Decio Machado- Rebelión
A versão colombiana
Segundo a versão colombiana, a frente 48 das FARC estava sendo perseguida com base em uma informação que indicava que o líder guerrilheiro Raúl Reyes estaria presente em um povoado denominado Granada, próximo aos limites fronteiriços com o Equador, mas ainda em território colombiano.
O ministro de Defesa colombiano, Juan Manuel Santos, indicou que durante essa operação, as forças armadas colombianas foram atacadas a partir de um acampamento das FARC situado a 1.800 metros da fronteira, dentro de território equatoriano.
Então se diz que a força aérea colombiana procedeu a localizar e atacar o acampamento guerrilheiro, tendo sempre presente a ordem de não violar o espaço aéreo equatoriano; indicando que, depois, a força armada colombiana entrou para assegurar a zona e deixando a polícia colombiana encarregada do acampamento atacado, até a chegada do exército equatoriano.
A verdade dos fatos
As investigações que estão sendo realizadas por parte das autoridades equatorianas demonstram que nunca houve combate por parte do comando atacado das FARC. Excetuando três deles, que desempenhavam funções de vigilância, os 18 falecidos estavam dormindo com roupas interiores, ninguém do comando guerrilheiro teve ocasião de entrar em combate ou de se render. O armamento existente no acampamento estava empilhado, não tiveram ocasião sequer de chegar até seus fuzis e granadas, foram massacrados enquanto dormiam.
Os testemunhos dos colonos da zona, assim como os buracos encontrados sobre o piso de terra do acampamento, demonstram que foram lançadas quatro bombas desde aviões colombianos que voaram sobre território equatoriano. Segundo as investigações da inteligência militar, elas foram lançadas do sul do acampamento, o que quer dizer que os aviões haviam se adentrado mais de 10 quilômetros em território equatoriano quando procederam ao ataque.
Após o lançamento de bombas desde estes aviões, sobrevoaram vários helicópteros “Supertucanes”, pertencentes à força aérea colombiana. A partir deles prosseguiram atacando o acampamento das FARC em território equatoriano. Desses helicópteros desceram comandos especiais que deram o tiro de misericórdia nos guerrilheiros que estavam feridos no acampamento, segundo fica demonstrado pelas balas nos corpos de grande parte dos guerrilheiros, muitos deles amontoados em uma zona determinada do acampamento e assassinados pelas costas. Inclusive, as fotografias apresentadas pelo governo colombiano do cadáver do comandante Raúl Reyes, mostram como ele tem um disparo na parte esquerda de sua cara.
As informações provenientes da inteligência militar equatoriana, indicam que o espaço aéreo do Equador não foi violado apenas na madrugada do dia 1º de março, mas também na madrugada do dia 2, quando ocorre uma nova incursão de helicópteros com visores noturnos para retirar membros das forças armadas e da polícia colombiana que ainda estavam em território equatoriano.
A posição das árvores derrubadas durante o bombardeio, os múltiplos impactos de disparos nas árvores, além da posição dos cadáveres, demonstra que enquanto as FARC vigiavam o acampamento em sua posição norte, que era a que fazia fronteira com a Colômbia, a incursão aérea veio do sul, o que indica que a força aérea colombiana invadiu sem permissão, sem notificar e violando todo tipo de normativa internacional o espaço aéreo equatoriano. Os testemunhos dos moradores da zona, indicam que o ataque se prolongou desde aproximadamente a meia noite até as seis da manhã do dia 1º de março.
A precisão do ataque demonstra, também, a utilização de uma importante tecnologia militar, que também deixa aberta a possibilidade de participação dos Estados Unidos no massacre, pelo menos em tarefas de informação e localização do comando guerrilheiro.
Os testemunhos dos moradores falam da possibilidade de que os helicópteros colombianos tenham levado quatro cadáveres e não dois, os correspondentes a Raúl Reyes e Julián Conrado, como indicam as autoridades do país agressor. Por sua vez, o exército equatoriano não descarta a possibilidade de localizar mais algum cadáver na espessa zona selvática onde ocorreu a matança.
