A conjuntura Nacional
O Processo de mudança e o Governo
Documento político aprovado pelo pleno do Comitê Central
As heranças e os obstáculos
No Partido Comunista, compartilhamos as inquietudes de muita gente. Lutamos continuamente para enterrar o velho sistema com seu modelo de pilhagens, exploração e corrupção e para encaminhar, dentro de uma nova forma de fazer política, um novo sistema com novos modelos, que interpretem as expectativas de mudança da maioria do nosso povo e que se construam sobre a base do patriotismo, da solidariedade, da justiça social e da honestidade. Entendemos que as forças motrizes deste processo são os trabalhadores da cidade, do campo e outras classes e camadas sociais exploradas e negligenciadas, cuja expressão política é o Espaço Unitário-Congresso Popular (EU-CP) e a Frente Guasu.
Acreditamos que o processo de mudança segue avançando com muitos sucessos. Isso é resultado da maturidade e claridade crescente do movimento popular, que está sabendo aproveitar, em termos educativos, os desmascaramentos de uma direita que executa sua proposta e ação política na defesa de uma oligarquia que não só defende injustos privilégios, como também é, majoritariamente, mafiosa. Ela encontra em sua origem uma longa história de fraudes. Tendo a defesa do Estado oligárquico como base, a direita negocia cargos nas instituições públicas, boicota qualquer iniciativa que fomente a participação do Estado, resguarda funcionários corruptos, viola sistematicamente as leis que defendem o Estado Social de Direito (consagrado na Constituição Nacional), mente descaradamente acerca das responsabilidades da crise social na qual estamos imersos como país, faz esforços para anular e sabotar medidas ou propostas práticas e efetivas que combatam a pobreza e que gerem a participação e organização crescente dos que habitam o Paraguai.
A oligarquia local (não podemos chamá-la de paraguaia, pois nem pensa e nem sente com espírito patriótico), igualmente aos seus representantes empoleirados nas direções políticas dos Partidos de direita, sofre uma crise de percepção (ao defender seus interesses minoritários e ser insensível ante as necessidades coletivas), o que gera uma crise em suas direções políticas. Essa crise é o resultado da possibilidade de consenso num projeto que combine, de forma inteligente, elementos repressivos e persuasivos-alienantes para exercer um domínio menos conflitante. E assim, vão caminhando sem projeto, sem novidade, sem capacidade de gerar entusiasmo em nosso povo.
O fato de que não existam novas e fortes lideranças de massas no seio da direção tradicional da direita, é um elemento que demonstra a força de um processo onde as massas seguem construindo o poder popular. Sem lugar para dúvidas, somos nós, as forças progressistas e de esquerda, que temos um projeto alternativo e viável. Somos nós que temos a novidade unitária, justa e patriótica.
Infelizmente, o reflexo do avanço neste processo é demasiado tímido no Governo. O mesmo tem em seu interior pessoas e grupos mal intencionados, vacilantes e com limitações para interpretar corretamente as potencialidades do processo e apostar numa governabilidade construída a partir de consensos com o movimento popular, não situando-se como centro da institucionalidade do velho regime e dos pactos com as cúpulas dos partidos políticos conservadores.
Não estamos dando importância à institucionalidade da democracia representativa. Trata-se de uma resposta às ações evidentemente contrárias aos interesses do povo, empreendidas por parte da maioria parlamentar, também pelo manejo corrupto, oportunista e anti-democrático da dita institucionalidade do Poder Judiciário e de alguns funcionários públicos e Ministros. Entendemos que situar essa institucionalidade como centro da ação política por parte do Executivo, significa abandonar o espírito de mudança de 20 de abril.
Este critério e este procedimento retardatário abona a paralisia e o retrocesso enquanto políticas públicas, posto que o Governo aposta a governabilidade situada como eixo da mesma institucionalidade questionada pela maioria. A direita exprime seu sistema para acorrentar e chantagear o Governo, ao mesmo tempo em que não tem problemas em violar a legalidade que eles mesmos engendraram e manipulam, quando a mesma não se ajusta a sua política de pilhagem, exploração e terror.
