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O Manifesto:
O Manifesto:
I - Em defesa de uma cultura e de uma estética correspondentes à memória e à história do Rio Grande do Sul.
O
Rio Grande do Sul é um estado da federação brasileira resultante de um
longo processo histórico de conquista e ocupação, no âmbito da
geopolítica colonial, na disputa territorial entre Portugal e Espanha. O
território foi consolidado em suas dimensões definitivas no período
imperial e teve pequenas áreas ajustadas na República Velha.
Em
todo o ciclo histórico, observou-se o esforço de vidas humanas e
material para a construção de um espaço luso-brasileiro nos séculos
iniciais, e brasileiro, com a Independência, a partir de 1822. A
população do Rio Grande concorreu para a invenção do Brasil soberano.
Nesse ato, passou a ter uma identidade e a pertencer a um Estado-nação.
Historicamente, a escolha rio-grandense foi pelo seu pertencimento
brasileiro, rompendo com Portugal e tendo a América espanhola como sua
alteridade.
Concorreram para a conquista,
ocupação e formação da sociedade sulina indivíduos de diversos grupos
sociais e étnicos, genericamente identificados como: portugueses,
índios, negros, mamelucos, cafuzos, mestiços da terra; espanhóis,
uruguaios, argentinos, paraguaios, que escolheram permanecer na terra
independentemente dos tratados divisórios; imigrantes de projetos de
colonização ou que se aventuraram individualmente, em especial, advindos
de territórios atualmente inseridos na territorialidade da Alemanha,
Itália, Polônia, Rússia, Ucrânia, Espanha, França, etc.
Ao
longo do tempo, o rio-grandense se formou através da inserção em uma
identidade política, na composição da brasilidade e da naturalidade
regionalizada e fronteiriça. E no cotidiano, através da vivência de
todas as culturas, hábitos e costumes de origem, reelaborados na
dinâmica da convivência.
Nesse processo de
formação, em diversos de seus setores, ocorreu um involucramento com a
sociedade e a cultura platina e latino-americana.
Historicamente, o Rio Grande é multicultural e multi-étnico.
Cultural
e simbolicamente é uma região de representação aberta, de recriação
constante, como critério indispensável às manifestações de
pertencimento, motivadas pelas transformações históricas, sociológicas e
culturais, típicas de uma sociedade em movimento, de transformações
estruturais e antropológicas, onde ainda se opera, por exemplo, a
mestiçagem dos grupos étnicos de origem. Um estado onde as fronteiras
internas são evidentes.
Portanto, só é legítima a cultura que representar esta diversidade.
Conseqüentemente,
é ilegítimo todo o movimento ou iniciativa doutrinária de orientação
pública ou particular que não represente a complexidade social e
cultural do estado.
É alienante e escapista todo o
movimento que impede e atua através de instrumentos de coerção
cultural, midiático ou econômico, com o objetivo de dificultar os
desenvolvimentos culturais e estéticos que tomam os indivíduos e as
realidades contemporâneas como matérias de suas criações e vivências
estéticas.
É repressor todo o movimento que
milita através do governo, da educação, da economia e da mídia, para
fechar os espaços das manifestações artísticas, das representações
simbólicas e das inquietações filosóficas sobre os múltiplos aspectos do
Rio Grande do Sul.
É doutrinador e usurpador do
direito individual todo o movimento organizado que impõe modelos de
comportamento fora de seu espaço privado, se auto-elegendo como
arquétipo de uma moralidade para toda a sociedade.
Nessa
direção, consideramos como legítimas as manifestações que tomam os
rio-grandenses em suas complexidades históricas e culturais,
dimensionados em seus tempos sociais, e que transformam, em especial, a
sociedade contemporânea como expressões de suas criações estéticas,
formulações teóricas e inquietações existenciais.
Somos,
em razão disso, contra todas as forças que dogmatizam, embretam,
engessam, imobilizam a cultura e o saber em "expressões" canonizadas em
um espaço simbólico de revigoramento e opressão a partir de um "mito
fundante", inventando um imaginário para atender interesses
contemporâneos e questionáveis, geralmente identificados pela história
como farsa e inexistência concreta. Consideramos que todo o processo de
invenção e sustentação de uma visão "mitologizada" objetiva, unicamente,
atender interesses atuais; é uma forma de militância que recorre à
fábula, a ressignificação de rituais, hábitos e costumes, como forma de
"legitimação" de causas particulares como se fossem "tradições"
coletivas.