A reação do presidente Correa
Em um ato de soberania e dignidade, o governo da República do Equador retirou seu embaixador em Bogotá, expulsou o embaixador da Colômbia em Quito e mobilizou as tropas em direção à fronteira, ao mesmo tempo que solicitou reunião extraordinária da Assembléia Geral da OEA, da CAN e do MERCOSUL.
Rafael Correa chamou o presidente Uribe de mentiroso, denunciando que tinha sido notificado por ele, por volta das 8:30 horas, e que havia sido enganado por seu homólogo colombiano, que justificou a incursão em território equatoriano "pelo calor do combate".
Acusações da Colômbia
Que as FARC operam no Equador é uma denúncia que tem sido permanente a partir da chancelaria e da presidência da Colômbia, versão que foi agravada após a libertação, em 27 de fevereiro, de quatro ex-congressistas colombianos por parte das FARC. Um deles, Luis Eladio Pérez, declarou para Radio Caracol que no início do seu cativeiro esteve retido em território equatoriano, acrescentando que as FARC se abastecem com produtos provenientes do Equador, Brasil e Venezuela. “Eu dormi no Equador: com isso digo tudo. Usávamos botas de marca equatoriana, desodorantes e drogas brasileiras e sabonetes venezuelanos”, declara no dia seguinte à sua libertação Luís Eladio Pérez.
Por sua vez, o exército equatoriano, no transcurso do ano passado, descobriu vários acampamentos de provisões e descanso das FARC em território do Equador, sempre próximos à fronteira e em território muito difícil de controlar, devido à espessura e extensão desta zona da selva, que abrange ambos os países.
Antecedentes nas relações entre Equador e Colômbia
As relações entre o Equador e a Colômbia tinham se caracterizado, até agora, por um baixo nível de conflito, desde que assumiu a presidência do Equador o economista Rafael Correa Delgado, em 15 de janeiro do ano passado.
Esta realidade não foi sempre assim, com a ocorrência de situações muito tensas durante governos anteriores ao de Correa. Assim, no ano 2005 houve um conjunto de situações que questionaram a soberania do Equador. Em julho desse ano, durante o mandato de Alfredo Palacios, Parra Gil, então chanceler do Equador, após uma reunião com Carolina Barco, na época chanceler da Colômbia, questionou as fumigações das plantações de coca ordenadas desde Bogotá na linha fronteiriça comum. Apesar desse questionamento, e sem obter resposta positiva da Colômbia, o Equador votou a favor do colombiano Luís Moreno como presidente do BID, atendendo solicitação do governo colombiano e dos Estados Unidos. Luís Moreno havia sido embaixador da Colômbia em Washington e foi questionado por participar da gestação do Plano Colômbia.
Outro fato que evidenciou uma postura de ambigüidade na relação histórica do Equador com a Colômbia ocorre quando, no dia 31 de julho de 2005, um repórter equatoriano denuncia que “…o exército do Equador se uniu à operação contra as frentes 21, 13 e 48 das FARC, que estariam escoltando o guerrilheiro Raúl Reyes e que mantêm bloqueado o departamento de Putumayo”. Esta informação foi confirmada pelo Major General equatoriano Reinaldo Castellanos Trujillos.
Contudo, a violação mais grave realizada pelo anterior governo de Alfredo Palacios com respeito à histórica neutralidade do Equador diante do conflito armado no país irmão ocorreu quando, nesse mesmo ano, uma operação coordenada de inteligência das polícias do Equador e da Colômbia localizam e capturam em Quito supostos guerrilheiros das FARC que estavam internados em uma clínica. Essa coordenação existe e o fato mais significativo desta realidade acontece quando, durante a presidência de Lucio Gutiérrez, no ano 2004, uma operação conjunta entre forças de ordem colombianas, equatorianas e norte-americanas, permitiu a captura em Quito de Ricardo Palmero, mais conhecido como Simón Trinidad, agora processado e preso, com uma condenação de 60 anos, nos Estados Unidos, graças à extradição facilitada pelo governo de Uribe.
