O conflito armado que a Colômbia sofre há mais de 50 anos enfrenta forças de segurança do estado (exército, polícia, tropas de elite antiguerrilha) apoiadas por grupos paramilitares treinados e financiados pelo governo e por fazendeiros, contra grupos guerrilheiros, basicamente as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP) e, em menor escala, o Exército de Libertação Nacional (ELN).
No entanto, no cenário do conflito, as cidades do interior e as regiões rurais, o povo sofre as piores consequências em termos de abusos extremos aos direitos humanos e violações ao direito internacional humanitário. Tais abusos têm provocado a pior crise mundial de pessoas expulsas de seus lugares de origem. Recentemente a Colômbia superou o Sudão quanto ao numero de pessoas deslocadas internas. Estima-se em 3,5 milhões o número de colombianos que fogem das suas casas para escapar da violência. Isto significa 8% de uma população total de 44 milhões de habitantes, a 2ª maior na América do Sul, depois do Brasil. Colômbia ocupa também o primeiro lugar entre os países da América Latina em número de nacionais que emigram a outros países, com cerca de 4 milhões de pessoas que foram procurar um futuro melhor, principalmente nos Estados Unidos, Espanha e Venezuela.
O atual governo de Uribe, no poder desde 2002, nega que exista um conflito armado no país alegando que o que há é uma “guerra contra o terror”. Esta denominação é uma forma de evitar internacionalmente qualquer preocupação em matéria de direitos humanos. De fato, organizações internacionais como Anistia Internacional e Human Rights Watch, além de ONGs nacionais defensoras dos direitos humanos, têm sido catalogadas pelo governo como apoiadores dos grupos insurgentes, o que automaticamente os torna alvos dos paramilitares.
Em 50 anos de conflito, a maior lista de vítimas é a população civil sem que os movimentos guerrilheiros tenham sido exterminados, como é o objetivo de Uribe. Somente nos últimos 20 anos morreram mais de 70.000 pessoas, a maioria civis, como conseqüência das hostilidades. Um partido político de esquerda, a União Patriótica, foi eliminado fisicamente com a morte de quase 5.000 dos seus militantes entre 1985 e 1992. Quatro candidatos à presidência pertencentes a grupos da oposição foram assassinados, alguns em plena campanha eleitoral. Foram eles Jaime Pardo (União Patriótica) em 1987, Luis Carlos Galán (Novo Liberalismo) em 1989, Carlos Pizarro (Ação Democrática ⁄M-19) e Bernardo Jaramillo (União Patriótica), estes últimos em 1990. Colômbia é o país com maior número de sindicalistas assassinados no mundo. Só nos últimos 10 anos mais de 2.500 sindicalistas foram mortos em seus locais de trabalho ou em suas casas. Seis em cada 10 sindicalistas assassinados no mundo são colombianos. Sindicatos de professores denunciam o assassinato de seus colegas, que apenas no ano de 2006 mostrou a cifra de 33 docentes assassinados por paramilitares. A Comissão Internacional de Juristas denuncia que entre 1979 e 1991, 278 advogados foram assassinados na Colômbia. Estudantes universitários denunciam que desde 2001 até 2008 mais de 30 alunos foram assassinados por paramilitares.
O comum de todos estes assassinatos que em 99% dos casos nunca foram presos nem indiciados os culpados. Muito além das cifras que consideram a Colômbia como a triste campeã de genocídio impune contra seu povo, deve-se considerar como se chegou à tamanha perda de valores humanos. Vale a pena se perguntar como é que o povo elege e re-elege ao presidente mais desrespeitador dos direitos humanos e mais descaradamente próximo aos grupos paramilitares, mas também o que teve os maiores índices de popularidade. Será que os colombianos estão sedentos de sangue?
Apesar dos massacres serem realizados em 90% dos casos por paramilitares e do apoio explícito que Uribe tem dado aos grupos paramilitares desde a época que era governador do Departamento de Antioquia até sua ascensão à presidência da república, ele conseguiu se eleger duas vezes e confabula para mudar a constituição e se eleger pela terceira vez.
Vários fatores devem ser considerados para tentar uma explicação a este fenômeno. Em primeiro lugar, o elevado índice de abstenção nas eleições (até 60%) em um país em que o voto é facultativo. Na última eleição, Uribe conquistou a presidência com 25% do eleitorado. Em segundo lugar, a manipulação da informação que a mídia exerce sobre os distintos meios de comunicação, completamente monopolizados e dominados pela elite governante. Em terceiro lugar, a tradicional corrupção dos “caciques”, líderes dos partidos tradicionais ligados ao poder que compram votos por dinheiro ou favores ou ameaçam com seus capangas a quem não vote nos seus protegidos. Todos esses fatores levam a que a maioria dos votantes seja quase exclusivamente das classes média e alta, sem participação do povo que fica afundado na ignorância, o medo e a desinformação.