II - Em defesa de uma
racionalidade sobre a história do Rio Grande do Sul, de equivalência
para todos os construtores de nossa sociedade, de equiparação e direito
para todas as manifestações culturais, de inclusão multicultural e
respeito às heranças étnicas, sem que todas essas expressões sejam
diluídas em um gauchismo pilchado de civismo ufanista, ideológico e
manipulador dos mais sinceros sentimentos do povo.
Fundamentados
nos princípios acima e nos demais existentes no transcurso deste
manifesto, identificamos o MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO (MTG) como o
principal instrumento de negação e destruição desses traços culturais e
direitos fundamentais do povo rio-grandense.
Nossa posição se fundamenta nos seguintes argumentos:
1.. Somos contra o Movimento Tradicionalista Gaúcho, especialmente
porque, em sua cruzada unificadora, construiu uma idéia vitoriosa de
"rio-grandense autêntico", pilchado e tradicionalista, criando uma
espécie de discriminação, como se a maioria da população tivesse uma
cidadania de segunda ordem, como "estrangeira" no "estado templário"
produzido fantasiosamente pela ideologia tradicionalista.
2.. Somos contra o Movimento Tradicionalista Gaúcho, por identificá-lo
como um movimento ideológico-cultural, com uma visão conservadora e
ilusória sobre o Rio Grande, cujo sucesso se deve, em especial, à
manipulação e ressignificação de patrimônios genuínos do povo,
pertencentes aos seus hábitos e costumes.
3..
Somos contra o Tradicionalismo, porque ele não é a Tradição, mas se
arrogou de seu representante e a transformou em elemento de sua
construção simbólica, distorcendo-a, manipulando-a, inserindo-a em uma
rede gauchesca aculturadora, sem respeito às tradições genuinamente
representativas das diversidades dos grupos sociais.
4.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele não é Folclore, mas o
caducou dentro de invernadas artísticas e retirou dele seus aspectos
dinâmicos e pedagógicos; o seu apresilhamento ao espírito e ao sentido
do pilchamento do estado está destruindo o Folclore do Rio Grande do
Sul.
5.. Somos contra o Tradicionalismo,
porque ele é um movimento organizado na sociedade civil, de natureza
privada, mas que desenvolveu uma hábil estratégia de ocupação dos órgãos
do Estado, da Educação e de controle da programação da mídia,
conseguindo produzir a ilusão de que o tradicionalismo é oficialmente a
genuína cultura e a identidade do Rio Grande do Sul. A "representação"
tomou o lugar da realidade.
6.. Somos contra o
Tradicionalismo, porque, insensível à história e à constituição
multicultural do Rio Grande do Sul, através de procedimentos normativos,
embretou o rio-grandense em uma representação simbólica pilchada.
7.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele criou um calendário de
eventos e, através de seus prepostos, aprovou leis que "reconhecem" o
próprio tradicionalista como modelo gentílico, apesar de ser, em
verdade, um ente contemporâneo, sem enraizamento histórico e cultural.
8.. Somos contra o Tradicionalismo porque identificamos nele a criação
de instrumentos normativos usurpadores, com a ambição de exercer um
controle sobre a população, multiplicando a cultura da "patronagem", com
a reprodução de milhares de caudilhetes que tiranizam os grupos sociais
em seu cotidiano. Tiranetes que, com sua truculência, ditam regras
"estéticas" e limitam os espaços da arte e da cultura, lançando o
preconceito estigmatizador, pejorativo e excludente, sobre formas de
comportamento e manifestações artísticas inovadoras ou sobre concepções
do regional, diferentes da matriz "cetegista", mesmo quando essas
manifestações surgem no interior do próprio Tradicionalismo.
9.. Somos contra o Tradicionalismo, porque ele instrumentaliza
política e culturalmente uma visão unificadora, como se a origem
identitária do Rio Grande estivesse no movimento da "minoria
farroupilha", falseando sobre a sua natureza "republicana", elencando um
panteão de "heróis" latifundiários e senhores de escravos, como se
fossem entes tutelares a serem venerados pelas gerações atuais e
vindouras.
10.. Somos contra o
Tradicionalismo, por ele se fazer passar por uma Tradição, desmentida
pela própria história de sua origem, ao ser inventado através de uma
bucólica reunião de estudantes secundaristas, em 1947, no colégio Júlio
de Castilhos, em Porto Alegre.
