GRISA, José Ernesto Alves
Professor Mestre em Sociologia pela UFRGS/EAFA
Vivemos um dilema societário: o modelo produtor/destruidor de mercadorias está colocando a perspectiva de vida ambiental do planeta em risco. Ao mantermos os níveis de consumo desequilibrado, ou seja, o primeiro mundo usufruindo do excedente produzido e consumindo muito além do necessário, enquanto a miséria e a barbárie se distribuem pelo restante do globo, estamos entrando numa encruzilhada civilizatória, e o rumo de hoje é a pericidade. A lógica do capital nos leva a isso.
A agricultura subordinada à indústria constituiu, há mais de um século, e de forma mais sistêmica, nos últimos 50-60 anos, um modelo que tem raízes na reciclagem da indústria bélica do pós-guerra, assentada na química de produção de bombas, redirecionada agora para a indústria de insumos industriais para a agricultura, adubos químicos, inseticidas, herbicidas, fungicidas e todos os cidas, mais os produtos químicos veterinários. Da indústria de carros de combate de grande porte saíram as grandes máquinas agrícolas e a conseqüente implantação das monoculturas. Esta é a origem do pacote tecnológico da agricultura que se convencionou como Revolução Verde.
Para a difusão dessas tecnologias “modernas” implantam-se nos anos 50, do século passado, em nosso país, os serviços de Extensão Rural, as Escolas Agrotécnicas e houve a disseminação das Faculdades de Agronomia, formatando um técnico embasado nessa metodologia produtiva. Segundo os governantes da época, era preciso tirar o campo do atraso, coincidentemente, também nesta época, instalam-se em nosso solo as multinacionais do setor. Isso tudo é parte de um projeto de desenvolvimento dependente do capitalismo internacional, ou seja, aquilo que José Graziano da Silva conceituou como a Modernização Conservadora da Agricultura, ou seja, um desenvolvimento que conservou intacta a estrutura agrária brasileira.
Esta forma de desenvolvimento causou danos ambientais significativos (contaminação dos recursos hídricos, destruição das florestas e matas ciliares, pauperização do solos agrícolas). Ela só beneficiou um setor do agro brasileiro, os grandes produtores que podiam adquirir essas tecnologias (via crédito subsidiado) e serviu para aumentar o fosso social, pois os pequenos, abandonados de política publicas, tornaram-se mais pobres e o resultado é o imenso êxodo rural e o aumento desorganizado das áreas urbanas, ocasionando os graves problemas sociais da atualidade.
Esta agricultura não ocupa mão-de-obra intermediária dos estudos agrícolas, com a agricultura de precisão, somente os estratos acadêmicos altamente especializados encontram empregos. A mão de obra intermediária (técnicos agrícolas) tem sido contratada em substituição aos peões, historicamente relegados ao analfabetismo (principalmente na região centro-oeste do país), pois estes não decifram os códigos e os manuais informacionais necessários para acionar as máquinas agrícolas e os demais equipamentos, quase todos informatizados, já os técnicos agrícolas dominam parcialmente esta linguagem. A formação educacional tem sido para atender a empregabilidade (limitada) e não para o mundo do trabalho que requer uma dimensão de autonomia simbólica.
Este tipo de agricultura intensiva em energia e capital, segundo o Engenheiro Agrônomo Gerson Teixeira “conspira contra a nossa independência tecnológica e contra a soberania alimentar do país. Produz impactos ambientais irreversíveis, estimula a concentração de renda e da propriedade fundiária, impõe um padrão homogêneo de cultivo e de alimentação que, além de tudo, erode as diversidades biológicas e cultural brasileiras”. Embora as instituições de ensino agrícola teimem em formatar uma mão-de-obra que atenda ao agronegócio e/ou, teoricamente, que ofereça tecnologia intelectual para desenvolver o ruralismo arcaico, este não se renova tecnologicamente, a não ser consorciando-se ao agronegócio, onde entra com o fator Terra, ou seja, participa no aspecto especulativo. Já o agronegócio é um empreendimento “economizador” de mão-de-obra. Recentemente, esta agricultura iniciou uma segunda revolução verde, com a introdução e massificação das cultivares geneticamente modificadas, dos desertos verdes, sob o controle de um restrito grupo de transnacionais da química e da biotecnologia, tornando os agricultores como “tercerizados” das grandes corporações.
Existe a possibilidade de se ensinar e de se apreender uma nova agricultura, com outra base científica e tecnológica, apoiada em uma outra ética que não seja voltada somente ao mercado, mas também ao social e ao ambiental. Uma agricultura agroecológica preocupada com a segurança alimentar de nosso povo, com a produção de alimentos sadios, com a utilização dos insumos internos das propriedades, como adubação orgânica, controle biológico, diversificação e rotação de culturas, agroindústria familiar, com ocupação sustentável do solo agrícola, preservação dos recursos hídricos e dos bosques nativos, menor dependência do mercado de insumos, fundamentalmente, preocupada em proporcionar a construção do homem novo, capaz de “ver-se como parte integrante da natureza”.
Esta é uma agricultura que não requer grandes áreas, mas trabalho familiar, maior autonomia. Ela possibilita aos jovens rurais e aos técnicos agrícolas permanecerem nas suas comunidades, proporcionando uma visão mais associativa e cooperativista, permite-lhes viverem do seu trabalho, ao invés de trabalharem como empregados rurais. Para tanto, também é possível reivindicar e participar dos programas de reforma agrária.
Portanto, uma educação agrícola comprometida com o destino dos alunos quanto ao mundo trabalho, caminha para “uma compreensão mais profunda da ecologia humana, dos sistemas agrícolas, pode levar a medidas coerentes com uma agricultura realmente sustentável. Assim, a emergência da agroecologia representa um enorme salto na direção [da humanidade]. A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas, tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais e que sejam culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis” Altieri (1987).
Como está o ensino técnico hoje, pode-se questionar para quem ele tem servido? Que tipo de profissional se está formando? Para que sociedade ele está sendo preparado?
A agricultura camponesa foi sempre estigmatizada pelos ideólogos da estratégia modernizante como atrasada, não funcional, mão-de-obra barata etc. Hoje é resgatada em todas as partes do globo pelas mais respeitáveis instituições de pesquisa como instrumento de prática agroecológica, como alternativa para uma humanidade menos poluidora. Entendo que as instituições de ensino agrícola, principalmente, de nível médio profissionalizante, estariam investindo melhor os recursos públicos se iniciassem a transição para uma agricultura mais sustentável que, certamente, capacitaria técnicos para o mundo trabalho com mais autonomia, ao invés de insistir em formatar um técnico para um campo que, estruturalmente, empregou muito pouco e hoje já não emprega mais, a não ser numa relação de baixa retribuição salarial, ou no trabalho semi-escravo da monocultura da soja transgênica.
Refeências Bibliografias:
ALTIERI, Miguel. Agroecologia – A Dinâmica Produtiva da Agricultura Sustentável – Editora da UFRGS, Porto Alegre – 2000.
GRISA, Jose Ernesto A. Os efeitos da Política Pública RS/Rural na Configuração da Identidade da Comunidade Remanescente de Quilombo do Angico, em Alegrete –Um Estudo de Caso- Dissertação de Mestrado- UFRGS, Porto Alegre- 2006
NEVES, Delma Pessanha. A diferenciação sócio-econômica do campesinato. Ciências Sociais Hoje. São Paulo: ANPOCS/Ed. Cortez, 1985: 87-132.
................ As políticas agrícolas e a construção do produtor moderno. Ciências Sociais Hoje. São Paulo: ANPOCS/Ed. Vértice, 1987: 143-177.
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