Crise regional
A pretensão de Álvaro Uribe de aplicar na luta contra o que define como “terrorismo” a mesma estratégia utilizada por Israel em seu combate contra o mundo árabe, pode ter repercussões imprevisíveis no continente latino-americano.
O presidente da República Bolivariana da Venezuela, comandante Hugo Chávez, perante a possibilidade de que o governo da Colômbia faça incursões e viole a soberania da Venezuela, tal e como fez com o Equador, ordenou o fechamento definitivo de sua embaixada em Bogotá, além de reforçar a presença militar em toda a zona fronteiriça com a Colômbia. Para as próximas horas se espera a expulsão do embaixador colombiano em Caracas.
“Senhor ministro de Defesa, mobilize 10 batalhões em direção à fronteira com a Colômbia imediatamente. Batalhões de tanques. A aviação militar que se mobilize. Nós não queremos guerra, mas não vamos permitir ao império norte-americano, que é o amo, nem ao seu cachorro, o presidente Uribe e a oligarquia colombiana, que venham nos dividir, que venham nos debilitar, não vamos permitir”, ordenou o mandatário venezuelano.
Chávez ofereceu todo o respaldo necessário, em seu conflito diplomático com a Colômbia, ao Equador, indicando: “Ponho a Venezuela em alerta e vamos apoiar o Equador em qualquer circunstância”.
Por sua vez, o presidente Correa entrou em contato, durante o domingo 2 de março, com uma dezena de países com a finalidade de conseguir apoio e informá-los da gravidade dos fatos ocorridos na incursão e massacre colombiana em território do Equador.
A resposta do executivo colombiano não se fez esperar, e na própria noite do dia de março, o diretor da Polícia, general Óscar Naranjo, revelou documentos preliminares por meio dos quais se pretende demostrar que Raúl Reyes mantinha contatos com o Ministro Coordenador de Defesa Interna e Externa do Equador, Gustavo Larrea. Estes documentos supostamente foram encontrados em três computadores encontrados pelo exército colombiano no acampamento onde Reyes foi assassinado.
Os objetivos de Uribe
Apesar de que as FARC tornaram público um comunicado em que indicam que o assassinato de Raúl Reyes não vai afetar as negociações pelo acordo humanitário, a verdade é que os objetivos do presidente Uribe são claros: bloquear o processo de entrega de reféns de tal maneira que fique bloqueada a possibilidade de libertação, por parte das FARC, de Ingrid Betancourt.
Se bem a vontade do executivo colombiano de que Betancourt não retorne viva é uma realidade dificilmente questionável, a verdade é que as declarações dos quatro ex-congressistas libertados no passado dia 27 de fevereiro, nas quais indicaram o desejo da seqüestrada de apresentar-se nas eleições presidenciais da Colômbia com um programa de paz para esse país, deixaram Uribe muito nervoso.
Paralelamente a isto, a intervenção colombiana no Equador pretende claramente transformar o país vizinho em uma espécie de Camboja, com respeito ao conflito militar colombiano.
O fim do acordo subscrito por 10 anos entre os governos do Equador e dos Estados Unidos para a utilização por parte das forças armadas norte-americanas da base de Manta, que deve expirar no fim deste ano e sobre o qual o presidente Correa já se posicionou, expressando sua decisão de não renová-lo, também é um elemento a ser levado em consideração na escalada da crise diplomática na área andina.
A base de Manta é uma ferramenta fundamental dentro da estrutura e estratégia do Plano Colômbia e mesmo que o governo norte-americano não tenha feito declarações objetivas sobre sua saída da base no final de 2008, é evidente que faz parte de sua agenda de preocupações com respeito à nova política desenvolvida no Equador a partir da chegada ao poder da chamada “Revolução Cidadã”.
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
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