11.. Somos
contra o Tradicionalismo, porque ele se transformou em força
institucional e "popular", em cultura oficial, através dos prepostos da
Ditadura Militar no Rio Grande do Sul.
a) Na
verdade, em 1964, o Tradicionalismo foi incluído no projeto cultural da
Ditadura Militar, pois o "Folclore", como fenômeno que não pensa o
presente, serviu de alternativa estatal à contundência do movimento
nacional-popular, que colocou o povo e seus problemas reais no centro
das preocupações culturais e políticas.
b) O
Tradicionalismo usurpou, assim mesmo, o lugar do Folclore, e se
beneficiou do decreto do general Humberto Castelo Branco, de 1965, que
criou o Dia Nacional do Folclore, e suas políticas sucedâneas. A difusão
de espaços tradicionalistas no Estado e as multiplicações dos galpões
crioulos nos quartéis do Exército e da Brigada Militar são fenômenos
dessa aliança.
c) A lei que instituiu a
"Semana Farroupilha" é de dezembro de 1964, determinando que os festejos
e comemorações fossem realizados através da fusão estatal e civil, pela
organização de secretarias governamentais (Cultura, Desportos, Turismo,
Educação, etc.) e de particulares (CTGs, mídia, comércio, etc.).
d)
Durante a Ditadura Militar, o Tradicionalismo foi praticamente a
única "representação" com origem na sociedade civil que fez desfiles
juntamente com as forças da repressão.
e)
Enquanto as demais esferas da cultura eram perseguidas, seus
representantes censurados, presos, torturados e mortos, o
Tradicionalismo engrossou os piquetes da ditadura - seus serviçais
pilchados animaram as solenidades oficiais, chulearam pelos gabinetes e
se responsabilizaram pelas churrasqueadas do poder. Esse processo de
oficialização dos tradicionalistas resultou na "federalização"
autoritária, com um centro dominador (ao estilo do positivismo), com a
fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho, em 1967. Autoritário, ao
estilo do espírito de caserna dos donos do poder, nasceu como órgão de
coordenação e representação. Enquanto o general Médici, de Bagé, era o
patrão da Ditadura e responsável, juntamente com seu grupo, pelos
trágicos anos de chumbo que enlutaram o Brasil na tortura, na execução,
na submissão à censura, na expulsão de milhares de brasileiros para o
exílio, os tradicionalistas bailavam pelos salões do poder.
Paradoxalmente, enquanto muitos freqüentadores de CTGs eram perseguidos
ou impedidos de transitarem suas idéias políticas no âmbito de suas
entidades, o Tradicionalismo oficialista atrelou o movimento ao poder,
pervertendo o sentimento de milhares de pessoas que nele ingressaram
motivados por autênticos sentimentos lúdicos de pertencimento e
identidade fraterna.
f) Através da
relação de intimidade com a ditadura, o MTG conseguiu "criar" órgãos
estatais de invenção, difusão e educação tradicionalista, ao mesmo tempo
em que entregou, ou reservou diversos cargos "públicos", para seus
ideólogos, sob os títulos de "folclorista", "assessor cultural", etc.
g)
O auge do processo de colaboração entre a Ditadura e o MTG foi a
instituição do IGTF - Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, em 1974,
consagrando uma ação que vinha em operação desde 1954. A missão era
aparentemente nobre: pesquisar e difundir o folclore e a tradição. Mas
do papel para a realidade existe grande diferença. Havia um interesse
perverso e não revelado. A constituição do quadro de pessoal, ao
contrário da inclusão de antropólogos, historiadores da cultura, pessoas
habilitadas para a tarefa (que deveriam ser selecionadas por concurso
público), o critério preponderante para assumir os cargos era, antes de
tudo, a condição de tradicionalista. Assim, um órgão de pesquisa,
mantido pelo dinheiro público, transformou-se em mais uma mangueira do
MTG. Com o passar dos anos, os governos que tentaram arejar o IGTF,
indicando dirigentes menos dogmáticos, invariavelmente, entraram em
tensão com o MTG.
h) Essa rede de usurpação do
público pelo Tradicionalismo, por fim, atingiu a força de uma imanência
incontrolável. Em 1985, já na redemocratização, o MTG conseguiu que a
Assembléia Legislativa instituísse o Dia do Gaúcho, adotando como tipo
ideal o "modelo" tradicionalista.