Adicionalmente, grande parcela da população urbana embrutecida pela mídia, engole o argumento da “guerra contra o terror” e aceita sem condições que o principal problema a resolver no país é a eliminação da guerrilha e não se importa para problemas tais como o desemprego, a insegurança, a falta de educação, de saúde, de moradia, de garantias de vida para grupos ou partidos de oposição, de investimento social ou de reforma agrária. Este último ponto é dramático na Colômbia, onde existe uma verdadeira anti-reforma agrária. Mais de 80% das terras potencialmente produtivas está nas mãos de paramilitares estando completamente improdutivas uma vez que a apropriação de território tem caráter estratégico no conflito armado. Enquanto isso, o povo banido do campo enche as grandes cidades em condições subumanas.
Desde a época que os historiadores vêm chamando de “A Violência”, que começou em 1947 depois do assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, líder liberal de oposição ao governo conservador da época, até o fim da única ditadura militar na história recente da Colômbia do General Gustavo Rojas em 1957 foram 10 anos em que morreram violentamente 300.000 colombianos, principalmente nas regiões rurais. Para parar com o banho de sangue, Rojas fez acordos com a guerrilha liberal para conseguir a sua desmobilização. Entretanto, o acordo foi desrespeitado e os líderes guerrilheiros desmobilizados foram assassinados um a um. Conformava-se assim a estratégia que os sucessivos governos colombianos utilizariam para enfrentar a oposição, ou seja, a sua eliminação física. Enquanto a década de 1970 foi de grande crescimento dos grupos guerrilheiros que chegaram a quase dez, a década de 1980 caracterizou-se pelo crescimento dos cartéis do narcotráfico e dos grupos paramilitares. Os primeiros injetaram dinheiro nos segundos, enquanto que o governo olhava com complacência a ação “suja” que ele não podia fazer, de eliminar não só os líderes da oposição, como os supostos colaboradores da guerrilha, ou seja, os camponeses que habitavam no cenário dos conflitos, os militantes de partidos de esquerda legalizados, as organizações de defesa dos direitos humanos e os ativistas comunitários.
À estratégia da eliminação física da oposição foi somada a estratégia de “tirar a água do peixe”, velha tática norte-americana posta em prática em outros países, a qual consiste em eliminar o camponês que vai apoiar os grupos insurgentes mais cedo ou mais tarde, seja por convicção ou por medo. Estas estratégias combinadas, postas em execução por um exército de paramilitares sem escrúpulos com claro e comprovado apoio do exército oficial, levaram inevitavelmente ao banho de sangue que tem sofrido a Colômbia nas últimas décadas.
O futuro é incerto e obscuro. Nos últimos 40 anos foi sacrificada a maioria da população pensante que poderia redimir o país das suas mazelas e ficou no poder uma elite corrupta, assassina, sem a menor condição de resolver os problemas sociais e completamente ajoelhada ao imperialismo norte-americano. Uribe mostra cifras que indicam que o conflito tem diminuído, que a Colômbia caminha para a pacificação, mas o certo é que a paz que impera na Colômbia é a paz das sepulturas, a “pax” romana. A classe média adora Uribe porque agora dá para passear pelas estradas durante as férias sem se preocupar em encontrar uma blitz da guerrilha. Quem viaja pelas principais rodovias assiste a um permanente desfile de soldados fortemente armados a cada 5 ou 10 km. O custo desse deslocamento militar é absurdo. Os demais problemas são menores. As massas de camponeses enxotados de suas terras lotando a periferia das grandes cidades, o conflito no campo que faz da Colômbia um país importador de alimentos quando antes era exportador, a imposição do mais duro capitalismo selvagem, a carência de recursos para universidades, escolas e hospitais, a falta de garantias constitucionais. O que importa é exterminar os insurgentes. E assim Uribe caminha para seu terceiro mandato, mesmo que para consegui-lo tenha que mudar a constituição. Para isso tem a maioria do congresso, com peso significativo e reconhecido de políticos paramilitares. Para isso o povo põe os mortos e a classe média desinformada põe os votos.
Bibliografia
Amnistía Internacional. Déjenos en paz! La población civil, víctima del conflicto armado interno de Colombia. Editorial Amnistía Internacional, Madrid, 2008. 130 p.
Disponível em: ww.amnesty.org⁄ es.
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