por James Petras
O assalto das tropas e mísseis do Presidente Uribe, violando a soberania do Equador, esteve prestes a precipitar uma guerra regional com o Equador e a Venezuela. Durante uma entrevista que mantive com o Presidente Chavez, no momento deste acto belicoso, ele confirmou-me a gravidade da doutrina de Uribe da "guerra preventiva" e da "intervenção extra-territorial", chamando ao regime colombiano o "Israel da América Latina". Pouco antes, durante o seu programa de rádio dominical "Alô Presidente", no qual fui um hospede convidado, ele prosseguiu com o anúncio de que estava a enviar forças de terra, ar e mar para a fronteira venezuelana com a Colômbia.
O ataque transfronteiriço de Uribe tinha a intenção de experimentar a 'vontade' política do Equador e da Venezuela de responder à agressão militar, bem como testar o desempenho do míssil de ataque dirigido por satélite, com coordenação remota dos EUA. Também não há dúvida de que Uribe pretendia escapar à iminente libertação da prisioneira das FARC, Ingrid Betancourt, que estava a ser negociada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Bernard Kouchner, pelo ministro do Interior do Equador, Larrea, pela Cruz Vermelha Colombiana e especialmente o Presidente venezuelano Hugo Chavez. Kouchner, Larrea e Chavez estavam em contacto directo com o líder das FARC, Raul Reyes, o qual, juntamente com outros 22, incluindo não-combatentes de várias nacionalidades, foram assassinados no Equador pelo míssil de Uribe com coordenação americana e pelo ataque terrestre. A intervenção militar de Uribe foi em parte destinada a negar o importante papel diplomático que Chavez estava a desempenhar na libertação de prisioneiros mantidos pelas FARC, em contraste com o fracasso dos esforços mlitares de Uribe para "libertar os prisioneiros".
Raul Reyes era reconhecido como o interlocutor legítimo nestas negociações tanto pelos governos europeus como pelos latino-americanos, bem como pela Cruz Vermelha. Se as negociações tivessem tido êxito na libertação de prisioneiros era provável que mesmo governos e instituições humanitárias pressionassem Uribe a abrir negociações com as FARC para uma troca de prisioneiros abrangente e para a paz, o que contrariava a política de Bush e Uribe de guerra implacável, assassínios políticos e políticas de terra queimada.
O que estava em jogo na violação por Uribe da soberania equatoriana e no assassínio de 22 guerrilheiros das FARC e visitantes mexicanos era nada menos do que toda a estratégia de contra-insurgência, a qual tem sido prosseguida por Uribe desde que tomou posse em 2002.
Uribe estava claramente desejoso de arriscar-se ao que finalmente aconteceu — a censura e a sanção da Organização dos Estados Americanos e a ruptura (temporária) de relações com a Venezuela, o Equador e a Nicarágua. Ele agiu assim porque podia contar com o apoio de Washington, o qual de modo encoberto (e ilegal) participou e aplaudiu imediatamente o ataque. Isto foi mais importante do que por em risco a cooperação com países latino-americanos e a França. A Colômbia permanece como escudo militar avançado de Washington na América Latina e, em particular, é o mais importante instrumento político-militar para desestabilizar e derrubar o governo anti-imperialista de Chavez. Clinton e Bush investiram mais de seis mil milhões de dólares em ajuda militar à Colômbia ao longo dos últimos sete ano, incluindo o envio de 1500 conselheiros militares e Forças Especiais, dúzias de comandos israelenses e 'treinadores', financiando mais de 2000 combatentes mercenários e mais de 10 mil membros das forças paramilitares que trabalham em estreito contacto com os 200 mil homens das Forças Armadas Colombianas.