i) Em 1988,
com uma manipulação jamais vista na vida republicana, o MTG se mobilizou
pela aprovação da lei estadual que estabeleceu a "obrigatoriedade do
Ensino de Folclore"; na regulamentação, a lei determinou que o IGTF
exercesse a função de "suporte técnico", sem capacitá-lo
pedagogicamente. De fato, passou a ocorrer uma relação direta entre as
escolas e os CTGs. Dessa maneira, o Tradicionalismo entrou no sistema
educacional, transgredindo a natureza da escola republicana como lugar
de estudo e saber, e não de culto e reprodução de manuais. Hoje, os
alunos são adestrados pela pedagogia de aculturação e cultuação
tradicionalista.
j) Por fim, em 1989, a roupa
tradicionalista recebeu o nome de "pilcha gaúcha", e foi convertida em
traje oficial do RS, conforme determinação do MTG.
12.. O grande poncho do MTG, por derradeiro, foi tecido pela
oficialização dos símbolos rio-grandenses, emanados diretamente do
simulacro da "república" dos farroupilhas.
III - Em defesa de uma cultura que respeite os tempos de registro histórico-cultural e de representação contemporânea e sua densidade histórica.
III - Em defesa de uma cultura que respeite os tempos de registro histórico-cultural e de representação contemporânea e sua densidade histórica.
13.. Somos contra o MTG, porque consideramos indispensável para a
cultura regional distinguir os fenômenos da história dos da memória,
identificar os eventos em seus tempos históricos e desenvolver um
conhecimento em que os tempos históricos não sejam diluídos nas
celebrações contemporâneas e seus interesses ideológicos, culturais e
econômicos. A "institucionalização" de uma cultura cívica e de lazer
tradicionalista como "legitimidade", reforçada e inserida na indústria
cultural pilchada, impõe uma visão da sociedade e do passado, segundo a
ótica dos interesses dos indivíduos que operam socialmente na
atualidade. Através dessa falsa "historicidade", eles se legitimam como
"autênticos" e podem especular com este inventivo "selo de qualidade".
14.. Somos contra o MTG, porque a sua atividade de militância
"aculturadora", ressignificando símbolos, ícones, eventos históricos, em
um espaço praticado e imaginado como o ethos de uma estância atemporal,
empobrece culturalmente o Rio Grande do Sul e, de fato, relega etnias e
grupos sociais, historicamente importantes, à massa dos
"sem-simbologia".
15.. Somos contra o MTG,
porque o seu controle e patrulhamento vigora sobre a sociedade como um
espectro opressivo, em muitos casos como uma maldição, como uma ameaça
punitiva, desclassificativa daqueles que não ideologizam as pilchas ou
não se enquadram nos modelos "humanos", geralmente caricaturais,
decretados pelo MTG.
16.. Somos contra o MTG,
porque aqueles que se libertam de sua doutrina, depois do longo processo
de adestramento, geralmente iniciado na infância, enfrentam traumas de
identidade, especialmente ao descobrirem suas "versões manipulatórias"
da história, como a de que o povo do Rio Grande do Sul se levantou
contra o Império, ou que os farroupilhas eram republicanos.
17.. Somos contra o MTG, porque ele pratica a demência cronológica e
estatística, impondo a deturpação de que o povo se levantou contra o
Império e os imigrantes e seus descendentes também cultuaram a Revolução
Farroupilha, quando, quase em sua totalidade, sequer estavam no RS
entre 1835 e 1845. Se um dia aportaram no Brasil, isso se deve ao
projeto de colonização do Império. Os projetos de colonização
fundamentais, que contribuíram para a formação do Rio Grande do Sul
contemporâneo, não pertenceram aos farroupilhas.
18.. Somos contra o MTG, porque ele ajudou a instituir e alimenta em
seu calendário de celebrações, nas escolas, na mídia, um panteão de
"heróis", na sua maioria senhores de escravos.
19.. Somos contra o MTG, porque ele é uma força militante ideológica e
cultural que trabalha contra a criação de uma mentalidade ilustrada; a
transposição para o presente de personagens do antigo regime, como
"lumes tutelares" a serem adorados, impediu que se fizesse, nesse
particular, um movimento cultural com a densidade dos princípios
consagrados pela Revolução Burguesa.
20.. Somos contra o MTG, por ele ter transformado a população em adoradora de senhores de escravos (no geral, sem saberem).
21.. Somos contra o MTG, especialmente, porque defendemos o RS da
inclusão, da convivência multicultural, de todas as indumentárias, de
todos os ritmos, de todas as danças, de todas as emoções, de todos os
trabalhos e ofícios, de poéticas de múltiplos espaços, e não da
territorialidade simbólica exclusiva do pampa.
