O artigo "O MST CHEGA À ENCRUZILHADA" na Revista Carta Capital, acertou o ponto crítico da luta social no Brasil. O maior movimento social do país e mais combativo, sente as mudanças do modelo produtivo neoliberal no campo e do equivocado apoio a pessoa do Presidente Lula. A tática do movimento parece vacilante e a estratégia ficou confusa, neste contexto, sentindo a dificuldade em combinar luta pela terra e o combate ao modelo da economia capitalista.
A meu ver, lutar pela terra é uma batalha contra a concepção capitalista de propriedade, consequentemente a luta é por uma outra sociedade e para isto, se faz necessária a organização do lumpezinato, dos excluidos do campo e da cidade. A luta tem que ocupar o lugar que o crime organizado tem nas favelas do Brasil e faça com que, de caricatura organizativa, o povo pobre saia do controle do crime e passe à organização política, com ações efetivas e concretas de seus interesses: por terra, justiça, liberdade, trabalho e independência dessa massa popular, excluída pela revolução tecnocientífica, em tempos neoliberais. Sem mudar a prática atual, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra não desenvolverá uma aptidão transformadora, ficando refém da concepção capitalista de propriedade produtiva no campo e como bem avaliou o camarada José Ernesto Grisa: "....prevalece, ainda, a ideologia do individualismo, onde o acampado ao ser assentado quer crédito para produzir e ganhar dinheiro para consumir....."
O empenho pela terra deve ser o resgate à identidade do povo, de suas culturas, contra as consequências excludentes da modernização econômica e também opor-se radicalmente à idéia de inevitabilidade de uma nova ordem geopolítica sob a qual o capitalismo, e seus valores e subculturas, tornam-se universalmente aceitos. A batalha a ser travada não é somente por terra e sim por uma nova forma societária, caso contrário a luta esmorece, a rebeldia é domesticada e a cultura da resistência se despolitiza e morre.
Depois desse depoimento sobre o momento que passa o MST, e é a encruzilhada de todos os movimentos sociais na América Latina, como também, dos governos: Chavéz, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia e Rafael Correa, no Equador. Aproveite e leia abaixo, o artigo da Revista Carta Capital - O MST CHEGA À ENCRUZILHADA
Artigo na íntegra:
por Phydia de Athayde e Rodrigo Martins
O MST chega à encruzilhada
Todas as manhãs, tão logo o sol desponta, Isaías Antônio Vedovatto está a postos para tirar leite das vacas e, eventualmente, acompanhar de perto o abate de bois e porcos. Assentado num lote de 15 hectares, na Fazenda Anoni, desapropriada no início da década de 1990, o pequeno produtor juntou-se a 14 famílias do município gaúcho de Pontão para tocar um frigorífico comunitário e uma cooperativa de laticínios. Os alimentos produzidos no roçado familiar, como feijão e mandioca, não são comercializados. Reforçam as refeições da mulher e dos dois filhos.
A meu ver, lutar pela terra é uma batalha contra a concepção capitalista de propriedade, consequentemente a luta é por uma outra sociedade e para isto, se faz necessária a organização do lumpezinato, dos excluidos do campo e da cidade. A luta tem que ocupar o lugar que o crime organizado tem nas favelas do Brasil e faça com que, de caricatura organizativa, o povo pobre saia do controle do crime e passe à organização política, com ações efetivas e concretas de seus interesses: por terra, justiça, liberdade, trabalho e independência dessa massa popular, excluída pela revolução tecnocientífica, em tempos neoliberais. Sem mudar a prática atual, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra não desenvolverá uma aptidão transformadora, ficando refém da concepção capitalista de propriedade produtiva no campo e como bem avaliou o camarada José Ernesto Grisa: "....prevalece, ainda, a ideologia do individualismo, onde o acampado ao ser assentado quer crédito para produzir e ganhar dinheiro para consumir....."
O empenho pela terra deve ser o resgate à identidade do povo, de suas culturas, contra as consequências excludentes da modernização econômica e também opor-se radicalmente à idéia de inevitabilidade de uma nova ordem geopolítica sob a qual o capitalismo, e seus valores e subculturas, tornam-se universalmente aceitos. A batalha a ser travada não é somente por terra e sim por uma nova forma societária, caso contrário a luta esmorece, a rebeldia é domesticada e a cultura da resistência se despolitiza e morre.
