A burguesia com promotores de aluguel, e brigadas violentas, para a qual a chamada readequação pedagógica deve ser a destruição das escolas de qualidade
Cecília Luedemann
Como autora de um livro “proibido” pelos promotores Luciano de Faria Brasil e Fábio Roque Sbardelotto, decidi escrever este artigo para me posicionar contra as medidas inconstitucionais e violentas do Ministério Público Estadual e da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Dentre outras “providências”, como impedir marchas, reprimir protestos, invadir acampamentos e assentamentos, os procuradores ainda propõem “a intervenção nas escolas do MST, a fim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.” Na chamada “readequação pedagógica”, os interventores criaram uma lista de livros “proibidos”, cujos autores conhecidos são intelectuais internacionalmente destacados, como Florestan Fernandes, Paulo Freire, Chico Mendes, José Martí e Che Guevara. E um educador também consagrado no campo da pedagogia, mas não tão conhecido pelo público leigo, considerado pelos “interventores” como um perigoso pedagogo soviético: Makarenko.
Mas, afinal de contas quem é esse tal? Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), escritor e pedagogo ucraniano, é mundialmente respeitado por sua maior obra pedagógica: a organização da escola como coletividade, conhecida como Colônia Gorki, onde reeducou centenas de crianças e adolescentes, meninos e meninas, órfãos da guerra civil e ex-marginais, para assumirem o comando das próprias vidas.
Durante a efervescência cultural dos anos 1920, Makarenko criou uma escola organizada como coletividade autogestionária. A revolução gerada por ele no campo da sociologia da educação pode ser comparada àquela realizada por Lev Semyonovich Vigotski (1896-1934), na área da Psicologia da Educação, com a criação da teoria da “zona proximal” que considera o desenvolvimento da criança sempre mais lento que o aprendizado e defende a ação educativa como forma de antecipação social do conhecimento. A escola organizada como coletividade une as diferentes salas de aula, alunos e professores, em uma nova sociabilidade que garante um aprendizado significativo: o educando participa, decide e constrói sua própria educação.
Essa geração, impulsionada pela participação das massas no primeiro período da revolução soviética, entrou em confronto com as teorias espontaneístas, individualistas, que se baseavam apenas no desenvolvimento do indivíduo a partir das próprias forças ou, ainda, do nível em que este se encontrava, como naquela época, a teoria de Rousseau e hoje de Piaget. E o resultado foi surpreendente: a possibilidade de transformar os antigos explorados em verdadeiros cidadãos que participaram ativamente da construção da nova sociedade. Com formação científica, crítica e ativa, cultos e educados para a solidariedade, essa nova geração tornou-se a prova de que mesmo os povos mais atrasados economicamente poderiam conquistar outros patamares da vida cultural e científica, se a escola fosse organizada como coletividade.
Quando escrevi “Makarenko: Vida e obra” tomando como base minha dissertação de mestrado (orientada pela professora Mirian Jorge Warde, pela PUC/SP, em 1994) tinha clareza das contribuições que esse livro poderia dar para a formação de pedagogos, educadores e educandos que lutam por uma escola pública de qualidade. Mas, em especial, para os do MST que, como a Unesco já mostrou por meio de prêmios e convênios, é o movimento social que tem contribuído para a garantia do direito à educação do campo. Já na terceira edição esgotada, “Makarenko: Vida e obra” responde tanto às necessidades das escolas públicas em crise, quanto à crise de reeducação de crianças e jovens marginalizados. Ao invés da violência institucionalizada, nossos jovens têm o direito á educação de qualidade, como provou a experiência de Makarenko nas primeiras décadas do século 20.
Quem tem medo de Makarenko? A burguesia, cujo projeto de Brasil não permite a formação de um povo culto e livre. Para eles, armados com seus promotores de aluguel, e suas brigadas violentas, a chamada readequação pedagógica deve ser a destruição das escolas de qualidade para o povo. Escolas sem bibliotecas, salas de aula sem livros, educadores mal remunerados, desestimulados e sem tempo para formação acadêmica, educandos proibidos de participar e decidir sobre a vida de sua escola: essa é a readequação pedagógica apregoada por promotores ultradireitistas em terras gaúchas. Na contramão da história proíbem o livro de Makarenko, um dos pedagogos mais conhecidos e respeitados ainda hoje, porque representa a escola que cultiva o gosto pela participação, pela ciência, pela produção cultural, pelo respeito ao ser humano... “Um povo instruído será sempre forte e livre”, José Martí.
Cecília Luedemann, jornalista e educadora, é autora do livro Anton Makarenko: Vida e obra – A pedagogia da revolução (Expressão Popular).
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