Labirintos reais e imaginários
É verdade que, desde o começo, detectamos todas as dificuldades que iríamos ter neste processo, como um Estado desenhado para a pilhagem e a corrupção, um funcionalismo público majoritariamente mal formado para naturalizar a corrupção, um aliado como o PLRA cuja cúpula tem uma história de entregas e traições ao povo, um Congresso Nacional com maioria de delinquentes e não-patriotas, um Poder Judiciário que funciona como tentáculo da máfia, uns meios de comunicação que bombardeiam diariamente as cabeças de nosso povo mentindo e distorcendo a realidade, e um movimento popular cujo processo de unidade segue sendo insuficiente para configurar uma direção política que seja capaz de gerar uma liderança compartilhada, coletiva e poderosa. Entendemos que o nível de direitização do Governo encontra seu principal responsável num Presidente da República que não se anima ou, decididamente, não quer governar com o povo.
As mudanças efetuadas no INDERT, o mau manejo político nas SAS, a apresentação da lei anti-terrorista, o chamado Estado de Exceção, os assessoramentos colombiano-norte-americanos ratificados na última assinatura de um convênio de 10 milhões de dólares entre o Ministério do Interior e os EUA. É necessário ressaltar que este convênio ofende a nossa soberania, já que implica um minucioso controle e assessoramento norte-americano de toda a segurança interna, tal como acontecia nos tempos de ditadura. Estes são alguns elementos que marcam a direitização que desembocará numa restauração conservadora. Já em dezembro de 2009, na ocasião do último pleno do Comitê Central, havíamos identificado essa movimentação da direita, com o acréscimo de que a dita restauração seria de matiz terrorista, dado o desespero e as características cavernosas da direita paraguaia. Uma mostra da periculosidade das forças de segurança controladas pelos EUA e Colômbia são as recentes e indignas torturas, dentre outras violações aos direitos humanos, contra crianças e adultos em Kurusu de Hierro, por policiais da FOPE, no momento da busca de membros do grupo de delinquentes autodenominado EPP.
Em meio a um cenário político altamente turbulento, o movimento popular, conforme afirmamos constantemente, vem dando mostras de sua crescente maturidade, avançando na unidade, com grandes mobilizações, como as de 20 de março (lançamento da Frente Guasu) e a de 20 de abril (festejo pelos dois anos da vitória popular). Tais eventos são o reflexo da quantidade de municípios e estados progressistas e de esquerda, que apresentarão resultados positivos nas próximas eleições municipais de 7 de novembro. Sabemos que o avanço eleitoral nos setores progressistas e de esquerda nos permitirá brigar no terreno institucional, fundamentalmente pela credibilidade e pela participação cidadã na construção do poder e da soberania popular.
Democracia e soberania
Em grande medida, o I Congresso Camponês do EU-CP, realizado recentemente em 10 de junho, marcou a recuperação da linha histórica do movimento popular, posto que se apontaram muitas críticas ao Governo e a autocrítica a nossa falta de atenção à luta estrutural contra o latifúndio e o modelo agroexportador.
Porém, não só se apresentaram críticas e autocríticas, como também um ambicioso projeto de desenvolvimento no marco da mudança do modelo produtivo, com o intuito de assentar as bases de uma Reforma Agrária que ative a economia em favor das maiorias populares. De fato, a esquerda, por falta de quadros e excesso de frentes de trabalho, descuidou da mobilização reivindicativa para pressionar o Governo. Podemos afirmar que o I Congresso Camponês é um ponto de inflexão no processo de lutas. É necessário que se volte a pressionar o Governo e a defender a necessária independência, Na atual conjuntura, essa é a única ferramenta para defender o processo e tentar um maior reflexo do mesmo no Governo. É importante apontar que uma das resoluções do Congresso é levar adiante as ocupações e as recuperações, de caráter patriótico, das terras desabitadas.
As terras improdutivas e os bens roubados do povo devem ser o principal elemento a ser trabalhado, de maneira discursiva e jurídica, pelo Poder Executivo. O procurador Geral do Estado deveria ser o mais renovado dos integrantes do Executivo. No caso, o destaque sobre o procurador Geral do Estado se dá por sua responsabilidade de julgamento, por empreender uma campanha de conscientização acerca da necessidade de saldar contas com o passado recente e, consequentemente, recuperar bens e terras desabitadas, para identificar os saqueadores, exercer o castigo que corresponda e começar sólidos cimentos para uma sociedade realmente democrática.