Depois desse depoimento sobre o momento que passa o MST, e é a encruzilhada de todos os movimentos sociais na América Latina, como também, dos governos: Chavéz, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia e Rafael Correa, no Equador. Aproveite e leia abaixo, o artigo da Revista Carta Capital - O MST CHEGA À ENCRUZILHADA
Artigo na íntegra:
por Phydia de Athayde e Rodrigo Martins
O MST chega à encruzilhada
Todas as manhãs, tão logo o sol desponta, Isaías Antônio Vedovatto está a postos para tirar leite das vacas e, eventualmente, acompanhar de perto o abate de bois e porcos. Assentado num lote de 15 hectares, na Fazenda Anoni, desapropriada no início da década de 1990, o pequeno produtor juntou-se a 14 famílias do município gaúcho de Pontão para tocar um frigorífico comunitário e uma cooperativa de laticínios. Os alimentos produzidos no roçado familiar, como feijão e mandioca, não são comercializados. Reforçam as refeições da mulher e dos dois filhos.
Aos 44 anos, mãos calejadas e uma longa trajetória no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST), Vedovatto é considerado por promotores do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul um perigo à nação. Enquadrado na Lei de Segurança Nacional, restolho da ditadura, o agricultor é acusado de promover saques, seqüestros e depredações por "inconformismo político". Associado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), conforme processo ajuizado em março deste ano, seria um dos artífices do grupo responsável por ensinar táticas de guerrilha aos acampados do MST, "incitando-os à subversão". Para "realizar a reforma agrária na marra", os assentados e acampados "constituíram um Estado paralelo, com organização e leis próprias”.
Na terça-feira 29, a Justiça Federal de Carazinho (RS) tomou o depoimento de Vedovatto e outros sete agricultores denunciados pela procuradora da República Patrícia Muxfeldt. Para embasar a acusação, ela reuniu os relatos de quatro fazendeiros, dois capatazes e três oficiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. O foco de maior preocupação dos acusadores são os acampamentos em torno da Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, ocupada nove vezes pelo MST, que reivindica a desapropriação para a reforma agrária. Caso seja condenado, o agricultor pode pegar de 15 a 30 anos de prisão. Mas declara-se inocente. "Só participei da primeira ocupação, há uns quatro anos. Ajudei nas negociações. Depois disso, voltei para doar agasalhos e mantimentos. Eu não participo de nenhuma organização guerrilheira, isso é delírio". Outro acusado de atentar contra a soberania é o motorista Jandir Wibrantz, de 52 anos. Ele arrendou um sítio para os sem-terra acamparem.
"Aluguei para um piá (garoto) que vi crescer e não acredito que esteja metido em guerrilha. Nunca fui sem-terra. Fui vereador pelo extinto PDS, o herdeiro político da Arena, próxima dos militares." O MST tentou, em vão, obter uma liminar no Tribunal Regional Federal para extinguir a ação. "Crimes comuns, contra o patrimônio privado, viraram crimes contra o Estado. Causa espanto que a denúncia tenha sido acolhida”, diz Nilo Batista, advogado do MST e vice-governador do Rio de Janeiro na gestão de Leonel Brizola (1991-1994). Em parceria com entidades como a ONG Justiça Global, o movimento encaminhará uma denúncia à Organização dos Estados Americanos e à Organização das Nações Unidas contra o que considera uma tentativa de caracterizar o movimento corno "organização criminosa de caráter paramilitar". O coronel Paulo Mendes, comandante da Brigada Militar gaúcha, por sua vez, insiste no risco ao Estado: "Para resistir às reintegrações de posse, os sem-terra armam barricadas, preparam coquetéis molotov, são técnicas de guerrilha mesmo". As informações repassadas aos promotores, diz, foram coletadas pelo serviço de inteligência da Brigada. Boa parte delas, pelo coronel da reserva Waldir Cerutti, que trabalhou como agente infiltrado durante a ditadura. Com base nesse dossiê, o Conselho Superior do Ministério Público gaúcho chegou a propor, em dezembro, "a dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade". A divulgação da proposta fez o Conselho voltar atrás. Outras ações, como a proibição de manifestações, persistem. Tais iniciativas evidenciam que esta é a pior ofensiva sofrida pelo MST. Ironicamente, prospera na Região Sul, berço do movimento, nascido em 1984 no Paraná, e que personifica a luta dos excluídos do campo desde então. Bem longe dali, outro revés atinge em cheio o MST.
