro do STF passou a ser cogitado.
A conjuntura da semana em frases
O caso Dantas
“Talvez este episódio (Daniel Dantas) nos coloque diante do que o crítico Roberto Schwarz chamou de "desigualdade social degradada", a saber: esgotada a perspectiva histórica de uma vida nacional e coletiva decente, a sociedade se reproduz mais e mais e de cima abaixo sob o signo da delinqüência. Daniel Dantas seria, tanto quanto Fernandinho Beira-Mar, um tipo capaz de iluminar a trama contemporânea do país” –
Fernando de Barros e Silva, jornalista –
Folha de S. Paulo, 21-07-2008.
"Porque se eu disse que vai acontecer, vai acontecer" –
Daniel Dantas, no grampo, a propósito de uma decisão de negócio –
Folha de S. Paulo, 14-07-2008.
“Se houve desrespeito à cidadania, foi o empurrão no porteiro, e não as algemas no Daniel Dantas. Elas são procedimento perfeito para qualquer cidadão” –
Tarso Genro, ministro da Justiça, comentando o tratamento dado ao porteiro que sofreu, aparentemente, um empurrão desnecessário do agente policial na casa do Naji Nahas,
Folha de S.Paulo, 13-07-2008.
"Houve um tempo no Brasil em que algumas pessoas acreditavam que estavam acima da lei. Isso vem mudando muito ultimamente" –
Lula, Folha de S.Paulo, 12-07-2008.
"Há quem defenda que a prisão preventiva deve ser reservada apenas aos crimes violentos como homicídio, roubo, extorsão, esquecem-se que uma das causas principais da criminalidade violenta é a desigualdade social. E esta desigualdade é provocada, em grande parte, pela pilhagem dos cofres públicos praticados por servidores corruptos e criminosos do colarinho branco, como os que são aqui investigados” -
Karina Murakami Souza e Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, delegados da PF, O
Estado de S.Paulo, 12-07-2008.
"Dantas usa a mulher como laranja. Então já temos a Mulher Laranja. Era a fruta que faltava. Só que a poupança da Mulher Laranja é maior que a da Mulher Melancia!” –
José Simão –
Folha de S.Paulo, 13-07-2008
“O papel vexatório de Greenhalgh - lobista com anel de doutor - o coloca na rabeira de uma longa fila de petistas e/ou amigos de Lula que já caíram na folha de pagamento de Dantas, do advogado Kakay ao compadre Roberto Teixeira” –
Fernando de Barros e Silva, jornalista –
Folha de S. Paulo, 18-07-2008.
"Parece piada que o delegado responsável por cuidar do maior esquema de corrupção do país precise fazer um curso de aprimoramento" -
Júlio Delgado, deputado federal - PSB-MG, sobre a versão oficial para o afastamento de Protógenes Queiroz da Operação Satiagraha -
Folha de S. Paulo, 17-07-2008.
“Juízes de primeira instância têm conversado comigo.Ninguém agüenta mais o juiz trabalhar exaustivamente, tudo ser feito e (se perder com) uma decisão simplória, na abstração de preceitos constitucionais, sem que a prova seja examinada. O juiz tem de ter um olho na lei e outro olho na realidade, senão ele perde a razão de ser. O Judiciário está aí para atender a sociedade, não para reforçar preceitos” -
Fausto de Sanctis, juiz federal responsável por autorizar por duas vezes a prisão do banqueiro Daniel Dantas –
Zero Hora, 16-07-2008.
"A Justiça está começando a incomodar os criminosos de lavagem de dinheiro. No passado, não chegava perto de ninguém poderoso",
Fausto Martin De Sanctis, juiz Federal,
Folha de S.Paulo, 11-07-2008.
Sabe por que Daniel Dantas divide o poder, os poderosos e os que se julgam poderosos? Porque é "o maior corruptor da história" –
Eliane Cantanhêde,
Folha de S.Paulo, 11-07-2008.
“Quando há muita gente resistindo a investigar, é porque alguma coisa tem. Se há o que temer é o conteúdo do disco rígido com os dados do banco Opportunity. Chegamos a ir ao Supremo Tribunal Federal, mas não conseguimos ter acesso a ele na CPI” -
Osmar Serraglio, ex-relator da CPI dos Correios –
Zero Hora, 16-07-2008.