São grandes os desafios que teremos pela frente. Dentre eles: a independência e a firmeza na defesa do processo das mudanças; a necessária e urgente reorientação do Governo, fundamentalmente em suas políticas, social, de segurança interna e exterior; uma grande campanha eleitoral que nos permita uma vitória em novembro próximo; a estruturação da Frente Guasu para que, tanto grupos como pessoas individualmente o sigam, somando-se ao mesmo; e o exercício de uma direção efetiva na gestão pública das instituições, nas quais se encontram, como responsáveis, dirigentes das forças que integram a Frente Guasu.
Na reunião do Comitê Central (CC) de dezembro passado, havíamos dito que devíamos priorizar a construção partidária e da militância unitária de base, para por em prática o saneamento da direção popular e depurar, por dentro, o movimento. Neste sentido, vamos pelo bom caminho, mas ainda é preciso adquirir força suficiente para derrotar a direita criminosa, golpista, autoritária e anti-patriótica, que não titubeará em defender, à sangue e fogo, seus sujos interesses ante qualquer avanço democrático, por mais tímido que seja.
Sabemos que, se o Governo não demonstrar mudanças concretas em sua política social, em sua política de segurança interna e em sua política exterior, será impossível continuar com nosso apoio crítico, posto que serão adiados os três eixos que motivaram o dito apoio: o aprofundamento da democracia, da soberania nacional e a reforma agrária integral com participação camponesa.
Infelizmente, no momento de escrever este documento, produto de debates do pleno do CC, ocorridos entre os dias 12 e 13 de junho passado, o Presidente Fernando Lugo acabou por promulgar a Lei anti-terrorista (24 de junho), Com isso, inscreveu (e escreveu) uma página negra em sua história como governante, ao fornecer as bases para a criminalização, a repressão e a decapitação do movimento popular paraguaio, principalmente, o camponês. Com esta lei, mais o assessoramento colombiano-norte-americano em matéria de segurança interna (política nacional), vemos praticamente interrompido o processo de mudança do Governo, já que as possibilidades de avançar na democracia e na soberania são cortadas. Isso, graças ao aprofundamento da ingerência estrangeira, cujo objetivo é isolar o Executivo do movimento popular, gerando “evidências” que demonstrem uma aparente impossibilidade de governar democraticamente, a favor das maiorias no Paraguai. E eles estão conseguindo...
No entanto, nós do Partido Comunista Paraguaio, (com nossos amigos e aliados, junto com o povo) somaremos esforços para fazer tudo o que estiver ao nosso alcance. O objetivo é reverter a direitização do Governo, avançar na construção de uma força que seja capaz de assumir as demandas históricas e aplicar um projeto alternativo como programa de governo, que seja decididamente patriótico, soberano, democrático, solidário, participativo e justo. Não podemos permitir que, por deficiências políticas, administrativas e por falta de firmeza ante os fatos de corrupção, a direita consiga disseminar na população a ideia de que a esquerda e a direita são igualmente corruptas, politiqueiras, ineficientes e anti-patrióticas.
Confiamos na possibilidade de mudar o rumo do Governo. Acreditamos ainda mais que, para conseguir essa façanha, temos que nos afastar de um projeto fracassado, com a suficiente grandeza e autocrítica para gerar a confiança da imensa maioria dos paraguaios e paraguaias, com quem poderemos assumir o desafio de continuar com o processo de mudanças, visando um somatório de forças que, em 2013, demonstrem os desejos majoritários de nosso sofrido povo.
Por último, continuamos defendendo – hoje mais do que nunca – a unidade e a mobilização permanente dos mais diversos setores do movimento popular e de todo o nosso povo, como única ferramenta que garanta o avanço da democracia, da soberania e da justiça social em nosso querido Paraguai. Estamos alertas e mobilizados. Nossa história necessita de protagonismo e soberania popular.
Pela segunda e definitiva independência!
Por um Governo democrático e participativo, que seja mandatário do poder do povo!
Não votamos apenas, também participamos!
Partido Comunista Paraguaio
Comitê Central Junho/Julho de 2010
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza
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