Apesar destas e outras considerações internacionais, que influenciaram o 'acto de guerra' extra-territorial de Uribe, eu argumentaria que a principal motivação neste ataque ao acampamento das FARC no Equador foi decapitar, enfraquecer e isolar o mais poderoso movimento guerrilheiro na América Latina e o mais firme oponente às políticas repressivas neoliberais de Washington e Bogotá. Políticos internacionais, incluindo líderes progressistas como Fidel Castro, Hugo Chavez e Rafael Correa, que têm apelado ao fim da luta armada, parecem não perceber as recentes experiências dos esforços das FARC para desmilitarizar a luta, incluindo três iniciativas de paz (1984-1990), (1999-2001) e (2007-2008) e os pesados custos para as FARC em termos de matança de líderes chave, activistas e simpatizantes. Em meados da década de 1980 muitos líderes das FARC aderiram ao processo eleitoral e formaram um partido político — a União Patriótica. Os resultados eleitorais tiveram êxito a nível local e nacional e... 5000 dos seus membros, líderes, pessoas no Congresso e três candidatos presidenciais foram abatidos. As FARC retornaram à zona rural e à luta de guerrilha. Dez anos depois, as FARC concordaram em negociar com o então Presidente Pastraña numa zona desmilitarizada. As FARC mantiveram fóruns públicos, discutiram alternativas políticas para reformas sociais e políticas destinadas a democratizar o Estado e debateram acerca da propriedade privada ou pública de sectores económicos estratégicos com diversos sectores da 'sociedade civil'. O Presidente Pastraña, sob a pressão do Presidente Clinton e depois de Bush, rompeu abruptamente as negociações e enviou as forças armadas para capturar as equipes de alto nível que negociavam em nome das FARC. Os EUA financiaram e aconselharam militares colombianos que fracassaram na captura de líderes das FARC mas ajustaram o cenário para as políticas de terra queimada perseguidas pelo paramilitar Presidente Uribe.
Em 2007-2008 as FARC ofereceram-se para negociar a libertação mútua de prisioneiros políticos numa zona desmilitarizada segura na Colômbia. Uribe recusou. O Presidente Chavez entrou nas negociações como mediador. O governo francês e outros desafiaram Chavez a pedir 'provas' de que os prisioneiros das FARC estavam vivos. As FARC atenderam ao pedido de Chavez. Elas enviaram três emissários que foram interceptados e estão detidos pelos militares colombianos sob condições brutais. Aida assim as FARC continuaram com o pedido de Chavez e tentaram relocalizar o primeiro conjunto de prisioneiros a ser entregue à Cruz Vermelha e oficiais venezuelanos — mas eles acabaram sob ataque aéreo das forças armadas de Uribe o que abortou a libertação. Depois disso, sob risco acrescido, foram capazes de libertar o primeiro conjunto de cativos. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Kouchner, e Chavez fizeram novos pedidos para a libertação de Ingrid Betancourt, uma ex-candidata presidencial de nacionalidade francesa e colombiana. Isto foi sabotado quando Uribe, com assistência técnica de alto nível dos EUA, lançou uma grande ofensiva militar por todo o país, incluindo um programa de monitoração abrangente, rastreando comunicações entre Reyes, Chavez, Kouchner, Larrea e a Cruz Vermelha.
Foi este papel de alto risco desempenhado por Reyes como responsável de alto nível das FARC nas negociações e na coordenação para a libertação de cativos que levou ao seu assassinato. As pressões externas para uma libertação unilateral de prisioneiros levaram as FARC a uma redução da sua segurança. O resultado foi a perda de líderes, negociadores, simpatizantes e militantes — sem assegurar a libertação de qualquer dos seus 500 camaradas mantidos em prisões colombianas. Toda a ênfase de Sarkozy, Chavez, Correa e outros pedia concessões unilaterais das FARC — como se os seus próprios camaradas torturados e agonizantes nas masmorras de Uribe não merecessem qualquer consideração humanitária.
A subsequente cimeira na República Dominicana, durante o fim de semana de 8-9 de Março, levou à condenação da violação por parte da Colômbia da soberania territorial do Equador, mas o governo de Uribe, responsável pela invasão, não foi realmente nomeado ou oficialmente sancionado. Além disso, não foi feita qualquer menção (sem falar em demonstração de respeito) pelo líder assassinado à traição, Raul Reyes, cuja vida foi perdida na busca de uma troca humanitária. Se a própria reunião foi uma resposta desapontadora a uma tragédia, o que veio depois foi uma farsa: um Uribe sorridente atravessou a sala de reunião e ofereceu um aperto de mão e desculpas superficiais a Correa e a Chavez, enquanto o Presidente Ortega da Nicarágua abraçava o líder assassino da Colômbia. Com aquele gesto vil e cínico, Uribe transformou toda a mobilização militar e uma semana de denúncias numa ópera bufa. A 'reconciliação' pós-reunião deu a aparência de que a sua oposição ao ataque transfronteiriço e assassínio a sangue de frio de Reyes foi meramente teatro político — um mau agouro para o futuro se, como é provável, Uribe repetir seus ataques transfronteiriços numa escala ainda maior. Será que o povo da Venezuela ou do Equador e as suas forças armadas levarão a sério outro apelo à mobilização e ao estado de alerta?