22.. Somos contra o MTG, porque desejamos construir espaços poéticos que representem também a complexidade de nosso tempo.
23.. Somos contra o MTG, porque, em defesa dos postulados da liberdade
de criação e de comportamento, do saber sobre o culto inócuo e
ideologicamente manipulador, o identificamos como o instrumento
preponderante de negação dos direitos elementares da liberdade, da
igualdade e da fraternidade.
24.. Somos contra
o MTG, por se tratar de um movimento de interesse hegemonizador sobre a
sociedade sul-rio-grandense, de caráter privado, que transgride a sua
esfera particular, para operar um autoritarismo de conversão dogmática
da população a um estilo gauchesco, inventado e normatizado por seus
membros, como expressão estilística de um pretenso gentílico de conteúdo
e forma cívico-ufanista.
25.. Somos contra o
MTG, porque, ao se transformar arbitrária e oficialmente em uma imagem
gentílica, se converteu em um movimento de intolerância cultural no Rio
Grande do Sul e em outras regiões do Brasil e do mundo, através de
instalações de CTGs que não respeitam as culturas locais, que invadem
como intrusos localidades de tradições milenares, usurpando seus
espaços, destruindo sua poética popular e deturpando sua arquitetura.
Nessa operação, o Tradicionalismo não é uma "representação" aceitável da
cultura sulina, mas o instrumento de uma "aculturação", da não inserção
dos grupos migrantes nas culturas locais, transformando-se, de fato, em
agente de destruição.
26.. Somos contra o
MTG, porque, ao se converter em uma representação do Rio Grande do Sul e
exercitar sua arrogância aculturadora em outros espaços
sócio-culturais, fazendo uma escolha pela não inserção e respeito às
populações do restante do Brasil e do mundo, está desencadeando
movimentos de reação discriminatória contra os "gaúchos". Devido às
posturas dos tradicionalistas, tornam-se cada vez mais freqüentes
campanhas populares de "Fora gaúchos" em outros estados da federação,
confundindo os "tradicionalistas" com os "rio-grandenses", jogando sobre
o povo do RS um estigma motivado unicamente pelo "cetegismo". Essa
militância tradicionalista contribui, de fato, para a difusão da
intolerância na população sulina.
27.. Somos
contra o MTG, por considerá-lo agente de um dano irreparável à maioria
dos sul-rio-grandenses frente ao Brasil, pois defendemos princípios de
identidades regionais harmonizados com as genuínas culturas locais das
demais regiões brasileiras.
28.. Somos contra o
MTG, por ele se apresentar militantemente em outras unidades da
federação, em seu extremo, como uma "etnia gaúcha", deturpando a
formação multi-étnica sul-rio-grandense, e ofendendo, além de tudo, os
conceitos mais elementares da Antropologia.
29.. Somos contra o MTG devido a sua soberba de pressionar outros
estados brasileiros para adotar a "pilcha gauchesca" como traje oficial,
produzindo ainda maior rejeição aos sul-rio-grandenses.
30.. Somos contra o MTG no Rio Grande do Sul e nos demais estados
brasileiros pela sua articulação incessante para se transformar na
cultura oficial, ou ser reconhecido como "uma representação externa", e
desejar se constituir em guardião dos símbolos, dos ícones e do
imaginário do povo.
31.. Somos contra o MTG,
porque, como entidade privada, ele tange, em sua arreada intolerante,
grande parte das verbas públicas dos setores da cultura, da educação, do
turismo, da publicidade e da Lei de Incentivo à Cultura das empresas
estatais, fundações e autarquias, para o seu imenso calendário de
eventos, onde, nem sempre, se distingue a cultura do turismo e do lazer.
a)
Em defesa da cultura rio-grandense postulamos pela instalação de uma
CPI na Assembléia Legislativa, para investigar a transferência de verbas
e infra-estruturas públicas para as atividades tradicionalistas, o que
caracteriza flagrantemente uma usurpação do patrimônio público.
b)
Reivindicamos audiências públicas ao Conselho de Cultura, para
discutir a canalização da LIC para um excessivo predomínio de projetos
tradicionalistas, muitos de caráter turístico e de lazer, iludindo a
natureza da Lei.
