Prof. Jorge A. Quillfeldt
Depto. de Biofísica, IB
Programa de Pós-Graduação em Neurociências, ICBS
Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento
A recente proibição do uso de animais em pesquisa nos municípios de Florianópolis (Lei 7.486 de 07/12/2007) e Rio de Janeiro (Lei. 4.731 de 04/01/2008), colocou a comunidade científica brasileira em estado de alerta. Tais interdições, se prosperassem, causariam graves prejuízos ao desenvolvimento científico e tecnológico nacional, afetando, por exemplo, instituições do porte de uma UFRJ ou uma UFSC, ambas reconhecidas protagonistas no cenário científico nacional.
O tema é recorrente e deriva da carência de uma legislação específica sobre o assunto: há treze anos tenta-se aprovar o Projeto de Lei Federal 1.153/1995, que disciplina pontos fundamentais como a criação de Comissões de Ética nas instituições que usam animais, incentivo à aplicação dos três eixos bioéticos da redução – refinamento – substituição, e previsão de penalidades aos infratores. Enquanto isto, crescem no país os movimentos antivivisseccionistas – também chamados de “anti-especistas” -, que se aproveitam de um vazio legal para promover a implantação de legislação restritiva local que não seria possível se existisse uma Lei Federal disciplinadora.
Estudos empregando animais de experimentação são fundamentais para o desenvolvimento de soros, vacinas e novos medicamentos para tratamento de doenças, não só de seres humanos, mas também de animais. A ciência avançou muito, mas ainda há muito por fazer. A saúde e mesmo a vida, inclusive das gerações vindouras, depende de nosso esforço investigativo hoje. As chamadas alternativas ao uso de animais vivos em experimentação - cultura de células, modelos e programas de computador - não passam de complementos ao estudo em seres vivos reais, uma vez que apenas organismos vivos intactos e saudáveis respondem como sistemas multifuncionais integrados: examinando apenas as partes, não é possível compreender-se o todo. Os estudos em seres humanos são realizados apenas em fases posteriores do ensaio de medicamentos e procedimentos clínicos, e sempre sob o instituto do Consentimento Informado, uma das conquistas advindas do julgamento de Nuremberg, que examinou os traumáticos acontecimentos dos campos de concentração nazistas.
Os alegados maus tratos a animais de experimentação, mencionados por militantes antivivisseccionistas como justificativa para a nova legislação, não correspondem nem de longe à realidade, até porque a comunidade científica, não só no Brasil mas no mundo todo, tem seu proceder rigidamente controlado em diferentes instâncias, que vão desde os Comitês de Ética em Experimentação, já estabelecidos em muitas das Universidades e Centros de Pesquisa, até a legislação nacional e internacional (mais ampla) existente, chegando ao filtro último que representam os comitês editoriais das revistas científicas indexadas, que apenas publicam o que está de acordo com o normatizado em termos éticos. Felizmente, a comunidade científica nacional começou a movimentar-se, obtendo alguns primeiros sucessos. No Rio, conseguiu-se o veto do prefeito ao projeto carioca, mas esse foi derrubado pelos vereadores: estuda-se agora aprovar legislação estadual para restringir a iniciativa municipal. Em Florianópolis, depois de muita discussão, aprovou-se uma regulamentação detalhada da Lei criada em dezembro, que reverte a proibição, inclusive com apoio de alguns dos mesmos vereadores que a propuseram originalmente.
Mas não basta o esforço jurídico-legislativo: é preciso que a comunidade científica desperte para a importância de ela própria assumir seu papel informador e também formador da opinião pública, não só como defesa de sua atividade, mas principalmente por ser uma obrigação de qualquer instituição produtora de conhecimento sustentada por recursos públicos. Deve-se promover um diálogo inteligente e respeitoso com os cidadãos, centrado na lógica dos argumentos em prol do uso de animais de experimentação. As justificativas existem e delas depende, por fim, o bem-estar de todos, mesmo de quem não sabe. E a responsabilidade em difundi-las é principalmente nossa.
Parafraseando um certo apresentador de TV já falecido, cientista que “não se comunica, se trumbica”...
(publicado no Jornal da Universidade - UFRGS)
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