Na quinta-feira 24, a Justiça Federal de Marabá, no sul do Pará, condenou três líderes do movimento a pagarem 5,2 milhões de reais à mineradora Vale, por descumprirem a proibição judicial de interditarem a Ferrovia Carajás. A empresa foi alvo de três ações do movimento este ano. A decisão judicial, inédita, abre um precedente que põe em xeque a estratégia de enfrentamento às grandes empresas, adotada oficialmente no 5º Congresso Nacional do MST, em junho do ano passado. O primeiro, histórico, aconteceu em 1985. Em outubro de 2007, durante invasão a uma estação de pesquisa da Syngenta (multinacional que produz sementes transgênicas), no Paraná, um sem-terra e um segurança morreram.
Em março deste ano, uma unidade da Monsanto (transnacional que também produz transgênicos), em São Paulo, foi invadida. No mês seguinte, uma fazenda da Aracruz (nacional, produtora de celulose) foi ocupada por 700 semterra. O diretor de relações corporativas da empresa, Carlos Alberto Roxo, comenta, por escrito: "A Aracruz teve áreas e instalações invadidas, algumas vezes de forma agressiva e violenta. Recorreu à Justiça. Qualquer mudança na política agrária deve ser realizada através de debates e alterações na legislação, e não pela violência e desrespeito às leis e à Justiça".
As ofensivas e contra-ofensivas judiciais são apenas um dos componentes do momento difícil vivido pelo MST. O tempo é de mudança e adaptação forçosa a uma nova realidade, dentro e fora do País. Historicamente, o movimento e a causa da reforma agrária garantiram votos e plataforma política ao Partido dos Trabalhadores, numa trajetória que culminou na chegada de Lula à Presidência. Quase seis anos depois, é visível a opção do governo pelo chamado agronegócio, cujos recordes de produção e exportação têm garantido bons resultados à balança comercial. O mais independente dos movimentos sociais na era Lula sofre ainda com a rejeição da sociedade, fruto, em boa medida, da ostensiva campanha desencadeada pela maior parte dos meios de comunicação na última década.
Uma pesquisa do Ibope, realizada em junho, traz o MST como a terceira instituição na qual o brasileiro menos confia (65% não confiam e 31% confiam), melhor apenas que o Congresso Nacional (74% de desconfiança) e os partidos políticos (88%). Também mostra que apenas 22% dos brasileiros dizem conhecer bem o MST e 75% o conhecem pouco. Longe dos holofotes, os sem-terra são vítimas freqüentes de assassinatos. De 2005 até hoje, 19 integrantes do MST foram mortos e 87, presos. O levantamento da Comissão Pastoral da terra mostrou que, em 2007, aconteceram 25 mortes em conflitos agrários. Idealizador do não-cumprido plano de assentar 1 milhão de famílias no primeiro mandato de Lula, o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) está preocupado.
"O MST vive um drama. Estamos em uma esquina da história dos movimentos sociais. Há no campo apenas tensão social, não tensão política. A massa foi anestesiada”, afirma Sampaio. O Bolsa Família e a aposentadoria rural ajudariam a explicar o quadro, por evocarem, na sua avaliação, a "cultura do favor", uma das faces do clientelismo. "A massa brasileira é desvalida, demora a encontrar um protetor. Quando encontra, não larga. O povo adora o Lula”.
No fim de julho, o MST invadiu a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Brasília, após ocupar escritórios regionais Brasil afora. A iniciativa lembra tempos passados e destoa um pouco da atual estratégia de centrar as ações contra as multinacionais. As principais mudanças no movimento vieram após a chegada de Lula ao Planalto. Para o bem e para o mal. "Investir no centro do poder, na pessoa do Lula, foi um equívoco histórico", avalia, hoje, dom Tomás Balduíno. O bispo emérito de Goiás viu nascer e crescer o movimento. A Comissão Pastoral da Terra, da qual é conselheiro permanente, foi um dos pilares da formação do MST, ao lado do próprio PT.
Após décadas de luta, dom Tomás considera que tanto a decepção com o governo, "profundamente envolvido com o capital", como o não-enfrentamento ao governo levaram os movimentos sociais ao marasmo. "A evolução agora aponta para um novo caminho, de não cair no equívoco de tudo esperar do líder, do messias", diz o religioso, que acredita na reunião dos diversos grupos, no futuro, sob uma mesma bandeira.