c) Alertamos e igualmente
reivindicamos audiências públicas ao Conselho de Educação, para discutir
a deturpação dos currículos e dos princípios de Educação Pública, em
conseqüência da infestação, da usurpação e da distorção pedagógica
representada pela invasão tradicionalista nas escolas, substituindo os
preceitos do "saber", do "estudar", pelo "culto" e pelos "manuais"
tradicionalistas. O indicativo dessa distorção e atropelo obscurantista é
a transformação do próprio espaço escolar, com a criação de "piquetes" e
"invernadas artísticas". Essa situação revela a falência pedagógica da
escola, o abandono de sua natureza laica e republicana. Os alunos são
induzidos a comportamentos e práticas dogmáticas, adestradoras,
apresilhados a uma identidade questionável, originada em um mito
fundante. Essa escola doutrinariamente cívica, "gentílica" e de "orgulho
gaúcho" exercita a fé, a pertença alienada. Ela significa a falência da
Educação. Por essa razão, reconhecemos como legítima a revolta daqueles
professores que rejeitam a sua conversão em instrumentos de realização
do calendário tradicionalista, como se fossem meros executores de seus
manuais dentro dos educandários. Reconhecemos como legítima a
resistência dos professores às pressões para serem transformados em
pregadores pelas direções, pelo poder e por alguns ciclos de país e
mestres, pois esse enquadramento significa a negação de suas funções
constitucionais de educadores.
32.. Somos
contra o MTG, porque, entre todas as suas deturpações, a mais grave é
representada pela sua própria oficialização, cujo corolário é a ambição
de instituir como "legalidade" a sua versão da história, através de uma
legislação introduzida progressivamente na esfera pública. Em alguns
processos judiciais contra pessoas transformadas em réus, por terem
feito crítica ao Tradicionalismo ou aos seus atos, os advogados do MTG
argumentam com "base" em leis que os parlamentares tradicionalistas
criaram, em decretos de seus executivos, em "epistolas" de seus
ideólogos.
33.. Somos contra o MTG, porque,
devido à sua ação de controle cultural, uso das verbas públicas,
interferência nos currículos escolares, vigilância sobre os meios de
comunicação, imposição manipulatória de uma idéia de "história" que
converteu em "heróis" senhores de escravos, sua hegemonia e operação
militante no Estado, na sociedade civil e no senso comum, contribui para
a mediocrização do Rio Grande do Sul em seus aspectos culturais, de
inserção moderna e respeitosa no Brasil e na América, produzindo uma
incapacidade de leitura crítica da sociedade rio-grandense e do mundo.
Nas últimas décadas, os acontecimentos culturais populares importantes
se constituíram na relação e na contradição com o Tradicionalismo. Na
maioria dos casos tiveram que superá-lo, ou negá-lo, para sobreviverem e
afirmarem os seus espaços estéticos.
34..
Somos contra o MTG em sua usurpação do público, mas, por outro lado,
ainda como manifestação de nossos princípios republicanos, defendemos o
MTG quanto ao seu direito privado, ao seu exclusivo espaço cultural, à
noção de que ele é apenas um segmento interpretativo da história e da
cultura do Rio Grande do Sul, sem que as suas convicções singulares
tenham a ambição e a ação militante ilegítima de "aculturação" das
demais esferas sociais e culturais do estado, sem que se coloque no topo
de uma hierarquia dominante e exclusivamente gauchesca da identidade.
35.. Somos contra o MTG, exclusivamente, no que tange à usurpação das
esferas públicas e à coerção de nossos direitos civis, culturais e
estéticos.
36.. Somos contra o MTG, porque
identificamos nele a alimentação de uma sinergia cultural que atolou o
Rio Grande do Sul no passadismo conservador, criando uma força de
pertencimento que bloqueia o desenvolvimento de uma energia socialmente
humana moderna, humanista, republicana, respeitosa com os sentimentos
historicamente multiculturais da população rio-grandense.
37.. Somos contra o MTG, porque nos sentimos reprimidos, cerceados e
vitimizados, cultural e profissionalmente, por ele, identificando-o como
uma força militantemente dogmática contra os nossos direitos e
cidadania.
38.. Somos contra o MTG, porque
defendemos o Folclore representativo da nossa multiplicidade étnica,
consideramos as frações da Tradição que expressam as relações
humanizadas e o espírito solidário do povo sul-rio-grandense, a Cultura
Popular, os espaços efetivos para uma cultura que expresse nossa
historicidade, desde o passado até a atualidade, e, principalmente,
porque postulamos uma estética sem embretamentos, capaz de apreender a
complexidade regional com suas particularidades e conexões universais.
Rio Grande do Sul, março de 2007.
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