Menos de uma semana após a reunião de 'reconciliação' de S. Domingos, Chavez e Uribe renovaram um acordo militar anterior de cooperação contra 'grupos violentos quaisquer que sejam as suas origens'. Chavez esperava claramente que, ao dissociar a Venezuela de qualquer suspeita de proporcionar apoio moral às FARC, Uribe impediria o fluxo em grande escala de infiltrados paramilitares que entravam na Venezuela e desestabilizavam o país. Por outras palavras, 'razões de Estado' tomam precedência sobre a solidariedade com as FARC. Contudo, o que deveria ser claro para Chavez é o facto de que Uribe não respeitará o acordo devido aos seus laços com Washington, e a sua insistência em que o governo Chavez seja desestabilizado por todo e qualquer meio, incluindo a contínua infiltração de forças paramilitares colombianas dentro da Venezuela.
Uribe pôde desculpar-se junto a Correa e Chavez alegando que a finalidade real do seu ataque militar era destruir a liderança das FARC de qualquer modo, em qualquer lugar, em qualquer tempo e sob qualquer circunstância — mesmo em meio a negociações internacionais. Washington estabeleceu um prémio de cinco milhões de dólares para todo e qualquer membro do secretariado das FARC, muito antes de Chavez e Correa chegarem ao poder. A principal prioridade de Washington — como testemunhado pelos seus programas de ajuda militar (US$ 6 mil milhões em sete anos), dimensão e âmbito da sua missão de aconselhamento militar (1500 especialistas americanos) e a extensão do seu envolvimento em actividades de contra-insurgência dentro da Colômbia (45 anos) — era destruir as FARC.
Washington e seus substitutos colombianos estavam desejosos de incorrer no previsível desagrado de Correa, Chavez e na admoestação da OEA se pudessem ter êxito em matar o comandante Número Dois das FARC. A razão é clara: são as FARC e não os líderes vizinhos que influenciam um terço do mundo rural da Colômbia; é o poder militar-político das FARC que amarra um terço das forças armadas da Colômbia e impede o país de se empenhar em qualquer grande intervenção militar contra Chavez a rogo de Washington. Uribe e Washington pressionaram Correa a cortar a maior parte das linhas de abastecimento logístico das FARC e muitos campos de segurança na fronteira equatoriana-colombiana. Correa afirma ter destruído 11 acampamentos das FARC e prendido 11 guerrilheiros. A Guarda Nacional Venezuelana fechou os olhos ao cruzamento colombiano da fronteira na busca de activistas e simpatizantes das FARC entre os refugiados camponeses colombianos acampados ao longo da fronteira venezuelano-colombiana. Uribe e a pressão de Washington forçaram Chavez a recusar qualquer apoio às FARC, aos seus métodos e estratégia. As FARC estão isoladas internacionalmente – o ministro dos Negócios Estrangeiros cubano proclamou a falsa 'reconciliação' de S. Domingos como uma 'grande vitória' para a paz. As FARC estão diplomaticamente isoladas, ainda que mantenham substancial apoio interno nas províncias e nas regiões rurais da Colômbia.
Com a 'neutralização' do apoio externo, ou da simpatia para com as FARC, o regime Uribe — antes, durante e imediatamente após a reunião de S. Domingos — lançou uma série de assassínios sangrentos e ameaças contra todas as organizações progressistas e de esquerda. Durante a 'marcha contra o terror de Estado' de 6 de Março de 2008, centenas de organizadores e activistas foram ameaçados, abusados, seguidos, interrogados e acusados por Uribe de "apoiarem as FARC', uma etiqueta posta pelo governo que foi seguida por matanças, cometidas por esquadrões da morte, do líder da marcha e quatro outros porta-vozes de direitos humanos. Imediatamente após a demonstração de massa, a principal central sindical colombiana, a CUT (Confederação dos Trabalhadores Colombianos) relatou vários assassínios e assaltos, inclusive o dirigente do sindicatos dos bancários, um dirigente da secção de educação da CUT e um investigador de um instituto pedagógico.