Na avaliação de João Pedro Stedile, um dos líderes históricos, não houve erro. O voto dos militantes em Lula, desde 1989, foi "corretíssimo", pois representava um projeto de mudança. Ele lamenta, contudo, que a vitória não tenha alterado a correlação de forças na sociedade, como desejavam os movimentos sociais. Hoje distante do PT e de Lula, Sampaio destaca a importância política do MST, pois considera o movimento "civilizador", na medida em que impediu uma demanda "espontaneísta" pela terra. "Só não temos Farc no Brasil porque o MST politizou a luta pela terra." Como dom Tomás, porém, considera contraditório ocupar terras e, ao mesmo tempo, apoiar um governo que "não faz a reforma agrária".
Além da sempre delicada escolha entre pressionar ou não o governo; a melhora nas condições de vida dos mais pobres também faz parte da nova realidade. "Desde a eleição de Lula, há uma desmobilização das forças sociais. O MST já não tem o apoio da CUT, dos sindicatos", diz o deputado federal e candidato à prefeitura paulistana Ivan Valente, do PSOL. "Os movimentos sociais sentiram o baque”. Valente acredita que o MST não vive uma crise por ter o apoio de parcelas da intelectualidade, setores progressistas na Igreja e partidos políticos. "Mas a crise de identidade no PT, entre os que defendem mudanças e os que abrem concessões, tem impacto de divisão entre os militantes do próprio MST, sempre muito ligados ao partido”, provoca.
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, não entra em detalhes sobre as diferenças internas, mas diz que o partido é "contra a criminalização do MST e as tentativas de constrangê-lo judicialmente". Apesar da mira do MST nas multinacionais, a quantidade de ocupações de terra e de movimentos em atividade permanece alta no Brasil. De acordo com dados do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera) da Unesp, no ano da posse de Lula, 92.883 famílias ocuparam terras no País. Em 2004, o número subiu para 118.225. No ano passado, eram 69.769 famílias em ocupações.
A queda seria reflexo das políticas sociais? O geógrafo da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira não acredita. "Mas é cedo para saber se o combate ao agronegócio como bandeira principal de luta terá tanto poder de mobilização quanto a reforma agrária", arrisca. O MST considera a mudança tática uma necessidade. "Não perdemos o foco", frisa José Batista, dirigente nacional. "Hoje, no lugar do latifundiário estão as multinacionais", diz ele, que tem 33 anos e é filho de assentados na região de Itapeva, no sudoeste paulista. Batista pertence à nova geração de líderes do movimento.
O presidente da comissão de assuntos fundiários da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Leôncio de Souza Brito Filho, representante dos grandes produtores, rebate Batista: "A verdade é que o agronegócio acabou com o latifúndio improdutivo, por isso o MST ataca tanto os grandes produtores”. O ruralista rechaça a tese de que o agronegócio destrua o meio ambiente e explore o trabalhador. "Não dá para pegar as exceções e satanizar um setor responsável por recordes sucessivos de exportação."
Neste ano, a safra 2007-2008 deve alcançar 142 milhões de toneladas de grãos, 10 milhões acima do ano anterior. Ainda que o aumento da produção tenha ocupado áreas antes em desuso, a equipe do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) não considera que os latifúndios improdutivos tenham acabado, uma vez que as desapropriações continuam sendo feitas pelo Incra. Desde a posse de Lula, 1.532 propriedades, ou 3,2 milhões de hectares, foram desapropriados. Este ano, foram 128 imóveis, ou 250 mil hectares, segundo dados oficiais. Desapropriações resultam em assetamentos. Segundo o Nera, de 2003 até 2007, o governo federal criou 2.765 assentamentos, para 304.552 famílias, em 39 milhões de hectares. Deste total, 2.109 foram obtidos (ou seja, as famílias efetivamente entraram na terra) no governo Lula. Nos demais 656 assentamentos, as famílias já estavam na terra.
As ocupações acontecem não necessariamente nos locais onde os assentamentos são criados. O MST participou de 50% dessas ações no País. Realizou 317 ocupações em 2003, chegou ao pico de 409 no ano seguinte, para baixar em seguida para 335 e manter uma leve queda, 292 em 2006, e 289 no ano passado. Forçado a se adaptar aos novos tempos, o MST entende que todas as lutas de massa vivem um momento de descenso. Como reconhece que seus líderes são "forjados na luta”, ou nos acampamentos, é natural que o ritmo esteja mais lento. Também há as discordâncias internas.