"Ao contrário do que ocorre nos EUA, no Brasil, lobista esconde sua verdadeira profissão. Zé Dirceu, por exemplo, apresenta-seco-mo... “consultor”. Outro lobista, o ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, diz que faz “advocacia”, como se fosse trabalho de advogado ligar para o chefe do gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para saber se a Abin estava seguindo uma pessoa ligada a Daniel Dantas " -
Ancelmo Gois, jornalista –
O Globo, 15-07-2008.
‘Lulismo’
“Quando chego lá em João Alfredo , mostro a foto do celular e digo que Lula é meu amigo, o povo diz: “Como o senhor é abençoado!” Tem muita gente despeitada para me xingar. Mas, com Lula do meu lado, não tem para ninguém. No vídeo, Lula diz que sofri muita perseguição, que fui injustiçado por uma elite de São Paulo e Paraná. Está tudo lá, gravado” –
Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados, candidato a prefeito de João Alfredo – PE – pelo PP –
O Globo, 17-07-2008.
"Essa moça é minha ministra, foi militante de esquerda na juventude e tem verdadeira adoração pelo senhor. Ela pode tirar uma foto ao seu lado?" -
Lula para o general Vo Nguyen Giap, 98 anos, estrategista militar vietnamita que comandou as vitórias contra a França e os EUA,
Folha de S.Paulo, 11-07-2008.
"No começo dos anos 60, eu era despolitizado. Mas, como corintiano, o Corinthians vivia uma época difícil, era um faz-me rir. Aprendi a ficar do lado dos fracos, dos oprimidos. Os vietnamitas eram baixinhos, magrinhos, contra os americanos, fortes, alimentados com hambúrguer. A gente aprendeu a ficar do lado de David contra Golias” -
Lula, em sua visita no Vietnã,
Folha de S.Paulo, 11-07-2008.
Kirchnerismo
“A derrota de Cristina é a derrota de um estilo. Kirchner e a mulher sempre acreditaram em confrontar para conquistar. Tiveram sucesso quando os inimigos não passavam de fantasmas sem chance de se defender, como os remanescentes da última ditadura finda há 25 anos. Fracassaram quando o adversário mostrou poder de mobilização próprio, independente das verbas que o governo usou para cooptar, por exemplo, os piqueteiros, fundamentais para a derrubada de Fernando de la Rúa em 2001” –
editorial “Derrota de um estilo” –
Folha de S. Paulo, 19-07-2008.
“O kirchnerismo, tal como conhecemos até agora, terminou. O destino do governo dependerá de sua capacidade de buscar consenso” -
Joaquín Morales Solá, colunista político –
La Nación, 17-07-2008.
Chavismo
“É bem provável que a pressão crescente dos militares seja um dos fatores por trás dessa recente moderação do discurso de Chávez” -
Aníbal Romero, especialista em temas militares, professor por mais de 20 anos no Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional, voltado para a formação de militares –
O Estado de S. Paulo, 21-07-2008.
Cuba
"Socialismo significa justiça social e igualdade, mas igualdade de direitos, de oportunidades, não de renda. Igualdade não é igualitarismo. Este, em última instância, também é uma forma de exploração: a do bom trabalhador pelo que não é, ou, pior ainda, pelo vagabundo” –
Raúl Castro, presidente de Cuba,
O Estado de S.Paulo, 12-07-2008.
“Socialismo significa justiça social e igualdade. Mas igualdade de direitos, não de salários. A nossa igualdade tornou-se uma forma de exploração: do trabalhador por aquele que não trabalha” -
Raul Castro, presidente de Cuba –
La Repubblica, 15-07-2008.
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(1) - John Williamson - economista britânico - foi professor no Departamento de Economia da PUC/Rio entre 1978 e 1981, assim como Rudiger Dornbusch, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT); os dois foram figuras centrais na elaboração do ‘Consenso de Washington’. Vários economistas que trabalharam no governo FHC se vincularam ao que se denominou o ‘grupo da universidade católica do rio’. Em torno de John Williamson e Rudiger Dornbusch, se reuniram jovens professores, como Pérsio Arida, que foi presidente do Banco Central no governo FHC, André Lara Resende, que foi presidente do BNDES, Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda. E estudantes promissores como Edward Amadeo (ex-ministro do Trabalho de FHC); Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central); Armínio Fraga (ex-diretor do Banco Central).
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