Como foi dito, mais de 5000 sindicalista foram mortos, 2 milhões de camponeses e agricultores foram removidos à força e as suas terras tomadas pelas forças paramilitares pro-Uribe e latifundiários. Antigos auto-confessos líderes de esquadrões da morte admitiram publicamente terem financiado e controlarem mais de um terço dos membros eleitos do Congresso que apoiam Uribe. Actualmente 30 membros do Congresso estão em julgamento por 'associação' com esquadrões da morte paramilitares. Vários dos mais íntimos colaboradores do gabinete de Uribe foram denunciados como tendo laços familiares com os esquadrões da morte e dois forçam forçados a renunciar.
Apesar da sua má reputação internacional, especialmente na América Latina, com o apoio poderoso de Washington Uribe tem construído uma máquina assassina de 200 mil militares, 30 mil polícias, vários milhares de assassinos de esquadrões da morte e mais de um milhão de colombianos fanáticos das classes média e alta favoráveis à 'destruição das FARC' — o que significa eliminar organizações populares independentes da sociedade civil. Mais do que quaisquer outros dirigentes passados da oligarquia colombiana, Uribe é o que está mais próximo de um ditador fascista que combina terrorismo de Estado com mobilização de massa.
Os movimentos de oposição política e social na Colômbia são maciços, comprometidos e vulneráveis. Eles estão sujeitos à intimidação diária e a assassínios estilo gangster. Através do terror e da propaganda de massa, Uribe até agora tem sido capaz de impor o seu domínio sobre a oposição da classe trabalhadora e atrair apoio de massa da classe média. Mas ele fracassou totalmente em derrotar, destruir ou desarticular as FARC — sua oposição mais consequente. A cada ano, desde que chegou ao poder, Uribe tem prometido a varredura militar maciça de todas as regiões do país, o que acabaria por terminar com os 'terroristas'. Dezenas de milhares de camponeses em regiões influenciadas pelas FARC foram torturados, violados, assassinados e expulsos dos seus lares. Cada uma das ofensivas militares de Uribe fracassou. Mas ele recusa-se absoluta e totalmente a reconhecer o que alguns generais e mesmo oficiais dos EUA observam: as FARC não podem ser aniquiladas militarmente e em algum momento o governo deve negociar.
Os fracasso de Uribe e a presença duradoura das FARC tornaram-se uma obsessão psicótica. Todos os constrangimentos territoriais, legais e internacionais são atirados pela borda fora. Alternando entre a euforia e a histeria, confrontado com oposição interna na sua estratégia de terror mono-maníaca, ele berra contra os 'apoiantes das FARC' e contra todos e quaisquer críticos estrangeiros e colombianos. Ao Equador e à Venezuela ele promete 'não invadir o seu território outra vez' – a menos que 'as circunstâncias o justifiquem'. Assim é tal 'reconciliação'.
O período de intercâmbio humanitário está morto; as FARC não podem favorecer os pedidos de amigos bem intencionados, especialmente quando isto coloca em risco toda a sua organização e a sua liderança. Concordemos em que as intenções de Chavez foram boas. Seus apelos à libertação mútua de prisioneiros poderiam ter feito sentido se ele estivesse a tratar com um político burguês racional que reagisse positivamente a líderes e organizações internacionais e estivesse ansioso por criar uma imagem favorável perante a opinião pública mundial. Mas foi ingénuo da parte de Chavez acreditar que um político psicótico com um historial de aniquilamento da sua oposição descobriria subitamente as virtudes de negociações e trocas humanitárias. Sem dúvida as FARC entendem melhor do que os seus amigos andinos e caribenhos, devido à dura experiência e lições amargas, que a luta armada pode não ser o método desejado mas é o único meio realista de confrontar um regime fascista brutal.
O assassinato de Raul Reyes por Uribe não diz respeito a iniciativas de Chavez ou à soberania do Equador ou ao cativeiro de Ingrid Betancourt, diz respeito a Raul Reyes, um revolucionário consequente ao longo da sua vida e líder das FARC. O medo da guerra está ultrapassado, as diferenças foram encobertas, os líderes retornaram aos seus palácios, mas Raul Reyes não foi esquecido — pelo menos na zona rural da Colômbia ou nos corações dos seus camponeses.
16/Março/2008
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=8356 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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