Uma delas culminou no afastamento de José Rainha, líder carismático e combativo que atua no Pontal do Paranapanema (SP), uma das regiões mais tensas do País. Rainha discorda das diretrizes do MST e foi desligado dos quadros do movimento. No entanto, segue usando camisetas, bonés e a sigla MST. Ele criou uma Federação de Assentados (a Faafop) e recebeu quase 1 milhão de reais do governo para um projeto de biodiesel. O MST não registra afastamentos semelhantes nos últimos quatro anos, e diz ser errônea a idéia de que todos os outros movimentos de luta pela terra venham de dissidências suas.
"Há dezenas de movimentos no Brasil e isso representa um avanço da democracia. Em números absolutos, eles estão crescendo", diz Bernardo Mançano Fernandes, um dos mais respeitados especialistas em reorma agrária no País, coordenador do Nera. Apesar de considerar grave o avanço do modelo do agronegócio no País, ele avalia que a estratégia de enfrentamento adotada pelo MST tem pouco impacto no setor. "As mudanças no Brasil, como a reforma agrária, só virão em um novo ciclo de retomada das mobilizações de massa," prevê Stedile, otimista com o futuro. "Não precisa muito tempo até a sociedade perceber que o agronegócio está fadado ao fracasso pelas suas próprias contradições.”
Fernandes acredita que a atual mudança no processo produtivo é a raiz dos novos problemas no campo. "A demanda pela agroenergia causa problemas, pois compete por terra com os alimentos e esse processo começou", diz, contrariando o discurso de que o etanol brasileiro não concorre com áreas para comida. É fato que o etanol de cana, cultivada no Brasil, é mais produtivo do que o similar norte-americano, à base de milho. Mas não custa observar os dados preliminares do Censo Agrário, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Entre 1990 e 2007, diminuíram as áreas plantadas de arroz (4,1 milhões para 2,9 milhões de hectares) e feijão (5,3 milhões para 4 milhões de hectares). A da soja praticamente dobrou (11,5 milhões para 20,6 milhões de hectares) e a da cana aumentou de 4,3 milhões para 6,5 milhões de hectares. Não é fácil fazer previsões. Ariovaldo de Oliveira aposta que a crise dos alimentos recolocará a reforma agrária na agenda, pois "as pequenas unidades são as que mais produzem comida”. De acordo com o Censo, a agricultura familiar ocupa 30% da área plantada e é responsável por 70% dos alimentos do País.
O governo federal anunciou 78 bilhões de reais de crédito para a safra 2008-2009, sendo 65 bilhões para grandes produtores e 13 bilhões para pequenos. "Além de desproporcional, é errado dar crédito e não subsidiar o pequeno produtor, como fazem outros países”, critica Oliveira. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, considera o raciocínio uma simplificação, por não levar em conta a capacidade de endividamento de cada setor nem as taxas de juro aplicadas, maiores para os grandes e subsidiadas para os pequenos. "0 governo Lula deu novo significado ao papel da agricultura familiar e criou condições para o seu crescimento”, defende, mencionando o programa de assistência técnica, a política de preço minímo e seguro agrícola como exemplos.
Para Cassel, é obrigação do Estado garantir e regular a produção no campo. Isso estaria acontecendo "de maneira flagrante”. Em relação ao projeto abandonado de assentar 1 milhão de famílias, Cassel relativiza. "Mais da metade de tudo o que se fez de reforma agrária no Brasil aconteceu no governo Lula, que assentou 550 mil famílias." Tais números não batem com os do Nera. Oliveira, da USP, diz que é positivo o atual governo criar programas visando ao desenvolvimento agrário, e escancara: "Ruim é o governo não cumprir as metas que ele próprio estipulou, e mentir que as cumpriu". O ministro prefere falar do futuro. "Nas duas crises, a dos alimentos e a do esgotamento do petróleo, a agricultura familiar tem um papel fundamental. Temos de repensar a reforma agrária, sob uma nova ótica, para responder a esses dois desafios”.
O MST, por razões óbvias, tem pressa. Diante das profundas mudanças no campo, totalmente desfavoráveis, o movimento busca caminhos alternativos para manter acesa a chama que o transformou em um dos mais relevantes atores sociais da América Latina. Resta saber se o embate direto com as grandes empresas trará dividendos políticos ou embute o risco de distanciar ainda mais os sem-terra das camadas urbanas do Brasil.
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